12 fevereiro 2015, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra--MST http://www.mst.org.br (Brasil)
Por Frei Betto
Quem de fato matou Dorothy Stang foi o latifúndio,
conforme denúncia dos bispos católicos brasileiros reunidos em Aparecida, em
abril de 2013.
Eram 7h30 da manhã de 12 de fevereiro de 2005. Irmã Dorothy Stang, religiosa estadunidense naturalizada brasileira, 73, se dirigia à área do Projeto Esperança de Desenvolvimento Sustentável, em Anapu (PA).
No caminho, Rayfran das Neves a abordou. Perguntou se
estava armada. Dorothy exibiu a Bíblia: “Eis a minha arma.” E leu trechos em
voz alta.
O rapaz não se intimidou. A recompensa pelo crime importava mais que a vida da missionária que defendia pequenos agricultores, posseiros e sem-terras. Sacou a arma e descarregou nela sete tiros, sendo um na cabeça.
Rayfran, condenado a 27 anos de prisão, teve como mandante o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, condenado, em 2013, a 30 anos. Passou por três julgamentos. O primeiro, em
Dorothy Stang mereceu prêmio de direitos humanos da OAB, em 2004. Homenageou-a, em 2005, o documentário-livro “Amazônia revelada”, patrocinado pelo CNPq e o Ministério dos Transportes.
O documentário de Daniel Junge, “Mataram irmã Dorothy”, produzido nos EUA e narrado por Wagner Moura, retrata a trajetória da religiosa. O artista Cláudio Pastro incluiu o perfil dela no painel, em azulejos, “As mulheres santas”, na basílica de Aparecida (SP).
Quem de fato matou Dorothy Stang foi o latifúndio, conforme denúncia dos bispos católicos brasileiros reunidos em Aparecida, em abril de 2013.
Reza o documento por eles aprovado: “A sempre prometida reforma agrária não foi prioridade de nenhum dos governos democráticos. As decisões governamentais, nestas três décadas, foram, quase sempre, tomadas para favorecer o latifúndio e o agronegócio: financiamentos altíssimos, subvenções, e até anistia para os endividados, impunidade e regularização da grilagem, legislação favorável aos interesses da bancada ruralista.
É injustificável que os índices de produtividade, essenciais para provar a função social da propriedade, ainda sejam os do tempo da ditadura militar.”
Outros assassinatos ocorrerão se o governo não promover a reforma agrária e defender os direitos de índios, quilombolas, atingidos por barragens, posseiros e sem-terra.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra, de 1985 a 2011,
registros revelam que 1.610 pessoas foram assassinadas no campo, julgadas
apenas 96 ocorrências e condenados 21 mandantes e 75 executores. A impunidade
faz do Brasil uma nação violenta.
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Naquela
conversa com o bispo da Prezalia do Xingu, Dom Erwin Krautler, em 1982,
começava a luta da missionária Dorothy Stang por uma das áreas mais pobres e necessitadas
da região Amazônica. Cortada pela rodovia Transamazônica, a pequena Anapu,
cidade abandonada após uma colonização fracassada durante a ditadura militar,
foi indicada à missionária como uma das mais carentes da região.
“Ela queria
dedicar a vida às famílias isoladas que estão na miséria. Daí eu indiquei a
Transamazônica leste, o trecho entre Altamira e Marabá. E para lá ela foi”,
contou o bispo. O nome Anapu vem do tupi-guarani e quer dizer “ruído forte”.
Segundo habitantes da região, o nome “provavelmente faz referência ao barulho
produzido pelo volume de água do rio Anapu”. Com uma área de 11.895 quilômetros
quadrados e pouco mais de 8 mil habitantes, a cidade se tornaria anos mais
tarde um dos principais pontos de conflito na luta pela terra.
A partir da
década de 80, a região de Anapu, o centro do estado, mais conhecido como Terra
do Meio, e o sul e sudeste passaram a formar a área de maior pressão de
desmatamento da floresta, o que gerava conflitos entre grileiros, madeireiros,
pequenos produtores e posseiros. Dorothy denunciou por diversas vezes a
situação às autoridades brasileiras. “Ela começou a trabalhar pela criação das
reservas. Dorothy é o símbolo de luta defensora das reservas e das unidades de
conservação. Os moradores que estavam nesses lugares sempre eram retirados
porque chegava alguém e dizia que já era dono daquela terra”, explica Antonia
Melo, a “Toinha”, do Grupo de Trabalho Amazônico em Altamira, uma antiga
companheira da missionária assassinada.
Em junho de
2004, Dorothy esteve presente na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre
a violência no campo e denunciou que o quadro de impunidade agravou os
conflitos. Para ela, os grileiros não respeitam as terras já demarcadas, uma
vez que as promessas de ações no estado não vêm sendo cumpridas. A audiência
contou com a presença do ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto,
e o próprio relator da Comissão, o deputado federal João Alfredo (PT-CE), pediu
a criação de uma força-tarefa entre Ministério Público e Polícia Federal para
atuar no Pará.
Segundo aqueles
que conheciam Dorothy Stang, seu maior sonho – que em parte estava
materializado na luta pelos projetos de desenvolvimento sustentável – era que
os trabalhadores rurais conquistassem o direito a um pedaço de terra para
cultivar. Os amigos a viam como uma mulher destemida. Toinha define Dorothy
como “uma força de mulher comprometida com a justiça, com as causas sociais,
com o meio ambiente e com um desenvolvimento responsável”.
Nascida em 7 de
junho de 1931, na cidade de Dayton, no Estado de Ohio, Dorothy veio para o
Brasil em 1966. Fazia parte de uma congregação internacional da Igreja Católica
– Irmãs de Notre Dame de Namur – que tem como princípio ajudar os mais pobres e
marginalizados. Sua primeira experiência foi em Coroatá (MA), onde acompanhou o
trabalho dos agricultores nas comunidades eclesiais de base. Com o passar do
tempo, o povo já não tinha onde plantar e precisava se submeter aos mandos e
desmandos dos latifundiários. Diante da situação, muitos migraram para o Pará e
Dorothy acompanhou esse movimento.
Aos 73 anos,
voz baixa e mansa, andava sempre sorridente e determinada. “Ela levou até o fim
aquilo que acreditava, que era a solução para aquela terra. Defendeu e lutou
para a criação de um modelo de assentamento que respeitasse a floresta”, diz o
senador Sibá Machado (PT-AC).
O engajamento
para a criação dos PDSs – novo modelo de assentamento baseado na produção
agrícola familiar, atividades extrativistas de subsistência e baixo impacto
ambiental – alimentou a ira dos fazendeiros e grileiros e atraiu os olhares
para Dorothy. “Quando se levanta a voz contra aqueles que se dizem donos do
poder, certas coisas acontecem. O projeto de desenvolvimento sustentável veio
de encontro aos interesses dos grandões. O PDS era uma ameaça para eles”,
afirma padre Amaro. “Muitos atribuíam a idéia do projeto a Dorothy. Aí, deu no
que deu”, acrescenta Toinha, referindo-se à morte da amiga.
Segundo a irmã
Maria Alice, também da congregação das irmãs de Notre Dame em Anapu, pouco
tempo depois da destinação de uma área para o PDS, os grileiros se apossaram do
lugar. “Eles chegam com um testa-de-ferro, chamado de varredor, dizem que as
famílias têm que sair e fazem diversas ameaças. Com isso, afastaram muita gente
de áreas de PDS”, conta.
Da mesma forma
que morreu Dorothy Stang, os interesses dos grandes fazendeiros, grileiros e
madeireiros ilegais calaram vários líderes brasileiros, como Chico Mendes, irmã
Adelaide e Padre Josimo. A luta da freira pelo direito dos pequenos
agricultores na Amazônia foi interrompida por seis tiros à queima roupa no dia
12 de fevereiro.Naquela conversa com o bispo da Prezalia do Xingu, Dom Erwin
Krautler, em 1982, começava a luta da missionária Dorothy Stang por uma das
áreas mais pobres e necessitadas da região Amazônica. Cortada pela rodovia
Transamazônica, a pequena Anapu, cidade abandonada após uma colonização
fracassada durante a ditadura militar, foi indicada à missionária como uma das
mais carentes da região.
“Ela queria
dedicar a vida às famílias isoladas que estão na miséria. Daí eu indiquei a
Transamazônica leste, o trecho entre Altamira e Marabá. E para lá ela foi”,
contou o bispo. O nome Anapu vem do tupi-guarani e quer dizer “ruído forte”.
Segundo habitantes da região, o nome “provavelmente faz referência ao barulho
produzido pelo volume de água do rio Anapu”. Com uma área de 11.895 quilômetros
quadrados e pouco mais de 8 mil habitantes, a cidade se tornaria anos mais
tarde um dos principais pontos de conflito na luta pela terra.
A partir da
década de 80, a região de Anapu, o centro do estado, mais conhecido como Terra
do Meio, e o sul e sudeste passaram a formar a área de maior pressão de
desmatamento da floresta, o que gerava conflitos entre grileiros, madeireiros,
pequenos produtores e posseiros. Dorothy denunciou por diversas vezes a
situação às autoridades brasileiras. “Ela começou a trabalhar pela criação das
reservas. Dorothy é o símbolo de luta defensora das reservas e das unidades de
conservação. Os moradores que estavam nesses lugares sempre eram retirados
porque chegava alguém e dizia que já era dono daquela terra”, explica Antonia
Melo, a “Toinha”, do Grupo de Trabalho Amazônico em Altamira, uma antiga
companheira da missionária assassinada.
Em junho de
2004, Dorothy esteve presente na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre
a violência no campo e denunciou que o quadro de impunidade agravou os
conflitos. Para ela, os grileiros não respeitam as terras já demarcadas, uma
vez que as promessas de ações no estado não vêm sendo cumpridas. A audiência
contou com a presença do ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto,
e o próprio relator da Comissão, o deputado federal João Alfredo (PT-CE), pediu
a criação de uma força-tarefa entre Ministério Público e Polícia Federal para
atuar no Pará.
Segundo aqueles
que conheciam Dorothy Stang, seu maior sonho – que em parte estava
materializado na luta pelos projetos de desenvolvimento sustentável – era que
os trabalhadores rurais conquistassem o direito a um pedaço de terra para
cultivar. Os amigos a viam como uma mulher destemida. Toinha define Dorothy
como “uma força de mulher comprometida com a justiça, com as causas sociais,
com o meio ambiente e com um desenvolvimento responsável”.
Nascida em 7 de
junho de 1931, na cidade de Dayton, no Estado de Ohio, Dorothy veio para o
Brasil em 1966. Fazia parte de uma congregação internacional da Igreja Católica
– Irmãs de Notre Dame de Namur – que tem como princípio ajudar os mais pobres e
marginalizados. Sua primeira experiência foi em Coroatá (MA), onde acompanhou o
trabalho dos agricultores nas comunidades eclesiais de base. Com o passar do
tempo, o povo já não tinha onde plantar e precisava se submeter aos mandos e
desmandos dos latifundiários. Diante da situação, muitos migraram para o Pará e
Dorothy acompanhou esse movimento.
Aos 73 anos,
voz baixa e mansa, andava sempre sorridente e determinada. “Ela levou até o fim
aquilo que acreditava, que era a solução para aquela terra. Defendeu e lutou
para a criação de um modelo de assentamento que respeitasse a floresta”, diz o
senador Sibá Machado (PT-AC).
O engajamento
para a criação dos PDSs – novo modelo de assentamento baseado na produção
agrícola familiar, atividades extrativistas de subsistência e baixo impacto
ambiental – alimentou a ira dos fazendeiros e grileiros e atraiu os olhares
para Dorothy. “Quando se levanta a voz contra aqueles que se dizem donos do
poder, certas coisas acontecem. O projeto de desenvolvimento sustentável veio
de encontro aos interesses dos grandões. O PDS era uma ameaça para eles”,
afirma padre Amaro. “Muitos atribuíam a idéia do projeto a Dorothy. Aí, deu no
que deu”, acrescenta Toinha, referindo-se à morte da amiga.
Segundo a irmã
Maria Alice, também da congregação das irmãs de Notre Dame em Anapu, pouco
tempo depois da destinação de uma área para o PDS, os grileiros se apossaram do
lugar. “Eles chegam com um testa-de-ferro, chamado de varredor, dizem que as
famílias têm que sair e fazem diversas ameaças. Com isso, afastaram muita gente
de áreas de PDS”, conta.
Da mesma forma
que morreu Dorothy Stang, os interesses dos grandes fazendeiros, grileiros e
madeireiros ilegais calaram vários líderes brasileiros, como Chico Mendes, irmã
Adelaide e Padre Josimo. A luta da freira pelo direito dos pequenos agricultores
na Amazônia foi interrompida por seis tiros à queima roupa no dia 12 de
fevereiro.
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