segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Moçambique/Segundo o ministro do interior: prioridade é a paz e tranquilidade

23 fevereiro 2015, Jornal Notícias http://www.jornalnoticias.co.mz (Moçambique)

Assegurar que Moçambique continue a desfrutar da paz e tranquilidade é um dos principais desafios do novo Ministro do Interior, Jaime Basílio Monteiro, que em entrevista exclusiva ao “Notícias” fala sobre as linhas-mestras das funções que exerce há pouco mais de um mês.

General da Polícia da República de Moçambique, Jaime Basílio Monteiro que, antes da sua nomeação como titular do pelouro do Interior, exercia o cargo de vice-comandante-geral da Polícia, diz que tem como aposta reduzir, para níveis controláveis, a onda de criminalidade com enfoque nos raptos que está, de há algum tempo a esta parte, a criar um clima de insegurança nos cidadãos, sobretudo nas cidades de Maputo e Matola. Aposta também no incremento de
acções com vista a travar a onda de falsificação de documentos de identificação. Na entrevista, o novo timoneiro do Interior diz ainda ser urgente inverter o aparente e ocasional clima de antipatia entre os cidadãos e a Polícia, sublinhando ser necessário que a corporação se empenhe mais na garantia da ordem e segurança para que a confiança no seu trabalho seja cada vez mais evidente e reconhecido pela sociedade. Estas e outras questões são abordadas com profundidade nesta conversa que desde já convidamos o estimado leitor a acompanhar as suas partes mais significativas.

NOTÍCIAS (Not.):Senhor Ministro, quando lhe foi comunicado que passaria a tomar conta deste pelouro, o que definiu como prioridade?
JAIME BASÍLIO MONTEIRO (JBM): A minha grande prioridade é investir muito na consolidação do ambiente de paz e estabilidade do nosso país, condição fundamental para o crescimento e desenvolvimento do país. É desejável que todo o moçambicano se sinta tranquilo, não viva um minuto sequer debaixo de ameaça, não viva sob o espectro de uma guerra que se aproxima ou de uma eventual violência que se aproxima. Daí que temos de investir muito para a paz e estabilidade deste país. O meu primeiro grande esforço vai ser orientado para esta perspectiva. Também é obrigação estatutária no quadro destas funções incrementar o sentimento de segurança na população. As pessoas devem sair de casa em segurança para os seus afazeres, para os seus postos de trabalho, para as escolas, machambas, fábricas ou para onde quer que seja, mas em segurança. Deste modo, a seguir à paz e estabilidade, está o incremento do sentimento de segurança na sociedade. Já para dentro da instituição, temos de investir bastante para a motivação do homem-polícia e de todos os funcionários do quadro técnico comum, concretamente os que estão na Migração, na Identificação Civil, no Serviço Nacional de Salvação Pública (SENSAP) e todos os órgãos de apoio pois, quando a força de trabalho se sente motivada, o que esperamos dela é a melhoria da prestação de serviços aos cidadãos e a sociedade. Queremos ainda  avultar sempre os valores que podem concorrer para um bom clima de trabalho, um bom nível de organização das nossas atribuições. Auguramos que os nossos quadros quando saírem das universidades ou diferentes escolas de formação, deles sobressaiam o rigor, o profissionalismo, a competência e transparência que depois se resumem num bem servir a sociedade.

Not.: De forma preocupante temos casos de polícias e funcionários do MINT formados ao mais alto nível mas que não apresentam essas características.
JBM: Por vezes constrange-nos constatar que há alguns sectores da sociedade que olham para os nossos funcionários e os nossos agentes da lei e ordem com muita desconfiança, num ambiente de aparente tensão. É nosso grande interesse procurar criar um clima de harmonia entre os funcionários e a sociedade. Pretendemos ainda que quando o cidadão for interpelado pelo homem-polícia não se sinta constrangido por eventualmente calcular que possa ser extorquido ou ver ameaçada a sua liberdade. Esta situação desafia a todos nós e tomo como uma das prioridades inverter este cenário. Continuar a resgatar e aperfeiçoar os valores profissionais em todas as áreas do ministério é igualmente a minha aposta. O cidadão deve sentir-se satisfeito ao lado do homem-polícia, deve ainda ser acarinhado por este ou pelos funcionários da Migração, dos Bombeiros ou da Identificação Civil. Estas áreas de serviços em algum momento lidam com o cidadão em ocasiões em que ele está ansioso porque quer uma resposta para o seu problema, quer rapidamente ter o bilhete de identidade, quer rapidamente ter um documento e este funcionário tem de desenvolver a cultura de serenidade e de muito afecto. Custe o que custar, todos estes profissionais têm de ir incrementando os valores profissionais para conquistar o cidadão e este sentir-se bem servido, mesmo que este demore alguns minutos ou horas a ter a resposta desejada, pois queremos que o cidadão se sinta confortado e veja naquele profissional esforço para dar resposta adequada ao seu pedido. Idem em relação ao homem-polícia. O cidadão deve sentir um justo conforto de estar ao seu lado e acreditar que ao lado dele  ninguém mais lhe fará mal, pois o agente vai-lhe defender, nem que isso lhe custe o seu sangue. Queremos continuar a desenvolver o sentido de auto-estima no homem-polícia. Nesta dimensão, o profissional deverá  olhar pata si e dizer que hoje eu agi assim e dei esta resposta. Acho que fiz 70 por cento do meu trabalho e preocupar-se com o resto da percentagem que não fez bem para corrigir no dia seguinte e ir evoluindo. Esta postura poderá levar-nos a atrair rapidamente a confiança e grande estima que nunca nos faltou da sociedade. A sociedade gosta da sua Polícia. Gosta imenso e o que temos de fazer é saber consolidar este estágio de empatia que se desenvolveu. É um desafio que nós assumimos a nível institucional mas que se projecta para toda a sociedade. Os nossos quadros devem cultivar a auto-estima. Devem gostar de si próprios, da sua profissão, do que estão a fazer e todos os dias ir fazendo balanço do que fizeram.

Not.:Sr. Ministro, de alguma forma sente que há a necessidade de a Polícia empenhar-se mais na garantia da segurança como forma de merecer muito mais confiança dos cidadãos?
JBM:
 A outra dimensão do nosso trabalho é prosseguir esforços que visam tornar as  nossas comunidades entidades bastante aliadas da nossa corporação. Temos de desenvolver acções concretas, atitudes para que a comunidade realmente se afirme como entidade fortemente aliada à nossa instituição. Queremos continuar a melhorar os níveis de bravura, os níveis de combate e especialização no enfrentamento do crime. Nos dias que correm, há uma rápida internacionalização do crime, há crimes que parecem que só estavam a acontecer na América ou Europa, mas que dentro de intervalos relativamente pouco curtos chegam também a África e nos nossos países. E esta velocidade obriga-nos a aperfeiçoar, a modernizar e a sofisticar as nossas formas de enfrentar o crime. Queremos, também, ir aperfeiçoando a segurança dos nossos documentos de identificação dos cidadãos para que não sejam de fácil imitação ou falsificação.

Not.:A sociedade reconhece o esforço que a Polícia tem feito para garantir a segurança mas, por outro lado, ainda não entende as razões que estão por detrás de volvidos hoje 40 anos da sua criação ainda não tenhamos uma corporação a fazer um patrulhamento rotineiro nos bairros. Temos mais uma Polícia que fica na esquadra à espera de denúncias. Quando é que teremos agentes a patrulhar normalmente os bairros e com isso conferir maior segurança às pessoas?
JBM: Para esta preocupação, tudo faremos para reduzir o rácio polícia-cidadão e isto permitir-nos oferecer respostas em intervalos curtos de tempo. A nível da Polícia e dos bombeiros queremos continuar a apostar nesta linha para que a resposta aos cidadãos seja em intervalos mais curtos possíveis. Quando nós assumimos que temos de sublinhar no nosso dia-a-dia o rigor, o profissionalismo e a competência, uma das dimensões que queremos atacar é precisamente aproximar os nossos serviços aos cidadãos e com cada vez melhor qualidade. Recomendamos a Polícia a orientar cada vez mais e de forma profissional as forças e meios, neste caso à sua disposição, para o terreno. Continuaremos a apostar no apetrechamento dos efectivos  policiais e meios, os quais devem ser usados com muita racionalidade para produzir um trabalho com muito mais qualidade. Queremos que a Polícia seja  muito mais visível porque o primeiro elemento relevante para a corporação é a prevenção do crime e a prevenção sugere uma boa visibilidade da corporação, uma boa presença e ostensiva traduzida em acções de patrulha e ronda em locais prováveis de ocorrências de casos criminais. Conversámos longamente com o Comando-Geral da Polícia para desafiar-se de modo a conquistar o rigor, o profissionalismo e competência desde o patrulheiro, passando pelos chefes de grupos de patrulha até aos comandantes dos pelotões de patrulha e a outros níveis. A análise das tendências criminais ajuda bastante na orientação das forças e meios no terreno. As chefias e lideranças devem estar sempre atentas, diariamente se preocuparem com a situação do crime. Ver o que foi a tendência ontem, quais foram as áreas e outros elementos de reserva estratégica que não posso mencionar aqui, mas que devem merecer atenção.

Not.:E qual foi a reacção do Comando-Geral face a esse desafio colocado?
JBM: Recebemos sinais de que o Comando-Geral vai continuar a trabalhar de forma a cristalizar esses vectores. Mas também, naquilo que é o compromisso do Governo, vamos intensificar a formação dos efectivos para a Polícia. À medida que formos tendo esses novos ingressos, o rácio polícia-cidadão vai reduzindo e com ele os níveis de prevenção bem como de esclarecimento de crimes e assim os níveis de esclarecimento de crimes melhoram. Entretanto, desafiamos o Comando-Geral também a fazer o uso racional dos meios disponíveis, pois é possível ter muitos meios mas se eles não forem bem empregues podem não produzir o impacto que se espera. Esses meios devem ser usados por homens profissionais, honestos, competentes e comprometidos com a causa. Estou convencido que vamos alcançar estes objectivos.

Radicalizaremos combate aos raptos
Not.:Chega à direcção máxima do MINT numa altura em que o país se vê confrontado com o problema dos sequestros. Como é que pensa acabar com este fenómeno que vai desafiando toda a capacidade actual da nossa Polícia?
JBM: Qualquer crime é cometido por pessoas que vivem num determinado local e nalgum momento deslocam os objectos do crime para outro ponto. Como dissemos, queremos que a comunidade seja uma entidade por excelência da Polícia. Se as comunidades se tornarem por excelência como acreditamos que vão se tornar, o espaço ou o reduto para o criminoso se vai confinando. Se era fácil arrendar uma casa para esconder as suas vítimas ou produtos do crime, esse espaço vai-se confinando e desmotivando os autores. Garanto que o Governo está determinado e empenhado  em modernizar os mecanismos de enfrentamento do crime. A sociedade é igualmente convocada a dar o melhor de si para travarmos estas tendências. Todos somos importantes. Se desconfiamos de uma determinada conduta denunciarmos à esquadra mais próxima, aí estaremos a contribuir para a redução de manifestações criminosas. Quando identificarmos quem levou um cidadão ou quando tivermos conhecimento ou suspeitamos de um esconderijo, aí estaremos a colaborar com a Polícia. Há vários mecanismos de denunciar isso sem que a pessoa tenha necessariamente de ir à esquadra. Pode fazê-lo através de cartas anónimas, tanto é que as nossas esquadras estão preparadas para assegurar o sigilo e integridade física do denunciante. Portanto, para cada fase há um investimento notável do Governo para esta instituição. Vamos continuar a olhar com sentido de responsabilidade para esta dimensão porque não queremos que ninguém se ache na iminência de ser o próximo a ser raptado. Este fenómeno dos raptos tem de ser algo do passado e estou convencido que não está tão distante o ponto em que começará a ser parte do passado.

Preocupante falsificação do BI

Not.: Disse que o combate à falsificação de documentos é uma das prioridades. Que estratégias traz para realmente se parar com a onda de cidadãos estrangeiros que todos os dias entram no nosso país e de forma fácil conseguem o BI em detrimento de nacionais que nunca tiveram este ou dificilmente conseguem obter documento?
JBM: Valorizo a sua abordagem. Por vezes temos de lidar com percepções e a partir daí chegarmos à verdade. É deveras preocupante constatar que os nossos documentos por vezes são atribuídos a quem não devia ser atribuído. Nesta vertente, sei que conseguimos dar bons passos para contrariar esse cenário. Hoje, a capacidade de detectar os pedidos de documentos por pessoas que não têm legitimidade para os ter aumentou bastante. Temos centenas de pedidos rejeitados porque as pessoas que os pediram não têm, não só qualidade, assim como legitimidade para os terem pois, não são cidadãos nacionais. É verdade que há casos que aproveitam alguns dos nossos funcionários, cujos valores profissionais ainda são deficientes, que em certas circunstâncias  permitem que os nossos documentos cheguem a pessoas que não os deviam ter. É assim que, considerando essa vulnerabilidade, introduzimos um sistema recente de segurança dos nossos documentos e continuamos a aperfeiçoar as medidas de vigilância na sua emissão. Por outro lado, continuamos a incrementar a vigilância. Se alguém, por exemplo, for de Guijá e souber que reside lá um estrangeiro que tem um BI moçambicano, pedimos  que não hesite em denuncia-lo. Estamos muito engajados para travar esta tendência. Cristalizámos a comunicação inter-institucional. Não me parece ser fácil, como já foi num determinado período, obter os nossos documentos por cidadãos que não são nacionais. Sublinho, entretanto, que assumimos essas vulnerabilidades como um desafio. Tudo está a ser feito para estancar estas práticas.

Ser da casa é vantajoso

Not.: Sendo um general da Polícia e chegado ao posto de ministro do Interior, sente, de alguma forma, que o seu trabalho será facilitado visto que está por dentro de muitos processos não só da Polícia, como da Migração, Identificação Civil e dos Bombeiros?
JBM: Julgo que para o meu trabalho ser muito fácil concorrem muitos aspectos. A colaboração dos colegas no sector e da sociedade. Acho que o facto de ser da casa permite-me pensar poder trabalhar com relativa facilidade. Primeiro de tudo é que já tenho linhas de orientação muito claras. Segundo, benefício da colaboração de todos os meus colegas ministros e vice-ministros. Terceiro, encontrei um bom ambiente de trabalho no ministério. Não venho de fora. Cheguei à patente de general aqui dentro da casa e nessa qualidade trabalhei com todos no ministério e o nosso nível de relacionamento foi sempre muito bom. Portanto, encontrei um bom ambiente de trabalho. Sei que a outros níveis também o grau de responsabilidade e profissionalismo está a crescer bastante, o que vai tornar a minha missão relativamente fácil. Mas é sempre um desafio e garanto que darei o melhor de mim. O Ministério do Interior é coeso e sinto que todos estão comprometidos com a nobre causa da paz e estabilidade. Não vejo igualmente quem possa estar interessado em investir o seu talento para destruir o bom serviço. Mas se existir, esse, antes sequer de eu identificar, os seus colegas o farão porque todos nós estamos comprometidos com o bem servir a sociedade.  
Not.:Tem alguma recomendação em especial aos cidadãos e/ou à Polícia, sabido que o seu mandato será centrado fundamentalmente na questão de segurança?
JBM: No quadro da motivação do homem-polícia vai-nos interessar a remoção das gorduras por detrás do termo “cinzentinho”. E isso faremos com a melhoria da prestação do bom serviço, da conduta e a atitude do profissional polícia. Queremos ainda contar com a sociedade para o resgate da boa e adequada imagem do agente da lei e ordem. O carinho que este Homem recebe da sociedade há-de comprometê-lo a desempenhar um excelente serviço.

Hélio Filimone

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