quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

BRICS, БРИКС/Sergey Lavrov: Intervenção na 51ª Conferência de Segurança, Munique/Выступление и ответы на вопросы Министра иностранных дел России С.В.Лаврова

9 fevereiro 2015, Redecastorphoto http://redecastorphoto.blogspot.com.br (Brasil)
7/2/2015, Sergey Lavrov, MRE da Rússia

Vídeo, em russo, com tradução simultânea ao inglês, 43’48
Traduzido da transcrição em inglês pelo pessoal da Vila Vudu

Sergey Lavrov, Ministro de Relações Exteriores da Rússia em 7/2/2015


Comentário de The Saker, The Vineyard of the Saker, 7/2/2015:

Devo dizer que, pessoalmente, não me lembro de ter assistido a qualquer coisa semelhante ao que aconteceu hoje em Munique. Nunca antes, das incontáveis vezes que ouvi discursos de Lavrov, senti na voz do ministro russo o que senti hoje. Claro que Lavrov manteve-se calmo, perfeitamente composto e irrepreensivelmente polido. Mas, dessa vez, senti na voz dele um tal sentimento de desgosto e de repugnância pela plateia à qual falava como nunca senti antes. Repugnância pelos atores, os ditos “líderes” e “parceiros”, e pelo que fizeram ao longo de toda uma década. De fato, o que Lavrov disse a eles foi: “Putin já explicou tudo, em detalhes, em 2007. Vocês não ouviram uma palavra do que ele lhes disse. E agora? Estão contentes com o resultado?
Na sequência, quando vieram as perguntas e respostas dos jornalistas, a coisa só piorou


Senhoras e senhores,

O sr. Wolfgang Ischinger incluiu na agenda a questão do colapso do desenvolvimento global. Tem-se de concordar que os eventos tomaram rumo que, hoje, está longe de ser otimista. Mas é impossível aceitar os argumentos de alguns de nossos colegas, para os quais teria havido colapso repentino e rápido da ordem mundial que existe há décadas.

Ao contrário, os desenvolvimentos do ano passado confirmaram o quanto estavam corretos os avisos que distribuímos quanto à persistência de graves,
profundos problemas, sistêmicos, na organização da segurança europeia e das relações internacionais em geral.


A estrutura de estabilidade, baseada na Carta da ONU e nos princípios de Helsinki há muito tempo foi minada por ações dos EUA e seus aliados na Iugoslávia, que foi bombardeada, como também foram bombardeados o Iraque e a Líbia, e vê-se a expansão da OTAN para o leste, com criação de novas linhas de separação.

O projeto de construir um “lar europeu comum” fracassou porque nossos parceiros ocidentais deixaram-se guiar por ilusões e crenças de vencedores da Guerra Fria, em vez de deixarem-se guiar pelos interesses de construir uma arquitetura de segurança aberta, com respeito mútuo por diferentes interesses.

Os compromissos solenemente assumidos como parte da OSCE e do Conselho Rússia−OTAN, de que não se operaria para proteger a própria segurança à custa da segurança dos parceiros ficaram no papel; na prática, foram ignorados.

O problema dos mísseis de defesa é prova forte da poderosa influência destrutiva dos passos unilaterais para desenvolver capacidades militares, em oposição aos interesses legais de outros estados. Nossas propostas de operarmos juntos o escudo antimísseis foram rejeitadas. Em troca, nos aconselharam a nos unir na criação de um escudo de mísseis de defesa norte-americanos, que seguiria estritamente padrões de Washington – o qual, como dissemos e explicamos baseados em fatos inúmeras vezes, implica riscos reais para as forças nucleares russas de contenção.

Qualquer ação que comprometa a estabilidade estratégica sempre inevitavelmente resultará em contramedidas. Assim sendo, foi pesadamente agredido e sofreu danos extensos todo o sistema de tratados internacionais que tratam do controle de armas, cuja executabilidade depende diretamente do fator mísseis de defesa.

Não entendemos tampouco com o que poderia explicar a obsessão dos EUA com inventar um sistema global de mísseis de defesa. Trata-se de quê? De aspirarem a alguma supremacia militar que ninguém jamais poderia disputar? Porque aplicam mais fé na possibilidade de resolver tecnologicamente questões que, de fato, são políticas? Seja como for, nada reduziu a ameaça dos mísseis. Mas surgiu outro fator fortemente irritante na região euroatlântica. E muito tempo ainda decorrerá, até que nos livremos dele. Estamos prontos para o que vier.

A recusa dos EUA e de outros membros da OTAN, que não ratificaram o Acordo de Adaptação do Tratado sobre Forças Armadas Convencionais na Europa, que sepultou aquele tratado, foi outro fator de desestabilização.

Ao mesmo tempo, nossos colegas norte-americanos tentar fazer recair a culpa sobre a Rússia – em todas as questões complicadas que eles próprios criaram.

Consideremos as discussões, renascidas recentemente, sobre o Tratado sobre Forças Nucleares de Alcance Médio (chamado “INF Treaty”). Os especialistas conhecem bem as ações dos norte-americanos, que conflitam com o espírito e com a lei desse documento. Por exemplo, como parte da criação de um sistema de mísseis globais de defesa, Washington embarcou num programa de grande escala para criar mísseis com características semelhantes ou próximas de mísseis balísticos baseados em terra, proibidos pelo tratado já mencionado.

Veículo armados comandados à distância [“drones”], amplamente utilizados pelos EUA encaixam-se também na definição de mísseis de alcance intermediário baseados em terra. O tratado proíbe explicitamente os lançadores de Mísseis Antibalísticos [orig. ABM launchers], que em breve já estarão instalados na Romênia e na Polônia, porque podem ser usados para lançar mísseis de alcance intermediário.

Ao mesmo tempo em que se recusam a reconhecer esses fatos, nossos colegas dos EUA afirmam que teriam queixas “substanciadas” contra a Rússia nos termos do Tratado INF. Mas atentamente jamais especificam coisa alguma.

Se se consideram devidamente esses e vários outros fatores, parece, aos nossos olhos, que toda e qualquer tentativa para reduzir a gravidade e a profundidade da atual crise aos eventos do ano passado implica deixar-se afundar no mais perigoso autoengano.

Houve um cúmulo na trajetória de nossos colegas ocidentais no último quarto de século, no serviço de tentar preservar a sua dominação sobre todos os negócios mundiais, a qualquer custo, quando decidiram cercar todo o espaço geopolítico na Europa.

Exigiram dos países que constituem a Comunidade dos Estados Independentes (CEI, são os estados que formaram a URSS; foi criada em 1991) – nossos vizinhos mais próximos, conectados à Rússia há séculos por laços econômicos, históricos, culturais e até por laços familiares – que escolhessem: “ou estão com o Ocidente, ou estão contra o Ocidente”. É lógica de soma-zero, lógica velha, segundo a qual quem vencer “leva tudo”. É lógica antiquada, superada, lógica que, ostensivamente, todos queriam deixar enterrada no passado.

A parceria estratégica de Rússia e União Europeia fracassou no teste de resistência, porque a UE escolheu a via do confronto, acima do desejo de desenvolver mecanismos mutuamente benéficos de interação.

Impossível não lembrar a oportunidade desperdiçada, quando não se implementou a iniciativa apresentada pela chanceler Merkel, em junho de 2010, em Meseberg, para criar uma Comissão UE-Rússia para Questões de Segurança e Assuntos Externos, no nível de Ministros de Relações Exteriores. A Rússia apoiou a ideia. A União Europeia rejeitou-a. Contudo, esse mecanismo de diálogo continuado, se tivesse sido criado, permitir-nos-ia resolver problemas mais rapidamente e com mais eficácia, e superar, em ritmo oportuno, as questões que nos afligem.

Quanto à questão da Ucrânia, a cada estágio do desenvolvimento da crise, nossos colegas norte-americanos, infelizmente – e por influência dos norte-americanos também a União Europeia – só fazem buscar escalar o conflito.

Aconteceu quando a União Europeia recusou-se a incluir a Rússia na discussão das consequências de implementar o bloco econômico do Acordo de Associação com a Ucrânia, movimento que antecedeu o apoio direto a um golpe de estado e, pouco antes do golpe, aos movimentos de rua contra o governo da Ucrânia.

Aconteceu também quando nossos parceiros ocidentais continuaram a emitir indulgências para as autoridades em Kiev, as quais, em vez de cumprir a promessa de que seria lançado amplo diálogo nacional, iniciaram operação militar em larga escala e passaram a chamar de “terroristas” todos os cidadãos que não se submeteram (I) ao golpe inconstitucional para mudança de regime pela força e (II) ao governo dos ultranacionalistas [neonazistas].

É muito difícil para nós explicar por que tantos de nossos colegas recusam-se a aplicar à Ucrânia os princípios universais para resolução de conflitos internos que pressupõem, acima de tudo, diálogo político inclusivo entre os protagonistas locais. Por que nossos parceiros, nos casos do Afeganistão, Líbia, Iraque, Iêmen, Mali e Sudão Sul, por exemplo, “exigem” que os governos falem com oposições, sejam quais forem, até com rebeldes armados, em alguns casos, até, mesmo, com extremistas... Mas tudo muda no caso da Ucrânia. E nossos parceiros põem-se imediatamente a estimular a operação militar do governo de Kiev. E andam tão depressa nessa trilha, que já defendem, até, o uso de munição de fragmentação.

Lamentavelmente, nossos colegas ocidentais conseguem fechar os olhos a tudo que o governo de Kiev diz e faz, inclusive às suas atitudes mais xenofóbicas.

Permitam-me uma citação:

O nacional-socialismo ucraniano considera a nação ucraniana uma comunidade de raça.” E, na sequência: A questão da total ucranização do nosso futuro estado nacional-socialista será resolvida no período de 3-6 meses, por uma política de estado forte e equilibrada.

O autor dessas palavras é Andrey Biletsky, comandante do regimento Azov, ativamente engajado nas atividades militares no Donbass. Outros ativistas que alcançaram posição na política e no poder, dentre os quais Dmitry Yarosh, Oleg Tyagnibok e o líder do Partido Radical no Parlamento, Oleg Lyashko, todos clamaram já várias vezes por uma Ucrânia racialmente pura, com eliminação de russos e judeus. Disseram o que bem entenderam, sem que tenha havido qualquer reação nas capitais ocidentais. Não me parece que a Europa de hoje tenha algum interesse em deixar que se propague o vírus do neonazismo.

Não há solução de força militar, para a crise ucraniana. Foi o que se viu confirmado no verão passado, quando a situação no campo de combate forçou os combatentes a assinar os Acordos de Minsk. Também já se re-confirmou agora, quando já fracassa uma nova tentativa de alcançar vitória militar em campo. Mas, mesmo sem considerar tudo isso, já se ouvem alguns países ocidentais a clamar que se deveria ampliar o apoio ao governo de Kiev, mediante a militarização da sociedade e do estado – países que se apressam a “injetar” armas “letais” na Ucrânia, para arrastá-la para dentro da OTAN. Há esperanças de que prevaleça na Europa a crescente oposição a tais planos que só podem tornar ainda maior a tragédia do povo ucraniano.

A Rússia continuará a trabalhar empenhadamente para estabelecer a paz. Temos pedido consistentemente a cessação das atividades militares, a retirada de armas pesadas e o início de conversações diretas entre Kiev e as Repúblicas de Donetsk e Lugansk sobre medidas práticas para restaurar a economia comum e o espaço social e político dentro da integridade territorial da Ucrânia. 

O presidente Putin dedicou várias iniciativas para precisamente essas finalidades dentro do formato da Normandia, que ajudaram a lançar o processo de Minsk, e nossos outros esforços nessa direção, incluindo as conversações de ontem, no Kremlin, entre os presidentes da Rússia e França e a chanceler alemã. Como os senhores sabem, essas conversações prosseguem. Cremos que há toda a possibilidade de que se alcancem resultados e cheguemos a recomendações que realmente capacitem as partes a desatar o nó desse conflito.

É crucial que todos tenham clareza quanto à real magnitude dos riscos. É mais que hora de abandonarmos o hábito de considerar separadamente cada problema, sempre incapazes de ver o bosque, só cada árvore. É mais que hora de gerar uma avaliação compreensiva, ampla, da situação. O mundo enfrenta hoje mudança drástica conectada à mudança de era histórica. As “dores do parto” da nova estrutura mundial estão aí, visíveis na prontidão para conflitos nas relações internacionais.

Se decisões de visão curta no interesse só das mais próximas eleições em casa prevalecerem sobre uma visão estratégica global dos problemas, há risco de que se perca o controle da gestão global.

Permitam-me lembrar-lhes de que no início do conflito sírio, muitos no ocidente falaram de não se exagerar o perigo do extremismo e do terrorismo, porque, para eles, o perigo se autodissiparia; e que obter mudança de regime em Damasco seria prioridade absoluta. Hoje já se sabe o que resultou dessa ideia. Vastas áreas no Oriente Médio, na África, nas áreas de Afeganistão e Paquistão já caíram fora de qualquer controle por qualquer governo legítimo. O extremismo alastra-se para outras regiões, inclusive para a Europa. Riscos de que proliferem as armas de destruição em massa só crescem. A situação por todo o Oriente Médio e em outras áreas de conflitos regionais vai-se tornando explosiva. Até agora, ninguém alcançou qualquer estratégia adequada para lidar com esses desafios.

Gostaria de poder esperar que os debates de hoje e amanhã em Munique nos levem mais próximos de compreender o nível de esforços para encontrar respostas coletivas a desafios que nos atingem a todos. Qualquer conversa, se queremos chegar a resultado sério, terá de ser igualitária, sem ameaças e ultimatos.

Confiamos que o complexo de questões possa ser resolvido muito mais facilmente, se os principais atores acertarem metas estratégicas nas suas relações. Recentemente, Helene Carrere d’Encausse, Secretária-Permanente da Académie Française, que tenho em alta estima, disse que nenhuma Europa real pode existir sem a Rússia. Gostaríamos de encontrar esse ponto de vista também entre nossos parceiros. Ou talvez estejam mais inclinados a aprofundar a fissura no espaço comum europeu, para lançar uns contra os outros os fragmentos restantes. Querem construir uma arquitetura de segurança com a Rússia, sem a Rússia, ou contra a Rússia? Claro: nossos parceiros norte-americanos também terão resposta a essa pergunta.

Há muito tempo propomos a criação de um espaço econômico e humanitário comum, de Lisboa a Vladivostok, baseado nos princípios de segurança igual e indivisível que aproximaria os dois membros das uniões de integração e de nações que não fazem parte deles. Particularmente importante é criar mecanismos confiáveis de interação entre a União Econômica Eurasiana [orig.Eurasian Economic Union, e a EU] e a União Europeia. Consideramos bem-vindo o emergente apoio a essa ideia que recebemos de líderes europeus responsáveis.

No 40º aniversário do Acordo Final de Helsinki e no 25º aniversário da Carta de Paris, a Rússia conclama todos a insuflar vida real nos documentos e leis, para impedir que os princípios que eles contêm, capazes de assegurar estabilidade e prosperidade em todo o espaço euroatlântico, baseado em autêntica igualdade, respeito mútuo e consideração pelos interesses dos demais. Desejamos sucesso ao “Grupo dos Sábios” formado na OSCE, que deve obter consenso em suas recomendações.

Quando se marca o 70º aniversário da IIª Guerra Mundial, deve-se lembrar a responsabilidade que pesa sobre cada um de nós.

Grato pela atenção de todos.

[Seguem-se perguntas & respostas, ainda não transcritas pelo MRE da Rússia.]

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