22 set 2014, Zé Dirceu http://www.zedirceu.com.br (Brasil)
Por Fernando
Nogueira da Costa*
A primeira razão para votar contra a Independência do Banco
Central é Política: a defesa do direito político do cidadão de votar, ser
votado, e escolher o programa socioeconômico estratégico para o País de maneira
autônoma. O projeto vencedor da eleição não pode ser usurpado por um Quarto
Poder não eleito, composto arbitrariamente por tecnocratas de uma linha de
pensamento econômico oposta.
A segunda razão para votar contra a Independência do Banco
Central é Cívica, isto é, em defesa dos direitos cívicos do cidadão como
elemento integrante do Estado. A civilidade relaciona-se também ao dever de
observar as formalidades que os cidadãos adotam entre si para demonstrar mútuo
respeito. Cabe evitar o corporativismo dos funcionários do Banco Central. Eles
não podem ser servidores públicos autônomos sem prestar contas e voltados para
seus próprios interesses particulares.
A terceira razão para votar contra a Independência do Banco
Central é a Separação entre os Poderes. É essencial para a manutenção da
liberdade política que o Estado seja dividido em apenas três poderes: o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Em regime democrático, os
representantes do povo
são eleitos para legislar e fiscalizar, assim como é
eleito o(a) presidente(a) da República. Não há como comparar as exigências das
carreiras dos magistrados do Poder Judiciário com as das carreiras de
economistas que compõem o COPOM – Comitê de Política Monetária.
A quarta razão para votar contra a Independência do Banco
Central é o Critério de Escolha da Diretoria. O verdadeiro objetivo dos
assessores econômicos que fazem a cabeça para uma candidata defender o
anacronismo dessa independência é escolher colegas de pensamento econômico
ultraliberal para o dominar esse Quarto Poder.
A quinta razão para votar contra a Independência do Banco
Central é o Viés da Validação Ilusória. Os membros de sua Diretoria buscariam
só dados que corroborassem suas projeções como fosse um pensamento único
coletivo. Sem pluralismo, falariam só com analistas que pensam da mesma
maneira, selecionariam apenas informações que apoiassem sua decisão. O correto
seria ter contatos com pessoas com pensamentos distintos ou fontes que
questionassem suas hipóteses, fazendo-os refletir, procurar por pontos que não
seriam capazes de prever.
A sexta razão para votar contra a Independência do Banco
Central é a Rejeição da Tecnocracia. Democracia é governo no qual o povo,
direta ou indiretamente, toma as decisões importantes a respeito das políticas
públicas, não de forma ocasional ou circunstancial, mas segundo princípios
permanentes de legalidade. Não se confunde com Tecnocracia, isto é, o sistema
de organização política e social fundado na supremacia dos técnicos, e/ou com
Meritocracia, quando há predomínio social daqueles que supostamente têm mais
méritos intelectuais segundo o julgamento com o viés de auto validação de seus
próprios pares de pensamento similar. Independência do Banco Central é um Golpe
Tecnocrata!
A sétima razão para votar contra a Independência do Banco
Central é Histórica. Ser cidadão brasileiro representou conquistar direitos
civis, como ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante
à lei, com um século de atraso, apenas com a extinção da escravidão e a
proclamação da República, em 1888-89, em relação às conquistas inglesas,
norte-americanas e francesas no Século XVII-XVIII. Somente um século depois,
com a Constituinte de 1988, após 1/3 do período republicano com ditaduras
(1930-1945 e 1964-1984), quando predominou o Poder Tecnocrático, conquistamos
plenamente os direitos políticos de eleger a direção da sociedade, votar, ser
votado, associar-se em sindicatos e partidos, liberdade de expressão, etc. Na
transição do Século XX para o XXI, começamos a conquistar direitos sociais à
educação, à saúde, à aposentadoria, à segurança pública. No Século XXI, nosso
grande desafio está sendo conquistar direitos econômicos: ao trabalho, ao
salário justo, a uma renda mínima, acesso aos bancos, isto é, a crédito e
produtos financeiros. Não podemos permitir o retrocesso à autonomia dos
tecnocratas na colocação de obstáculos a essas conquistas!
A oitava razão para votar contra a Independência do Banco
Central é a Descoordenação entre Instrumentos de Política Econômica. É
necessário obter consistência no uso dos dois instrumentos de política de
controle da demanda agregada (política fiscal e política monetária), dois
regimes de câmbio (estabilizado e flexível) e quatro graus de mobilidade de
capital. A Diretoria do Banco Central e a equipe econômica do Ministério da
Fazenda não podem atuar de maneira descoordenada, uma tomando decisões que
prejudicam a outra .
A nona razão para votar contra a Independência do Banco
Central é o Argumento de Autoridade. Milton Friedman afirma que “a proposta do
Banco Central independente não é a proposta monetarista”. Ele é contra o
arbítrio colocado à disposição da diretoria de Banco Central independente.
Joseph Stiglitz, economista keynesiano ganhador do prêmio Nobel de Economia, em
2001, e ex-vice-presidente do Banco Mundial, se opõe à autonomia dos bancos
centrais porque esses “tomam decisões que afetam todos os aspectos da
sociedade, incluindo as taxas de crescimento econômico e do desemprego. Porque
existem trade-offs, essas decisões só podem ser feitas como parte de um
processo político”. Ele assinala que os “trabalhadores, que têm muito a perder
se o Banco Central persegue uma política monetária excessivamente rígida, não
têm um lugar na mesa. Mas os mercados financeiros – que não têm muito a perder
com o desemprego, mas são afetados pela inflação [devido à “eutanásia dos
rentistas” que aplicam em títulos de renda fixa] – são tipicamente bem
representados”. Por fim, observa que “China, Índia e Brasil enfrentaram com
mais êxito que diversos países centrais a crise econômica internacional porque
evitaram conceder autonomia a seus bancos centrais”.
A décima razão para votar contra a Independência do Banco
Central é que Correlação não é Causalidade. Eventual correlação entre grau de
autonomia do Banco Central e baixa taxa de inflação significa apenas que esta é
resultante de outros fatores como abertura comercial, finanças públicas em
ordem, taxa de câmbio estável, etc., existentes em países com ou sem Banco
Central independente, indicando espuriedade.
A décima-primeira razão para votar contra a Independência do Banco
Central é a Tropicalização Antropofágica Miscigenada. Ao longo da história
econômica brasileira se impuseram duas sabedorias. Primeira, “independentemente
dos homens e de suas intenções, sempre que o Banco Central se entrega à
austeridade financeira, os Bancos Públicos escancaram os cofres, com a
inevitabilidade quase de uma lei natural”. Segunda, “o comportamento dos Bancos
Públicos é, por definição, o desejado pelo Governo da Ocasião, seja ele
monetarista, seja desenvolvimentista, ou, quase sempre, apenas pragmático”. A
dosagem de suas operações é instrumento básico de política monetária. O
direcionamento setorial do crédito dá-lhe flexibilidade. Em outras palavras,
cada país tem suas próprias instituições ou costumes. Não são intercambiáveis,
pois são construções coletivas de cada povo.
A décima-segunda razão para votar contra a Independência do Banco
Central é o Anacronismo da Ideia. É uma atitude que não está de acordo com
nossa época de inflação estável. A experiência brasileira de estabilização
inflacionária demonstra que ter Banco Central independente não é nem condição
necessária nem suficiente, para combater a inflação. Para o sucesso dessa
política, há sim necessidade de adotar política macroeconômica abrangente e
coordenada, envolvendo política de abertura comercial, política fiscal,
política de rendas, política cambial e política de juros, em condições
internacionais propícias ao acúmulo de reservas internacionais e à
sobrevalorização da taxa de câmbio. A independência do Banco Central também não
consegue controlar a oferta de moeda endógena, ou seja, a remonetização
determinada pela nova demanda por moeda dos agentes econômicos nas condições de
estabilidade inflacionária. Sempre são as forças de mercado que efetivam a
oferta de moeda.
A décima-terceira razão para votar contra a independência do Banco
Central é a Dependência em Relação a O Mercado. O risco de sua autonomia
absoluta em relação ao governo é seus diretores tornarem-se dependentes de
apoio de O Mercado para a nomeação e, depois, contratação após a demissão ou a
aposentadoria.
*Fernando Nogueira da Costa é Professor Livre-Docente do IE-UNICAMP.
Autor do livro “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012). Confira o seu blog: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com
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