Acessado em 14 fevereiro 2015, O Brasil Mudou
http://obrasilmudou.mds.gov.br (Brasil)
"Quando eu era pequeno, muitas vezes só tinha o beiju para
levar para a escola. Eu comia antes de chegar lá, para não deixar que a
criançada ‘mangasse’ de mim. Tinha medo dos outros, passava vergonha”. Duval
Pereira Lima tem 65 anos, é casado, pai de quatro filhos. Ele mora há 60 anos
em Pedra Branca, uma pequena cidade do Vale do Piancó, região pobre e seca do
sertão paraibano, a quase 400 quilômetros da capital.
Ele conta a história emocionado, com voz embargada. O beiju de que
falou é uma massa de milho, que servia para alimentar os animais e também as
crianças, no passado. Duval foi agricultor toda a vida, como o pai e
seus
antecessores. Aposentou-se e montou uma pequena barbearia ao lado da praça da
igreja, onde cobra R$ 1 ou R$ 2 pelo corte de cabelo.
A praça é símbolo da mudança que a cidade de menos de cinco mil
habitantes viveu nos últimos anos. Todas as noites, os jovens se encontram no
local para aproveitar a rede Wi-Fi grátis e se conectar ao mundo, por meio da
internet, a partir dos celulares.
Pedra Branca, como centenas e centenas de municípios brasileiros,
vive hoje uma nova realidade, impulsionada pela implantação de programas
sociais do governo federal, integrados e articulados entre si. Enquanto na
Paraíba o Bolsa Família é o vetor central da mudança, em Itanhaém, cidade
praiana e turística do litoral Sul de São Paulo, com cerca de 95 mil
habitantes, a mudança partiu da agricultura, com o Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
Duval é taxativo: “O Bolsa Família é muito bom. Não é muito
dinheiro, mas aqui ajuda muito o pessoal todo.” Ele acredita que todo mês o
Bolsa Família injeta entre R$ 500 mil e R$ 600 mil no comércio da cidade. “Hoje
ninguém vai mais embora daqui para procurar emprego”, reforça o barbeiro. “Aqui
tem trabalho”.
Brincalhão, ele recorreu a algumas “tecnologias” para agradar os
clientes: um “ar condicionado” improvisado, com um ventilador apontado para uma
bacia cheia de água, e o borrifador para molhar os cabelos e refrescar o corpo,
tanto de quem está tendo o cabelo cortado como para o dele mesmo.
Ele lembra a infância difícil, sofrida com a estiagem. “O primeiro
sapato que eu botei no pé foi com 17 anos, emprestado de um vizinho”. Duval,
seu pai e seus oito irmãos muitas vezes trabalhavam em troca de milho ou
feijão.
Uma realidade parecida foi relatada por Ivan de Souza, 38 anos,
enquanto o barbeiro o atendia. “Aos oito anos, eu já trabalhava na roça, com
meu pai. Três dias na nossa roça e três dias ‘alugados’. A gente cuidava do
algodão dos donos de terra. Eles nos pagavam em milho. Nossa comida era milho
com leite e pão com leite”. Sua família tem outra vida. Ele planta e trabalha
numa oficina de motos e bicicletas. A família é beneficiária do Bolsa Família.
Ivan faz questão de que os três filhos, de 15, 11 e 8 anos, estudem. “Meu
menino nunca precisou pegar numa enxada”.
O Bolsa Família também ajudou muito a família de Cícero e Maria
Ledriana Silva. Agricultores, eles recebem o benefício há nove anos: os atuais
R$ 119 complementam a renda da família. “O dinheiro sempre ajudou muito. Um
pouco para a feira, para comprar um chinelo, uma roupa, um remédio às vezes, um
livro que precisa para escola ou até para tirar xerox”, conta Ledriana.
Há um ano, o casal montou uma horta no meio do sertão, que recebe
água de um poço perfurado por eles. Começaram produzindo cebolinha, que hoje
vendem para a prefeitura: R$ 60 por mês. “Vamos começar a vender para o PAA
(Programa de Aquisição de Alimentos) também. Já tivemos a reunião na prefeitura”,
contou sorridente Ledriana, prevendo um ganho de mais de R$ 500 por mês.
“Estamos ampliando”, destacou Cícero. “Plantamos também coentro,
berinjela, pimentão, pimenta de cheiro, abobrinha e quiabo. Tem mamão para
comermos em casa, mas quando tem bastante, a gente ainda vende. Tudo natural”.
O produtor explica que aprendeu muita coisa com o pai. “Ele sempre trabalhou
pros outros e me levava junto. Por isso, não estudei. Aprendi também com
programas de TV. E, sempre que eu preciso de algo, peço pro meu filho pesquisar
para mim na internet”, conta.
O filho mais velho, diz com orgulho, acaba de entrar no curso de
Administração da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa.
“Passou, entre os colegas de escola, em 1º lugar no Enem”, comemora Ledriana. O
dinheiro vindo do PAA vai ajudar os estudos, explica Cícero. “Meus filhos agora
vão precisar ainda mais de minha ajuda, porque estão indo para a faculdade”.
Em Igaracy, cidade vizinha a Pedra Branca com pouco mais de 6 mil
habitantes, o comerciante Whellington Lima da Costa, 45 anos, é um entusiasta
das mudanças positivas que a região viveu na última década. “Meu pai já era
comerciante aqui. E, quando dava seca, o pessoal vinha para quebrar o comércio,
ficava todo mundo aflito”, lembra. A seca atual durou mais de dois anos e foi
uma das piores desde 1932. “Não tivemos problema”, destaca, ao apontar algo que
muitos nas cidades da região relatam. Não há mais saques. “Hoje todo mundo tem
seu ganho”.
Dono de duas lojas na praça central – uma de pequenos equipamentos
e suprimentos agrícolas e outra de eletrodomésticos –, ele conta que não há
mais miseráveis na cidade. “Antigamente, você contava nos dedos quem tinha
carro. Moto não existia 12 anos atrás, ninguém tinha dinheiro para comprar.
Hoje você pode ir na zona rural, em qualquer bairro da cidade, e vê as motos”.
O comerciante Whellington considera o Bolsa Família essencial para
municípios como Igaracy, com pouca dinâmica econômica própria. “Nas cidades
pequenas, se não tivesse a ajuda do governo federal, não existia nem
comerciante. O pessoal recebe o Bolsa Família e vem comprar. Compra fiado
também, em 30 dias vêm e pagam, sem problema”, destaca.
A filha mais velha do comerciante estuda na capital do estado. Está
terminando o ensino médio e quer estudar Medicina. “Ela vai pegar o Fies
(Financiamento Estudantil) para poder estudar”. Os dois outros filhos moram em
Igaracy. Todos estudam e têm transporte garantido para a escola. “Antigamente,
o pessoal da zona rural vinha em cima de carro, acontecia muitos acidentes.
Hoje andam de ônibus, aqueles amarelinhos com faixa preta, em uma estrada boa,
que foi asfaltada em 2010”, conta o comerciante, referindo-se aos ônibus do
programa Caminho da Escola, do Ministério da Educação.
Ele ainda lista outras importantes ações do governo federal na
região: uma nova escola está em fase final de construção, casas foram entregues
pelo Minha Casa Minha Vida, a prefeitura recebeu máquinas para apoiar a
produção, como retroescavadeira, caçamba e patrola, e uma adutora foi
inaugurada. A cidade mudou.
Muito mais que bananas – Ao percorrer o trecho da BR-101 no
litoral do estado de São Paulo, que liga Praia Grande até Registro, o cenário é
diferente. A água é abundante. À esquerda, o mar e a praia dominam as estações
turísticas, os balneários frequentados por milhões de moradores da capital
paulista na primavera e no verão - a principal fonte de renda dos municípios.
À direita, cercada pelas montanhas que protegem os últimos
resquícios de Mata Atlântica no país, estão as bananeiras, maior fonte de renda
desta região no passado. O litoral sul paulista sempre teve destaque na
produção de bananas, com grande aceitação no mercado externo, principalmente no
Uruguai e na Argentina.
Nas últimas décadas, entretanto, o produto perdeu mercado, e os
agricultores familiares tinham dificuldade em pagar as dívidas. “Eu quebrei!
Tinha cento e poucos empregados. Hoje, só tenho um”, conta Antonio Isaías dos
Santos, 66 anos, nascido no Paraná e morador de Itanhaém desde os anos 80. “Em
96, perdi milhares de pés de banana. O vento derrubou tudo. Foram três anos
seguidos. Ficamos sem saída, foi perda total”.
Em 2007, com recursos do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS), a prefeitura inaugurou o Banco de Alimentos, experiência
que se tornou um divisor de águas para a produção agrícola local. Apesar de ser
entendida como uma política de redução do desperdício de alimentos, a
iniciativa foi além na cidade do litoral paulista. Ao concentrar no equipamento
a compra de merenda escolar e do PAA e com a implantação da Feira do Produtor
em 2011, também com apoio do governo federal, a agricultura e a pesca local
foram retomadas, a área rural foi valorizada e a autoestima dos produtores
melhorou.
“Todo mundo agora está investindo em hortaliças, palmito pupunha,
está recomeçando a plantar, está diversificando”, explica Antonio Isaías. De
dez anos para cá, ele montou sua horta e já consegue vender entre R$ 3 mil e 4
mil por mês. Boa parte é vendida para a prefeitura usar na merenda das
crianças, por meio do Programa Nacional de Merenda Escolar. “Também estou
entregando direto nos mercados, no sacolão, em seis restaurantes”, sorri.
A banana ainda é o carro-chefe, junto com a couve. E ele planeja
expandir a produção. “Quero montar uma estufa e fazer produção hidropônica com
alface, chicória e outras verduras”, conta. O cuidado com o produto é uma de
suas marcas. “Para entrar no sacolão, tem que ser produto de primeira. O
pessoal é mais exigente”.
Maximiano Gonçalves de Jesus, o seu Massur, 70 anos, também
comemora o investimento que fez na diversificação da agricultura. Servidor
público estadual aposentado e ex-vereador por duas vezes, ele mudou de vida há
16 anos e montou seu sítio, com a esposa e seus dois filhos. Tem 18 mil pés de palmito,
todos produzindo, em dois alqueires de terra. Também planta abóbora, jiló,
inhame, mexerica e jaca, além de criar galinhas.
No bar que montou na frente do sítio, onde os produtores da região
se reúnem para conversar e tomar uma cerveja no final do dia, ele explica que o
começo foi difícil. “Você plantava e não vendia. Um quilo de abóbora custava R$
1 na cidade. E o atravessador comprava da gente por R$ 0,05. Hoje, a gente
negocia o produto e entrega no Banco de Alimentos. Vendemos R$ 51 mil por ano
para a prefeitura”, comemora, acrescentando que acaba de construir três tanques
para a criação de tilápias e traíras. “No próximo ano, já começo a retirar os
peixes para venda”.
O filho do seu Massur, Marcos, e a esposa vendem toda semana os
produtos na Feira do Produtor, que acontece aos sábados no estacionamento da
prefeitura. Os agricultores familiares montam suas barracas, todas
padronizadas. Lá, banana, palmito, manga, caju, tomate e abobrinha dividem
espaço com as receitas diferentes feitas com os produtos, como brigadeiro e
nhoque de banana, doce de leite fresco, bolo do coquinho do palmito pupunha e
vinagrete de palmito.
Marcos voltou para Itanhaém depois de uma temporada em São Paulo.
Quando a situação não estava boa, ele foi morar na capital paulista.
Incentivado pelo pai e pelo PAA, voltou para Itanhaém para ajudar a família no
sítio. “Não me vejo mais morando em São Paulo”, conta. Usa agora a experiência
em vendas na área de telefonia celular para ampliar os resultados na feira. A
barraca ganhou uma página no Facebook (www.facebook.com/barracadaveva). “Coloco lá o que a gente produz. O pessoal também encomenda:
‘deixa reservado para mim duas lasanhas, uns três quilos de palmito’. É muito
bacana”.
A Feira do Produtor de Itanhaém também tem sua página própria no
Facebook (www.facebook.com/feiraagricola.itanhaem), com mais de cinco mil amigos, e um blog (http://feirapopulardeitanhaem.blogspot.com.br). Quem gerencia e publica o conteúdo é a agricultora Patrícia
Ricomini, 35 anos, casada e mãe de uma filha de nove anos. “Posto curiosidades,
produtos que temos na feira. O pessoal acompanha e vem buscar”, conta. O canal
também é importante para as vendas. “O pessoal pede pela internet, a gente
passa o endereço por inbox e eles vêm buscar em casa, durante a semana. Já
mandei produto para Itapecerica da Serra, São Paulo e Santos”.
A renda principal da família vem das vendas na feira, onde ela tem
uma barraca desde 2011. Começou com doces, depois compotas. Há pouco, compraram
uma desidratadora de banana. “Agora tenho as conservas, doces cristalizados, as
farinhas, o brigadeiro de banana, bolachas e queijos”.
Curiosa e estudiosa, Patrícia também vende para a merenda: bolo de
banana, banana passa e até farinha de banana verde, que “traz diversos
benefícios para a saúde”. “Serve para colesterol, diabetes, triglicérides e
prevenir câncer de intestino e a obesidade”, ensina. Ela continua investindo na
diversificação. “Já estamos produzindo farinha de inhame, que reduz sintomas da
menopausa e é antiinflamatória, e de berinjela, que age no ácido úrico”.
Os pescadores também ganharam barracas. Há unidades em diversas
praias da cidade, como em Balneário Gaivota, onde Vanderlei Barbosa, o Deco,
pesca e vende. Aos 46 anos, o ex-mecânico de carros conta que a feira trouxe
benefícios. “De quatro anos para cá, melhorou bastante. Trabalhamos com todo
tipo de peixe: corvina, pescada, robalo, espada. Consegui investir num freezer
para fazer uns congelados e em um barco melhor”.
Casado, explica que seus filhos ajudam na limpeza dos peixes em
casa. “E todos estudam”, destaca. As vendas do verão são boas, devido aos
turistas. No inverno, entregam o peixe para o PAA, uns 500 quilos, 600 quilos
por ano. “Ajuda a gente a se manter”, explica.
Em breve, os produtores de Itanhaém terão um espaço permanente para
as vendas. Uma nova sede do Banco de Alimentos será entregue no primeiro
semestre de 2015. No local, terão barracas feitas de alvenaria, além de uma
cozinha piloto para alimentos processados. O espaço abrigará também uma unidade
de processamento de pescado, que vai permitir usar o produto para a merenda das
crianças da cidade.
As histórias dessas duas cidades, tão distantes geograficamente,
com culturas tão diferentes, têm em comum o desenvolvimento obtido com inclusão
social. A articulação dos programas sociais e a ação integrada dos governos
federal, estaduais e municipais permitiram que sua população voltasse a sonhar.
E a acreditar que o país do futuro já é o Brasil do presente.
Texto: Márcio Leal
Reportagem: Luiz Cláudio Moreira
Nenhum comentário:
Postar um comentário