7 fevereiro 2014, Instituto Lula http://www.institutolula.org (Brasil)
Fernando Pimentel, o presidente do Uruguai Pepe Mujica, Dilma
Rousseff e Lula.
Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula.
O ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva participou na noite de ontem (6) da comemoração dos 35
anos do Partido dos Trabalhadores. Ao lado da presidenta Dilma Rousseff, do
convidado de honra da atividade, Pepe Mujica, de parlamentares, lideranças e da
militância, Lula falou da fundação do partido, das transformações sociais
ocorridas nos últimos 12 anos e de ações que o PT ainda deve adotar. Leia o
discurso - sem improvisos - feito ontem no Minascentro, em Belo Horizonte:
Companheiros e
companheiras,
No dia 10 de fevereiro
de 1980, algumas centenas de brasileiros e de brasileiras começaram a escrever
uma das mais belas páginas da história política do nosso País.
Naquele dia,
companheiros vindos de todas as regiões, trabalhadores da cidade e do campo,
intelectuais, estudantes, religiosos, militantes de esquerda, militantes
sociais, nos reunimos para debater e aprovar o Manifesto de Fundação do Partido
dos Trabalhadores.
Era um tempo em que
lutávamos por Democracia, enfrentando uma repressão que recaía de forma
especialmente dura sobre os trabalhadores e nossos aliados. Um tempo em que
estávamos conquistando, na prática e no aprendizado das lutas cotidianas, o
direito de livre organização sindical e política da classe trabalhadora.
Nesse ambiente de
lutas, com os pés firmes no chão e grandes sonhos na cabeça, nasceu o PT.
Quero recordar as
primeiras palavras do nosso Manifesto de 1980:
“O Partido dos
Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de
intervir na vida social e política do país para transformá-la.
A mais importante lição
que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas é a de que a democracia é
uma conquista que, finalmente, ou se constrói pelas suas mãos ou não virá.
(...)
As grandes maiorias que
constroem a riqueza da nação querem falar por si próprias. Não esperam mais que
a conquista de seus interesses econômicos, sociais e políticos venha das elites
dominantes. (...)
O PT nasce da decisão
dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver
os seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de
privilegiados.”
É importante recordar
essas palavras, 35 anos e muitas lutas depois, para fixar duas características
essenciais do nosso partido:
O PT nasceu para mudar.
O PT nasceu para ser
diferente.
É isso que explica a
nossa trajetória desde a fundação, por um punhado de idealistas comprometidos
com as causas populares, até os dias de hoje, quando estamos governando este
País que se tornou uma das maiores democracias e uma das maiores economias do
mundo.
Quantos partidos
políticos chegaram aos 35 anos de existência com uma história de lutas e
conquistas tão rica como a do Partido dos Trabalhadores?
E quantos partidos no
Brasil, tendo conquistado o governo, conseguiram transformar de maneira tão
intensa a realidade social, econômica e política em nosso País? Certamente,
nenhum como o PT.
Podemos falar com muito
orgulho do nosso partido, porque fizemos e continuamos fazendo História neste
País.
Companheiros e
companheiras,
É muito comum hoje em
dia as pessoas falarem em “nova política”, como se estivessem anunciando a
invenção da roda.
Por isso, quero lembrar
outra passagem do nosso Manifesto de fundação:
“O PT quer atuar não
apenas nos momentos das eleições, mas, principalmente, no dia-a-dia de todos os
trabalhadores, pois só assim será possível construir uma nova forma de
democracia, cujas raízes estejam nas organizações de base da sociedade e cujas
decisões sejam tomadas pelas maiorias.”
Quem foi capaz de
construir um partido de baixo para cima, organizando núcleos nas fábricas, nos
bairros e nas escolas, sabe muito bem o que foi fazer uma nova política nesse
País.
Desde a primeira
prefeitura que elegemos, o PT introduziu uma nova forma de governar, com a
participação direta da população nas decisões.
O PT criou o Orçamento
Participativo e abriu novos caminhos para a Democracia, por meio dos conselhos
e das conferências para debater e efetivar políticas públicas.
A sociedade
apropriou-se dessas práticas, aprendeu e cresceu com elas, qualificando sua
relação com o poder público em todos os níveis.
Nova política foi
combinar a atuação dos nossos deputados e vereadores com a presença nas ruas,
nas greves e nas lutas populares.
O PT participou da
organização de movimentos sociais autônomos, que dinamizaram a Democracia e o
processo político em nosso País.
Estivemos na linha de
frente do movimento pelas Diretas-Já e pela plena redemocratização do País.
Levamos à Assembleia Constituinte as propostas mais avançadas do campo popular
e democrático.
Elegemos prefeitos em
grandes cidades, elegemos governadores, aprendemos a construir alianças,
ampliando o diálogo com os diversos setores da sociedade.
Disputamos três
eleições presidenciais antes de alcançar a primeira vitória, acumulando
ensinamentos e ampliando nossa articulação social em cada processo eleitoral.
Foi a prática coerente
dessa nova política, nas instituições e nas ruas, que consolidou o caminho para
a vitória eleitoral de 2002, quando o País escolheu o PT para liderar as
mudanças.
Nova política foi
acabar com a fome neste País.
Foi garantir uma renda
básica, um patamar de dignidade e cidadania para cada brasileiro, por meio do
Bolsa Família e do Brasil Sem Miséria.
Estes poucos, mas
significativos, exemplos honram a memória daqueles que viram na criação do PT a
oportunidade histórica do povo brasileiro para tomar o destino em suas mãos.
Companheiros da
qualidade de Sérgio Buarque de Holanda, Apolônio de Carvalho, Mário Pedrosa,
Lélia Abramo, Henfil, Helena Grecco, Luiz Gushiken, Marcelo Déda e tantos
outros que sonharam conosco desde o início da jornada.
O PT é motivo de
orgulho para cada militante, das primeiras e das novas gerações.
Cada um de nós pode
andar de cabeça erguida e afirmar: nós contribuímos para mudar este País.
Participamos
diretamente da maior transformação política, social e econômica da história do
Brasil.
Caminhamos junto com o
povo brasileiro para uma nova era de desenvolvimento e inclusão social.
A história do PT é
nosso maior patrimônio, e essa história ninguém pode nos tirar.
Companheiros e
companheiras,
Há pouco mais de 12
anos o PT começou a enfrentar seu maior desafio – que era também seu destino de
partido nascido para mudar.
Governar o Brasil, com
as complexidades de um país historicamente marcado pela desigualdade, foi a
missão que a sociedade nos confiou, em um voto carregado de esperança.
A direção a seguir
estava apontada, mais uma vez, em nosso Manifesto fundador, onde ele diz:
“O PT pretende chegar
ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do
ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano
social.”
Seguimos essa
orientação desde o primeiro dia de governo. Houve medidas duras, para corrigir
os muitos problemas que herdamos. Houve medidas amargas, quando foi necessário
para garantir os avanços. Foi preciso reavaliar expectativas para lidar
corretamente com a realidade do País e as responsabilidades de governo.
Mas nunca deixou de
haver diálogo democrático com todos os setores. Nunca um governo se abriu tanto
às propostas e reivindicações da sociedade.
E nunca – jamais –
traímos o compromisso com as camadas mais amplas da população, as que sempre
foram relegadas no curso da História.
Nesses 12 anos o povo
brasileiro participou conosco do mais amplo processo de inclusão social desse
País, no mais duradouro período de crescimento econômico com estabilidade.
Nós temos de nos
orgulhar de um governo que tirou 36 milhões de pessoas da extrema pobreza, que criou
mais de 21 milhões de empregos com carteira assinada, que conseguiu incluir
mais de 40 milhões na classe média.
Temos de nos orgulhar
de um governo em que o salário mínimo cresceu 74% em termos reais, em que a
renda das famílias mais pobres cresceu mais de 60%.
De um governo que
herdou um desemprego de 12,5% e reduziu esse índice a 4,8% em 2014, o menor
desemprego de todos os tempos.
Temos de nos orgulhar
de um governo em que o país dobrou a produção agrícola, garantiu comida farta
na mesa do trabalhador e tornou-se um dos maiores exportadores mundiais de
alimentos.
Um governo que abriu as
portas da universidade para os filhos dos trabalhadores, para os negros, para
os que jamais tiveram essa oportunidade.
Esses 12 anos de
grandes mudanças marcarão para sempre a história do Brasil.
Mas não podemos nos
acomodar. Temos de compreender que foram os primeiros passos de uma jornada que
vai nos levar muito longe; que é preciso avançar para consolidar as conquistas.
Companheiros e
companheiras,
O PT acaba de
conquistar o quarto mandato consecutivo na Presidência da República.
Foi talvez a mais
difícil campanha eleitoral que já enfrentamos. Certamente, a mais suja; aquela
em que nossos adversários utilizaram as piores armas para tentar nos derrotar.
Tentaram fraudar a vontade política da maioria, usando todos os seus recursos
de comunicação para manipular, distorcer, falsear e até inventar episódios
contra nosso partido, nosso governo e nossa candidata.
A quarta derrota
eleitoral consecutiva despertou os mais baixos instintos dos nossos
adversários.
Tiveram a ousadia de
pedir recontagem dos votos, como se o Brasil ainda fosse aquela república das
eleições a bico de pena.
Tentaram impugnar a
prestação de contas da campanha e barrar a diplomação da presidenta.
Tentaram criar um
ambiente de inconformismo com o resultado que se recusam a aceitar
democraticamente.
Vencemos; o Brasil
venceu mais uma vez, mas a luta não acabou.
Nossos adversários não
podem dizer qual é o seu projeto; porque é antinacional, contrário ao
desenvolvimento, é um projeto que exclui milhões de pessoas do processo
econômico e social.
Eles só podem atacar o
PT e o nosso governo com as armas da irracionalidade e do ódio.
Não têm, nunca tiveram,
autoridade para falar em nome da ética, mas é nesse campo que tentam
desesperadamente nos atingir. Eles, que jamais investigaram a fundo uma
denúncia de corrupção. Eles, que varriam escândalos para debaixo do
tapete. Eles, que alienaram o patrimônio da Nação “no limite da irresponsabilidade”.
Foi o governo do PT que
acabou com a impunidade que eles cultivaram por tanto tempo. Nenhum outro
governo fez mais para combater a corrupção nesse País, conforme a presidenta
Dilma deixou claro na campanha eleitoral.
Mas vejam o que está
ocorrendo em torno da Petrobrás. Desde o início da campanha eleitoral, nossos
adversários manipulam uma investigação institucional, com o objetivo de
criminalizar o PT.
Esta investigação, como
todas as outras iniciadas em nosso governo, deve ser levada até o fim, esclarecendo
os fatos, apontando os responsáveis e levando seja quem fora a julgamento. É
isso que a sociedade espera e é isso que vem ocorrendo nos governos do PT – ao
contrário do que ocorria no tempo deles.
Mas estamos assistindo
a repetição de um filme com final conhecido. Pessoas são acusadas, por meio da
imprensa, com base em vazamentos seletivos de uma investigação à qual somente
alguns têm acesso. Não há contraditório, não há direito de defesa. E quando o
caso chegar às instâncias finais da Justiça, o pré-julgamento já foi
feito pela imprensa, os condenados já foram escolhidos e bastará apenas
executar a sentença.
Nossos adversários não
se incomodam que essa campanha já tenha causado enormes prejuízos à Petrobrás e
ao País. O que eles querem é paralisar o governo e desgastar o PT, a qualquer
custo.
Mais uma vez eles
falharam na tentativa de voltar ao poder pelo voto. Ao que tudo indica, não
querem mais esperar outra derrota: partem claramente para a desestabilização,
investem na crise, apostam no caos. Na falta de votos, buscam atalhos para o
poder, manipulando a opinião pública e constrangendo as instituições.
Eles vão prestar contas
à História sobre a maneira antidemocrática como vêm agindo.
Cabe ao PT denunciar
essas manobras com firmeza. Repelir a mentira, esclarecer a sociedade, agir de
acordo com a gravidade da situação.
A verdade é que foi o
governo deles que tentou destruir a Petrobrás. E foi o nosso governo que a
resgatou, retomou os investimentos que levaram à descoberta do Pré-Sal e fizeram
da Petrobrás a maior produtora mundial de petróleo entre as empresas de capital
aberto.
A verdade – e isso está
nos autos da investigação, mas não está nos jornais nem na TV – é que havia
corrupção nos contratos que a Petrobrás assinou com empresas estrangeiras no
tempo deles. E isso nunca foi investigado.
A verdade é que, apesar
de todo o alarido, não há nenhuma prova contra o PT nesse processo, nenhuma
doação ilegal, nenhum desvio para o partido. Nada!
E se algo de concreto
vier a ser encontrado, se alguém tiver traído a nossa confiança, que seja
julgado e punido, dentro da lei, porque o PT, ao contrário dos nossos
adversários, não compactua com a impunidade.
Companheiros e
companheiras,
O resultado eleitoral
nos obriga também a uma reflexão sincera sobre as dificuldades do PT para
manter sua sintonia histórica com os anseios da sociedade brasileira. Não é
possível ignorar esse desgaste.
Não é verdade que o PT
tenha se transformado num partido pior do que os outros, mais fisiológico ou
mais sujeito aos desvios.
O verdadeiro problema
do PT é que ele se tornou um partido igual aos outros.
Deixou de ser um
partido das bases para se tornar um partido de gabinetes.
A estrutura à
disposição de um deputado é maior do que a de um diretório estadual do partido.
A estrutura dos cargos
de governo, também.
Ao longo do tempo, isso
alterou a vida interna do partido. Há muito mais preocupação em vencer
eleições, em manter e reproduzir mandatos, do que em vitalizar o partido.
As direções, tanto as
regionais quanto a nacional, ficaram prisioneiras dessa lógica. Tornaram-se
burocráticas, pouco representativas da nossa base social, ou então apresentam
uma representação meramente artificial de setores sociais.
Militantes e dirigentes
tornam-se profissionais da política e dos governos.
Falando francamente:
muitos de nós estão mais preocupados em manter – e se manter – nessas
estruturas de poder do que em fazer a militância partidária que estava na
origem do PT.
Essa é a origem de
vícios como a militância paga, a disputa por cargos em gabinetes, o
investimento de grandes recursos em campanhas eleitorais, enfim: vícios que nós
sempre criticamos na política tradicional.
É nesse ambiente que
alguns, individualmente, cometem desvios que nos envergonham diante da
sociedade e perante a história do PT.
É dessa forma que o
exercício do poder, ao invés de fortalecer, acaba fragilizando um partido.
Não é fenômeno é
inédito. Aconteceu historicamente com grandes partidos populares ao redor do
mundo. Mas penso que esse processo chegou ao limite no PT.
Não podemos esquecer
que o PT, como já disse, nasceu para ser diferente.
Resgatar esse espírito
é o nosso grande desafio nesse momento.
Não se trata de propor,
ingenuamente, a volta a um passado que não existe mais. O País mudou nesses 35
anos. Mudou graças ao PT, não aos que nos criticam de fora. Mudou porque
cumprimos os objetivos que levaram à criação do partido.
Hoje o País é outro, a
realidade da classe trabalhadora é outra, a juventude é outra, as reivindicações
e interesses da população estão em um novo patamar, assim como as demandas para
a ampliação de direitos e da Democracia.
O PT precisa responder
a essa nova realidade. Articular as demandas dos milhões de brasileiros que
conquistaram emprego digno, que têm novas oportunidades, que aprenderam a usar
a renda e o crédito para realizar sonhos antigos – e que têm, portanto, sonhos
novos.
Precisa ouvir e
dialogar com toda uma geração de brasileiros que ainda era criança quando o
povo nos levou à Presidência da República. Uma geração que não conhece a nossa
história e não vai conhecê-la se não tivermos a inciativa de contar a eles como
era este País nos tempos da ditadura, como era este País no governo neoliberal
dos nossos adversários.
Precisamos dialogar com
as novas demandas democráticas, no plano dos direitos das pessoas, demandas que
acompanham a evolução da sociedade e que não eram tão claras há 35 anos.
É necessário ter muita
clareza das mudanças que ocorreram, para elaborar um novo pacto político com a
sociedade brasileira, um pacto que atenda às exigências de hoje e que aponte
para o futuro.
Não há respostas fáceis
para essa questão. Temos de buscá-las em nossas raízes, porque se chegamos até
aqui foi pelo que fizemos desde o começo da caminhada.
Não há dirigente ou
liderança individual capaz de apontar o caminho. Não em um partido democrático
de massas, como o PT sempre se propôs a ser.
O PT não é o seu
presidente, não é sua direção, não é tal ou qual liderança. O PT são dois
milhões de filiados, centenas de milhares de militantes. São os setores da
sociedade que se consideram representados pelo partido, participam do debate
político e têm sido decisivos nos embates eleitorais.
É aí que vamos
encontrar a energia renovadora, para recriar o sonho original do PT.
Creio que esse é o
debate que devemos fazer agora, quando iniciamos o processo de renovação da
direção partidária.
Temos a oportunidade
histórica de elaborar um novo Manifesto do PT, capaz de traduzir nossos
compromissos para os dias de hoje e para os próximos 35 anos.
Isso exige humildade e
coragem de cada um. Humildade para reconhecer o que é preciso mudar, e
coragem para continuar mudando.
Temos a história ao
nosso lado e o futuro diante de nós. O PT precisa estar, mais uma vez, à altura
de suas origens, porta-voz da esperança, da democracia, da ética e da
igualdade.
Muito obrigado.
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