2 setembro 2014, Brasil de Fato http://www.brasildefato.com.br (Brasil)
As ruas pediram, Dilma tentou, mas são os movimentos
sociais que encampam a bandeira da uma mudança estrutural na política
brasileira
Por Bruno Pavan
A série de protestos que foram chamados de “Jornadas de
junho” em 2013 ainda é motivo para dezenas de análises. O que começou com um
questionamento do transporte público nas capitais, passou por uma
solidariedade às vítimas de violência policial e desaguou numa crise de
representatividade dos que estavam nas ruas contra os partidos políticos.
Abr “Jornadas de junho” em
2013
As placas de “não me representam” tomaram conta das ruas
por todo o Brasil chegando, inclusive, a fazer a presidenta Dilma Rousseff
chamar uma rede nacional para se posicionar e procurar dar resposta às ruas.
Em um dos cinco pontos levantados, a presidenta anunciou a convocação da
criação de um plebiscito popular para uma Constituinte exclusiva do sistema
político.
Resumindo, o governo faria uma consulta em que
questionaria a população de seu desejo de eleger um Congresso exclusivamente
para traçar um novo sistema político no Brasil. Horas depois, deputados,
ministros e até o vice-presidente da República jogavam água fria na ideia da
presidenta.
Acontece que a sociedade aproveitou o espaço aberto na
discussão para
botar seu bloco na rua. Cerca de 400 entidades entre
movimentos, organizações, partidos e sindicatos lançaram a campanha do
“Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva”, que está mobilizando todo o
país.
O Plebiscito pela Constituinte Exclusiva vai às ruas fazer
a coleta de votos em todo o Brasil na chamada “Semana da pátria”, a partir de
1º de setembro e termina dia 7, dia da Independência. As urnas coletarão os
votos com a resposta à pergunta: “Você é a favor de uma constituinte exclusiva
e soberana para o sistema político?”. Sem a pretensão de se tornar alguma lei
de fato, os 10 milhões de “sim” que a campanha pretende captar quer
pressionar o Congresso Nacional e os políticos para a vontade da população de
mudanças estruturais.
“Um Plebiscito Popular não tem valor legal, mas tem
força política. A atual Constituição diz que somente o Congresso Nacional, com
deputados e senadores, podem aprovar um Plebiscito Legal. Claro que jamais
farão isso sem pressão popular”, afirma o advogado Ricardo Gebrim, da Consulta
Popular. Segundo ele, a maioria dos parlamentares não quer acabar com as
regras privilegiadas que os elegeram.
Para Gebrim, os plebiscitos populares geram conquistas
também. “Em 2002, quando queriam que o Brasil assinasse um acordo horrível com
os Estados Unidos e o então presidente Fernando Henrique queria ceder o
Território de Alcântara no Maranhão para virar uma base militar
norte-americana, 10 milhões de brasileiros foram às urnas do Plebiscito Popular
e tiveram força social para mudar essas propostas”, explicou.
O cientista político e professor da USP Andre Singer vê
com bons olhos a iniciativa dos movimentos pautar a agenda da reforma política
no Brasil e considera importante a pressão da sociedade para que aconteçam
mudanças estruturais na democracia.
“Esse movimento é uma das novidades mais interessantes
desse último período no país, pois ele aponta na direção de uma transformação
necessária e positiva. A democracia está sempre em movimento, não é uma obra
acabada, ela pode sofrer pressões para ser colonizada pelo capital, mas também
pode ser reapropriada pela própria população. Acredito que o movimento vai
nessa segunda direção”, elogiou.
A falta de representatividade
O desinteresse na política é o que mais preocupa tanto
ativistas quanto cientistas políticos. O poeta e membro do coletivo Perifatividade
Ruivo Lopes alerta que a representatividade de sociedade civil na política
ainda é muito nebulosa e acaba afastando boas parcelas dos cidadãos, como a
juventude.
“A política nacional hoje não é atraente para a
juventude que não se vê representada por esse processo viciado. Ela está
pedindo protagonismo, mas sem a necessidade de assumir vínculos com a política
tradicional. Ela quer criar seus próprios processos políticos nas ruas,
coletivos e movimentos e a entrada em cena dessa juventude é urgente”, frisou.
O fenômeno do desinteresse na política, de acordo com
Andre Singer, não ocorre somente no Brasil. Ele considera também vital um
processo de democratização da democracia para que essa tendência se reverta.
“A sociedade tem que tentar se mexer para encontrar um
modelo que faça esse movimento de democratizar a democracia. No contrário, vai
acontecer aquilo que muitos estudiosos já observam em diversos países do mundo,
em que há um esvaziamento da democracia, uma percepção por parte dos eleitores
que a política não tem nada a ver com ele, é uma instância que funciona
descolada das aspirações da própria sociedade e com isso você acaba por
esvaziar o próprio sentido da democracia”, explicou.
O financiamento público de campanha
As campanhas no Brasil ficam mais caras a cada eleição.
Em 2014, de acordo com as informações cedidas pelas campanhas dos candidatos
ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os gastos podem chegar perto de R$ 1
bilhão somente no primeiro turno e ultrapassar essa marca no segundo.
Também segundo a primeira rodada de contas prestadas ao
TSE, somente três empresas: AMBEV, JBS e OAS doaram 65% de todo o dinheiro
para as campanhas presidenciais. A campanha de reeleição de Dilma Rousseff
declarou que toda a receita da primeira rodada foi oriunda de doações de
empresas.
Andre Singer critica o modelo atual de financiamento,
pois, na sua visão, ele desequilibra a democracia para o lado do dinheiro e
das grandes empresas. “Nessa realidade de eleições cada vez mais caras e sendo
sustentadas pelas empresas, você entra numa condição em que o capital tem
muita influência no processo democrático e o cidadão acaba tendo cada vez
menos”, analisou.
A proibição da doação de pessoas jurídicas para
campanhas eleitorais foi alvo de uma ADIN (Ação Direta Institucional) da Ordem
dos Advogados do Brasil, que está parada no Supremo Tribunal Federal. Dos 11
ministros da casa, seis já haviam se posicionado a favor da proibição quando
Gilmar Mendes pediu vistas do processo e ainda não o devolveu ao plenário.
O professor é a favor do financiamento exclusivamente de
pessoas físicas e de um limite de gastos baixo para as campanhas, excluindo
toda a “parafernália cinematográfica” e focando mais em programas simples
centrados nas propostas.
Dificuldades
Alguns analistas criticam a alternativa de proibição do
financiamento privado de campanha com o argumento de que ao invés de ajudar
nos controles das doações, possam piorar ainda mais o sistema.
Um exemplo seria que uma empresa ou organização pudesse
fazer pagamentos aos funcionários e integrantes para que sejam repassados às
campanhas.
Singer acredita que esse não é um argumento trivial, mas
analisa que a sociedade mobilizada poderá fazer o papel de fiscalizadora de
qualquer ilegalidade.
“Eu reconheço que mudar regras não é simples e que a
gente precisa ter uma postura cautelosa. Mas é preciso convir que a sociedade
tem que se mexer e tentar essas mudanças na direção daquilo que lhe interessa.
A maior garantia de que as novas regras poderão funcionar é se a sociedade
estiver mobilizada para fazer o papel de fiscalizadora”, explicou.
Desigualdade e representação política
O Brasil é o país com mais negros fora da África. As
mulheres já representam mais da metade da população brasileira e,
consequentemente, mais da metade dos votos. Porém, a representação dessas duas
parcelas da sociedade brasileira no Congresso Nacional está longe de ser a ideal.
A participação das mulheres na Câmara dos Deputados se
restringe a 45 dos 513 eleitos, ou 9% do total. No Senado, dos 81 senadores,
somente oito são mulheres (10%).
Em relação aos negros, a correlação é ainda pior. Somente
43 deputados e dois senadores se autodeclaram negros. Enquanto isso, 273 dos
parlamentares eleitos em 2010 se declararam empresários, 160 estão na bancada
ruralista e 66, na banca evangélica. A correção dessas injustiças é um ponto
central da Constituinte exclusiva.
“Cabe ao Estado brasileiro reconhecer a desigualdade de
condições sociais e de representação política entre brancos e não brancos e a
necessidade de mudanças no sistema político, criando a possibilidade de
alcançarmos a paridade entre negros e brancos e entre mulheres e homens, para
a efetivação de uma sociedade verdadeiramente democrática e cidadã”, afirmou
Flávio Jorge dirigente da SOWETO Organização Negra.
Maria Julia Monteiro, militante da Marcha Mundial das
Mulheres, destaca que somente com uma ampliação do processo democrático no
Brasil, com a criação de novos mecanismos populares de participação popular, é
possível fazer avançar o número de mulheres e negros em cargos políticos.
“Com a Constituinte conseguiremos discutir um novo
sistema político, que é essencial para aprofundarmos a democracia brasileira.
Faltam mecanismos de participação popular, possibilidade de fazer avançar
candidaturas populares aprofundar a participação das mulheres na política”,
afirma Maria Julia.
Segundo ela, historicamente “fomos relegadas ao espaço
privado, então há grandes empecilhos para a participação política das mulheres,
para nossa inserção no espaço público. Com a Constituinte, conseguiremos
pensar novas regras para o jogo da política, que possibilitarão uma
radicalização da democracia brasileira”, analisou.
Conservadorismo
Outro ponto que atinge em cheio os interesses das
mulheres e dos negros no processo político hoje em dia é o aumento do
conservadorismo na sociedade e, como reflexo, no Congresso Nacional. Temas
sensíveis como o da lei anti-homofobia, o direito ao aborto e as várias
tentativas de se diminuir a maioridade penal no Brasil.
Maria Julia vê com preocupação os avanços de que ela
chama de “direita antipopular” que vem avançando contra direitos das mulheres,
mas também se posiciona contra qualquer iniciativa que aumente a participação
popular na sociedade.
“Temos visto com preocupação um aumento desse
conservadorismo escancaradamente conservador, que é contra o direito da população
LGBT, da população negra, e das mulheres”, afirma.
Segundo ela, essa direita, extremamente antipopular, tem
aparecido mais e conseguido mais espaço na sociedade. Ele é contra qualquer
tipo de participação popular, qualquer tipo de direitos a mais que possam ser
conquistados pela população.
Para ambos, a mídia alimenta muito essa ascensão
conservadora por meio de programas religiosos e noticiários sensacionalistas
que “são incorporados pelo senso comum”, de acordo com Flavio Jorge. Maria
Julia explica a importância dos movimentos sociais serem o contraponto desse
processo, ganhando um tamanho maior no debate.
“Uma das principais tarefas dos movimentos organizados
hoje é estimular a organização do povo, estimular o debate político, o debate
crítico, para conseguir driblar a grande mídia, que joga lenha na fogueira
desse conservadorismo”, argumenta.
Para ela, é preciso realizar trabalho de base, organizar
o povo, porque se os movimentos populares não fizerem isso, quem o fará serão
os setores conservadores, pautando questões como a maior criminalização do
aborto e diminuição da maioridade penal.
Colaborou Joana Tavares
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