9 fevereiro 2015, Redecastorphoto
http://redecastorphoto.blogspot.com.br (Brasil)
7/2/2015, Sergey Lavrov, MRE da
Rússia
Vídeo, em russo, com tradução
simultânea ao inglês, 43’48
Traduzido da transcrição em inglês
pelo pessoal da Vila Vudu
Sergey
Lavrov, Ministro de Relações Exteriores da Rússia em 7/2/2015
“Devo dizer que, pessoalmente,
não me lembro de ter assistido a qualquer coisa semelhante ao que aconteceu
hoje em Munique. Nunca antes, das incontáveis vezes que ouvi discursos de
Lavrov, senti na voz do ministro russo o que senti hoje. Claro que Lavrov
manteve-se calmo, perfeitamente composto e irrepreensivelmente polido. Mas,
dessa vez, senti na voz dele um tal sentimento de desgosto e de repugnância
pela plateia à qual falava como nunca senti antes. Repugnância pelos atores, os
ditos “líderes” e “parceiros”, e pelo que fizeram ao longo de toda uma década.
De fato, o que Lavrov disse a eles foi: “Putin já explicou tudo, em detalhes,
em 2007. Vocês não ouviram uma palavra do que ele lhes disse. E agora? Estão
contentes com o resultado?
Na sequência, quando vieram as
perguntas e respostas dos jornalistas, a coisa só piorou”
Senhoras e senhores,
O sr. Wolfgang Ischinger incluiu na
agenda a questão do colapso do desenvolvimento global. Tem-se de concordar que
os eventos tomaram rumo que, hoje, está longe de ser otimista. Mas é impossível
aceitar os argumentos de alguns de nossos colegas, para os quais teria havido
colapso repentino e rápido da ordem mundial que existe há décadas.
Ao contrário, os desenvolvimentos do
ano passado confirmaram o quanto estavam corretos os avisos que distribuímos
quanto à persistência de graves,
profundos problemas, sistêmicos, na organização da segurança europeia e das relações internacionais em geral.
profundos problemas, sistêmicos, na organização da segurança europeia e das relações internacionais em geral.
Gostaria de lembrar-lhes do discurso que o
presidente Vladimir Putin proferiu dessa mesma tribuna, há oito anos.
A estrutura de estabilidade, baseada
na Carta da ONU e nos princípios de Helsinki há muito tempo foi minada por
ações dos EUA e seus aliados na Iugoslávia, que foi bombardeada, como também
foram bombardeados o Iraque e a Líbia, e vê-se a expansão da OTAN para o leste,
com criação de novas linhas de separação.
O projeto de construir um “lar
europeu comum” fracassou porque nossos parceiros ocidentais deixaram-se guiar
por ilusões e crenças de vencedores da Guerra Fria, em vez de deixarem-se guiar
pelos interesses de construir uma arquitetura de segurança aberta, com respeito
mútuo por diferentes interesses.
Os compromissos solenemente
assumidos como parte da OSCE e do Conselho Rússia−OTAN, de que não se operaria
para proteger a própria segurança à custa da segurança dos parceiros ficaram no
papel; na prática, foram ignorados.
O problema dos mísseis de defesa é
prova forte da poderosa influência destrutiva dos passos unilaterais para
desenvolver capacidades militares, em oposição aos interesses legais de outros
estados. Nossas propostas de operarmos juntos o escudo antimísseis foram
rejeitadas. Em troca, nos aconselharam a nos unir na criação de um escudo de
mísseis de defesa norte-americanos, que seguiria estritamente padrões de
Washington – o qual, como dissemos e explicamos baseados em fatos inúmeras
vezes, implica riscos reais para as forças nucleares russas de contenção.
Qualquer ação que comprometa a
estabilidade estratégica sempre inevitavelmente resultará em contramedidas.
Assim sendo, foi pesadamente agredido e sofreu danos extensos todo o sistema de
tratados internacionais que tratam do controle de armas, cuja executabilidade
depende diretamente do fator mísseis de defesa.
Não entendemos tampouco com o que
poderia explicar a obsessão dos EUA com inventar um sistema global de mísseis
de defesa. Trata-se de quê? De aspirarem a alguma supremacia militar que
ninguém jamais poderia disputar? Porque aplicam mais fé na possibilidade de
resolver tecnologicamente questões que, de fato, são políticas? Seja como for,
nada reduziu a ameaça dos mísseis. Mas surgiu outro fator fortemente irritante
na região euroatlântica. E muito tempo ainda decorrerá, até que nos livremos
dele. Estamos prontos para o que vier.
A recusa dos EUA e de outros membros
da OTAN, que não ratificaram o Acordo de Adaptação do Tratado sobre Forças
Armadas Convencionais na Europa, que sepultou aquele tratado, foi outro fator
de desestabilização.
Ao mesmo tempo, nossos colegas
norte-americanos tentar fazer recair a culpa sobre a Rússia – em todas as
questões complicadas que eles próprios criaram.
Consideremos as discussões,
renascidas recentemente, sobre o Tratado sobre Forças Nucleares de Alcance
Médio (chamado “INF Treaty”). Os especialistas conhecem bem as ações dos
norte-americanos, que conflitam com o espírito e com a lei desse documento. Por
exemplo, como parte da criação de um sistema de mísseis globais de defesa,
Washington embarcou num programa de grande escala para criar mísseis com
características semelhantes ou próximas de mísseis balísticos baseados em
terra, proibidos pelo tratado já mencionado.
Veículo armados comandados à
distância [“drones”], amplamente utilizados pelos EUA encaixam-se também
na definição de mísseis de alcance intermediário baseados em terra. O tratado
proíbe explicitamente os lançadores de Mísseis Antibalísticos [orig. ABM
launchers], que em breve já estarão instalados na Romênia e na Polônia,
porque podem ser usados para lançar mísseis de alcance intermediário.
Ao mesmo tempo em que se recusam a
reconhecer esses fatos, nossos colegas dos EUA afirmam que teriam queixas
“substanciadas” contra a Rússia nos termos do Tratado INF. Mas
atentamente jamais especificam coisa alguma.
Se se consideram devidamente esses e
vários outros fatores, parece, aos nossos olhos, que toda e qualquer tentativa
para reduzir a gravidade e a profundidade da atual crise aos eventos do ano
passado implica deixar-se afundar no mais perigoso autoengano.
Houve um cúmulo na trajetória de
nossos colegas ocidentais no último quarto de século, no serviço de tentar
preservar a sua dominação sobre todos os negócios mundiais, a qualquer custo,
quando decidiram cercar todo o espaço geopolítico na Europa.
Exigiram dos países que constituem
a Comunidade dos Estados
Independentes (CEI, são
os estados que formaram a URSS; foi criada em 1991) – nossos vizinhos mais próximos,
conectados à Rússia há séculos por laços econômicos, históricos, culturais e
até por laços familiares – que escolhessem: “ou estão com o Ocidente, ou estão
contra o Ocidente”. É lógica de soma-zero, lógica velha, segundo a qual quem
vencer “leva tudo”. É lógica antiquada, superada, lógica que, ostensivamente,
todos queriam deixar enterrada no passado.
A parceria estratégica de Rússia e
União Europeia fracassou no teste de resistência, porque a UE escolheu a via do
confronto, acima do desejo de desenvolver mecanismos mutuamente benéficos de
interação.
Impossível não lembrar a
oportunidade desperdiçada, quando não se implementou a iniciativa apresentada
pela chanceler Merkel, em junho de 2010, em Meseberg, para criar uma Comissão
UE-Rússia para Questões de Segurança e Assuntos Externos, no nível de Ministros
de Relações Exteriores. A Rússia apoiou a ideia. A União Europeia rejeitou-a.
Contudo, esse mecanismo de diálogo continuado, se tivesse sido criado,
permitir-nos-ia resolver problemas mais rapidamente e com mais eficácia, e
superar, em ritmo oportuno, as questões que nos afligem.
Quanto à questão da Ucrânia, a cada
estágio do desenvolvimento da crise, nossos colegas norte-americanos,
infelizmente – e por influência dos norte-americanos também a União Europeia –
só fazem buscar escalar o conflito.
Aconteceu quando a União Europeia
recusou-se a incluir a Rússia na discussão das consequências de implementar o
bloco econômico do Acordo de Associação com a Ucrânia, movimento que antecedeu
o apoio direto a um golpe de estado e, pouco antes do golpe, aos movimentos de
rua contra o governo da Ucrânia.
Aconteceu também quando nossos
parceiros ocidentais continuaram a emitir indulgências para as autoridades em
Kiev, as quais, em vez de cumprir a promessa de que seria lançado amplo diálogo
nacional, iniciaram operação militar em larga escala e passaram a chamar de
“terroristas” todos os cidadãos que não se submeteram (I) ao golpe
inconstitucional para mudança de regime pela força e (II) ao governo dos ultranacionalistas
[neonazistas].
É muito difícil para nós explicar
por que tantos de nossos colegas recusam-se a aplicar à Ucrânia os princípios
universais para resolução de conflitos internos que pressupõem, acima de tudo,
diálogo político inclusivo entre os protagonistas locais. Por que nossos
parceiros, nos casos do Afeganistão, Líbia, Iraque, Iêmen, Mali e Sudão Sul,
por exemplo, “exigem” que os governos falem com oposições, sejam quais forem,
até com rebeldes armados, em alguns casos, até, mesmo, com extremistas... Mas
tudo muda no caso da Ucrânia. E nossos parceiros põem-se imediatamente a
estimular a operação militar do governo de Kiev. E andam tão depressa nessa
trilha, que já defendem, até, o uso de munição de fragmentação.
Lamentavelmente, nossos colegas
ocidentais conseguem fechar os olhos a tudo que o governo de Kiev diz e faz,
inclusive às suas atitudes mais xenofóbicas.
Permitam-me uma citação:
O nacional-socialismo ucraniano
considera a nação ucraniana uma comunidade de raça.”
E, na sequência: A questão da total ucranização do nosso futuro estado
nacional-socialista será resolvida no período de 3-6 meses, por uma política de
estado forte e equilibrada.
O autor dessas palavras é Andrey
Biletsky, comandante do regimento Azov, ativamente engajado nas atividades
militares no Donbass. Outros ativistas que alcançaram posição na política e no
poder, dentre os quais Dmitry Yarosh, Oleg Tyagnibok e o líder do Partido
Radical no Parlamento, Oleg Lyashko, todos clamaram já várias vezes por uma
Ucrânia racialmente pura, com eliminação de russos e judeus. Disseram o que bem
entenderam, sem que tenha havido qualquer reação nas capitais ocidentais. Não
me parece que a Europa de hoje tenha algum interesse em deixar que se propague
o vírus do neonazismo.
Não há solução de força militar,
para a crise ucraniana. Foi o que se viu confirmado no verão passado, quando a
situação no campo de combate forçou os combatentes a assinar os Acordos de
Minsk. Também já se re-confirmou agora, quando já fracassa uma nova tentativa
de alcançar vitória militar em campo. Mas, mesmo sem considerar tudo isso, já
se ouvem alguns países ocidentais a clamar que se deveria ampliar o apoio ao
governo de Kiev, mediante a militarização da sociedade e do estado – países que
se apressam a “injetar” armas “letais” na Ucrânia, para arrastá-la para dentro
da OTAN. Há esperanças de que prevaleça na Europa a crescente oposição a tais
planos que só podem tornar ainda maior a tragédia do povo ucraniano.
A Rússia continuará a trabalhar
empenhadamente para estabelecer a paz. Temos pedido consistentemente a cessação
das atividades militares, a retirada de armas pesadas e o início de
conversações diretas entre Kiev e as Repúblicas de Donetsk e Lugansk sobre
medidas práticas para restaurar a economia comum e o espaço social e político
dentro da integridade territorial da Ucrânia.
O presidente Putin dedicou várias
iniciativas para precisamente essas finalidades dentro do formato da Normandia,
que ajudaram a lançar o processo de Minsk, e nossos outros esforços nessa
direção, incluindo as conversações de ontem, no Kremlin, entre os presidentes
da Rússia e França e a chanceler alemã. Como os senhores sabem, essas
conversações prosseguem. Cremos que há toda a possibilidade de que se alcancem
resultados e cheguemos a recomendações que realmente capacitem as partes a
desatar o nó desse conflito.
É crucial que todos tenham clareza
quanto à real magnitude dos riscos. É mais que hora de abandonarmos o hábito de
considerar separadamente cada problema, sempre incapazes de ver o bosque, só
cada árvore. É mais que hora de gerar uma avaliação compreensiva, ampla, da
situação. O mundo enfrenta hoje mudança drástica conectada à mudança de era
histórica. As “dores do parto” da nova estrutura mundial estão aí, visíveis na
prontidão para conflitos nas relações internacionais.
Se decisões de visão curta no
interesse só das mais próximas eleições em casa prevalecerem sobre uma visão
estratégica global dos problemas, há risco de que se perca o controle da gestão
global.
Permitam-me lembrar-lhes de que no
início do conflito sírio, muitos no ocidente falaram de não se exagerar o
perigo do extremismo e do terrorismo, porque, para eles, o perigo se
autodissiparia; e que obter mudança de regime em Damasco seria prioridade
absoluta. Hoje já se sabe o que resultou dessa ideia. Vastas áreas no Oriente
Médio, na África, nas áreas de Afeganistão e Paquistão já caíram fora de
qualquer controle por qualquer governo legítimo. O extremismo alastra-se para
outras regiões, inclusive para a Europa. Riscos de que proliferem as armas de
destruição em massa só crescem. A situação por todo o Oriente Médio e em outras
áreas de conflitos regionais vai-se tornando explosiva. Até agora, ninguém
alcançou qualquer estratégia adequada para lidar com esses desafios.
Gostaria de poder esperar que os
debates de hoje e amanhã em Munique nos levem mais próximos de compreender o
nível de esforços para encontrar respostas coletivas a desafios que nos atingem
a todos. Qualquer conversa, se queremos chegar a resultado sério, terá de ser
igualitária, sem ameaças e ultimatos.
Confiamos que o complexo de questões
possa ser resolvido muito mais facilmente, se os principais atores acertarem
metas estratégicas nas suas relações. Recentemente, Helene Carrere d’Encausse,
Secretária-Permanente da Académie Française, que tenho em alta
estima, disse que nenhuma Europa real pode existir sem a Rússia. Gostaríamos de
encontrar esse ponto de vista também entre nossos parceiros. Ou talvez estejam
mais inclinados a aprofundar a fissura no espaço comum europeu, para lançar uns
contra os outros os fragmentos restantes. Querem construir uma arquitetura de
segurança com a Rússia, sem a Rússia, ou contra a Rússia? Claro: nossos
parceiros norte-americanos também terão resposta a essa pergunta.
Há muito tempo propomos a criação de
um espaço econômico e humanitário comum, de Lisboa a Vladivostok, baseado nos
princípios de segurança igual e indivisível que aproximaria os dois membros das
uniões de integração e de nações que não fazem parte deles. Particularmente
importante é criar mecanismos confiáveis de interação entre a União Econômica
Eurasiana [orig.Eurasian Economic Union, e a EU] e a União Europeia.
Consideramos bem-vindo o emergente apoio a essa ideia que recebemos de líderes
europeus responsáveis.
No 40º aniversário do Acordo Final
de Helsinki e no 25º aniversário da Carta de Paris, a Rússia conclama todos a
insuflar vida real nos documentos e leis, para impedir que os princípios que
eles contêm, capazes de assegurar estabilidade e prosperidade em todo o espaço
euroatlântico, baseado em autêntica igualdade, respeito mútuo e consideração
pelos interesses dos demais. Desejamos sucesso ao “Grupo dos Sábios” formado na
OSCE, que deve obter consenso em suas recomendações.
Quando se marca o 70º aniversário da
IIª Guerra Mundial, deve-se lembrar a responsabilidade que pesa sobre cada um
de nós.
Grato pela atenção de todos.
[Seguem-se perguntas &
respostas, ainda não transcritas pelo MRE da Rússia.]
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