15 setembro
2014, Redecastorphoto http://redecastorphoto.blogspot.com (Brasil)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ontem assisti a um interessante programa da TV russa,
“O direito de saber”, que mostrou uma entrevista ao vivo, de uma hora, com
Sergei Lavrov (abaixo, sem legendas e em russo), Ministro de Relações
Exteriores da Rússia, em conversa com cinco jornalistas russos. Nada tão
importante que justifique o trabalho de traduzir, mas quero partilhar com vocês
algumas coisas que já observei no passado e que reapareceram poderosamente
expressas durante aquela conversa.
Como se poderia prever, os tópicos incluíram a guerra
civil na Ucrânia; a situação da investigação sobre o ataque e derrubada do
avião malaio MH17, sanções contra a Rússia, a expansão da OTAN, as negociações
em Minsk e o engajamento da Rússia com os países BRICS.
Em todos esses tópicos o programa
seguia roteiro
semelhante: um dos jornalistas pedia que Lavrov comentasse o que acontecera
numa ou outra circunstância e Lavrov confirmava:
(...) é verdade, tentamos tudo que foi
possível, mas sem resultado positivo. Lamentamos muito.
O mais curioso foi que os jornalistas manifestavam
surpresa, alguns até indignação por as coisas terem chegado ao ponto que
chegaram, mas a reação de Lavrov era “é, vocês têm razão, não tem jeito mesmo.
É situação completamente sem esperanças”. O efeito geral era de um conselho de
classe escolar, com os professores discutindo a situação de um aluno
inapelavelmente idiota e incapaz de melhorar. De diferente, só, que, naquele
caso, o “aluno” era o chamado “ocidente”.
Por exemplo, sobre o caso do voo MH17, os jornalistas
mostraram surpresa ante o vazio de resultados e a total esterilidade do
relatório “oficial” recém divulgado. Observaram que toda a imprensa-empresa ocidental
entrou em surto de histeria, com manchetes do tipo “Putin Terrorista” ou
“Basta! Basta!”, como se não soubessem que a investigação continua.
A reação de Lavrov foi
(...) é verdade. Bom... fizemos o possível no
Conselho de Segurança, apresentamos nossa contribuição, queríamos um total
cessar-fogo para que o local do acidente pudesse ser periciado adequadamente,
oferecemos as nossas informações, conversamos com os malaios, quisemos
conversar com os especialistas, mas eles só conversaram com a Junta de Kiev,
passaram 15 dias lá e só conversaram com a Junta. Ainda temos detalhes a
esclarecer com os peritos, mas, ao que se vê, só nós continuamos interessados
em obter investigação completa e completamente transparente (não é
citação, mas é paráfrase bem confiável das palavras de Lavrov).
A impressão que resta da conversa toda é algo como
(...) sinceramente, com gente assim não há o
que fazer. O que mais poderíamos tentar?
Sobre as sanções, os jornalistas disseram que vários
países estão surpresos com a velocidade com a Rússia afastou-se do “ocidente” e
começou a construir relações com Ásia, África, América Latina e com o
subcontinente indiano. Mais uma vez, a resposta de Lavrov foi
(...) é, nós mesmos também nos surpreendemos,
nós mesmos, com a rapidez dos eventos. Mas não tivemos escolha.
Não é o único programa de entrevistas que passa essa
mensagem. A impressão que tenho é que a Rússia desistiu dos “EUA−ocidente”.
Claro: vão continuar a conversar e a Rússia tentará, mesmo contra qualquer
probabilidade, arrancar comportamento adulto responsável dos políticos
ocidentais. Mas ninguém na Rússia tem qualquer esperança de conseguir.
Em outro programa desse tipo (Sunday Evening with
Vladimir Soloviev) os participantes observaram que a Alemanha assumira o papel
de pressionar a Finlândia, a República Eslovaca e outros países que não queriam
adotar mais sanções. Outra vez, a mensagem russa foi
(...) esqueçam os alemães. Esse pessoal não
tem jeito.
Creio que há sincero e muito difundido sentimento de
desgosto e de descrença, na Rússia, em relação aos países da União Europeia.
Quanto aos EUA, os russos já veem os norte-americanos como lunáticos
messiânicos, militantes do ódio racista e nacionalista, capazes de fazer
qualquer coisa para causar dano à Rússia, do modo que encontrem à mão, por
doido, absurdo, inútil ou hipócrita que seja.
Tudo isso se resume a um consenso que se vai
generalizando segundo o qual, por mais que qualquer guerra contra os EUA e OTAN
deva ser evitada, pouco mais haveria a ganhar dos esforços para manter a paz.
Muitos políticos dizem hoje que
(...) nossa política externa sempre foi
excessivamente influenciada pelo “ocidente”. Isso agora tem de mudar – o futuro
da Rússia está noutro lugar.
A implantação de sanções contra a Rússia é perfeito
exemplo disso. Enquanto apenas alguns direitistas mais ferozes e pró-EUA ainda
reclamam (e, sim, é claro que essa gente sempre existe), há também muita gente
que entende que, apesar de não se encontrarem ostras “belon” francesas
à venda em Moscou, as sanções chegam como perfeita bênção, uma vez que forçam a
Rússia a separar-se do “ocidente” – separação que, para muitos russos, já
deveria ter acontecido há muito tempo. No curto prazo, as sanções ocidentais
“morderão”, sobretudo no mercado de alguns itens high-tech, mas no
longo prazo e nos grandes números, muita gente entende que o principal erro, e
erro muito mais grave, desde o início, era depender do “ocidente” para aquele
tipo de produto.
Mais uma vez, a emoção dominante é de desgosto,
estranheza e cansaço. Embora um homem tão finamente educado nas artes da
diplomacia, como Lavrov, jamais o declare nesses termos, a reação geral já é
claramente que “vocês, europeus estão em decadência; vocês fracassaram; não
precisamos de vocês para nada; goodbye”. Mas dito sem qualquer ira
e, de fato, quase que só com tristeza.
Não creio que diplomatas russos venham a fazer altas
declarações antiocidente na ONU ou seja onde for. O contrário do amor não é o
ódio: o contrário do amor é a indiferença.
Os funcionários do governo russo continuarão a falar
de “nossos parceiros” e, até, de “nossos amigos”, mas, ao mesmo tempo em que a
retórica bem-soante continuará, as relações com o Ocidente irão gradualmente
deixando de ser prioridade para a diplomacia russa, para o business russo
e mesmo para a opinião pública russa em geral. De fato, a Rússia já
está construindo um mundo multipolar e, se o Ocidente não quer
ter lugar nesse mundo... problema dele. Os russos sabem que o Ocidente não pode
impedir a emergência desse novo mundo, e realmente pouco se incomodam se o
Ocidente recusar-se a aceitar a nova realidade ou resistir contra dançar
segundo as novas regras.
Mais uma coisa: os russos estão, sim, com certeza,
muito furiosos com a posição extremamente agressiva da OTAN, porque a
interpretam – corretamente – como sinal de hostilidade.
Mas, ao contrário do que vários blogueiros têm dito,
os russos não temem a ameaça militar que a OTAN está fazendo.
A reação dos russos contra os mais recentes movimentos da OTAN (novas bases e
mais soldados na Europa Central, mais gastos, etc.) é denunciá-los como
provocação. Mas todos os funcionários russos insistem em que a Rússia tem meios
para responder à ameaça militar.
Como disse um deputado russo,
(...) cinco grupos de reação rápida [como
a OTAN definiu sua “nova estratégia”] é problema que se resolve com um
único míssil.
É fórmula simplista, mas basicamente correta. Putin
disse exatamente a mesma coisa, quando informou, sem margem de dúvida, que, em
caso de ataque convencional massivo “seja de quem for”, a Rússia, sim, usará
suas armas atômicas táticas.
De fato, se a OTAN prosseguir com a estupidez que é o
plano de estacionar tropas na Polônia e/ou nos países do Báltico, entendo que a
Rússia se afastará do Tratado de Forças Nucleares Intermediárias (IRNF) e usará sucessores
avançados do famoso RSD-10 (SS-20). Como já escrevi antes, a decisão de duplicar o
tamanho das Forças Russas Aerotransportadas e de atualizar o status do 45º
Regimento Especial Aeroembarcado de elite, para dimensões de brigada, já foi
tomada. Pode-se dizer que a Rússia estava prevendo a criação da força da OTAN,
de 10 mil soldados, no momento em que duplicou as
dimensões de suas próprias forças aerotransportadas, de 36 mil, para 72 mil
soldados.Já tendo, portanto,
tomado as providências necessárias para dar conta da ameaça militar, o Kremlin
pode agora passar a cuidar dos assuntos realmente importantes.
Dentre as várias concepções distorcidas que acolhemos
em nossa cabeça durante nosso “adestramento” ocidental (não consigo chamar a
coisa de “educação”), nós, no ocidente, temos uma tendência a ver nossa parte
do mundo como o centro do planeta, e alguns até enchem a boca para dizer que os
EUA seriam a única nação indispensável, a única realmente importante. É o que
se vê até em nossos mapas sistematicamente centrados na Europa ou nos EUA e na
crença já quase dogmática nos EUA de que ninguém é ou será jamais mais
importante que os norte-americanos. Tudo isso está errado.
De fato, o Império Anglo-Sionista Norte-Americano está
em declínio lento, mas inexorável. Todo o resto do mundo lhe fará ainda algumas
reverências, mas, mais ou menos rapidamente, lhe dará as costas e seguirá
adiante. Se, nas instalações de adestramento a que chamamos “escolas” houvesse
professores realmente capazes de educar gerações para o mundo em que realmente
viverão, todos já teriam começado a desenhar mapas centrados na China e
ensinariam aos jovens trainees que já ninguém mais leva a
sério os chamados “valores ocidentais”.
Até Obama já anunciou seu “pivô” para a Ásia! Só que,
à maneira típica dos anglo-sionistas, o tal “pivô” significava, apenas, que os
EUA usariam mais forças militares e mais pressões para obrigar o mundo a
obedecer aos desejos do Império. De modo bem diferente do que fazem os EUA, a
Rússia não anunciou “pivô” algum, mas Putin já se reuniu quatro vezes,
só em 2014, com Xi Jinping; e os dois lados declararam que sua parceria
estratégica é a mais forte que jamais houve na história das relações entre os
dois países.
Não há dúvida de que a Rússia está realmente voltando
o olhar para a China, a América Latina, África e outras partes do mundo. Seus
diplomatas continuam a conversar, sorrir, falam de “parceiros” e “amigos”, mas
creio que estamos assistindo a um evento histórico: pela primeira vez, desde o
século XIII, a Rússia está-se distanciando do Ocidente e começou a apostar
o próprio futuro em associação com a Ásia (e o resto do planeta).
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BRICS, БРИКС: Brasil, Rússia, Índia, China, South
Africa, Бразилия, Россия, Индия, Китай, Южная Африка
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