18 setembro 2014, Pátria Latina
http://www.patrialatina.com.br (Brasil)
Evitar dizer a verdade, contorná-la, ou simplesmente
silenciar sobre ela, é um princípio básico de sobrevivência da candidatura que
não é mais o que era.
Juarez Guimarães
Carta Maior
O primeiro alerta partiu do deputado federal
Jean Wyllys, do PSOL, em carta aberta dirigida à Marina Silva no dia 30 de
agosto: “Bastaram quatro tuites do pastor Malafaia para que, em apenas 24
horas, a candidata se esquecesse dos compromissos de ontem anunciados em um ato
público transmitido por televisão e desmentisse seu próprio programa de
governo, impresso em cores e divulgado pelas redes. É com essa autoridade de quem agiu de boa
fé, que agora digo: Marina, você não merece a confiança do povo brasileiro.
Você mentiu a todos nós e brincou com a esperança de milhões de pessoas”. A
explicação dada pela campanha de Marina foi totalmente inconvincente: teria
sido um erro de edição, de quem formatou o programa!
Agora, vem o juízo do respeitado colunista
Jânio de Freitas, documentando inverdades ditas várias vezes por Marina sobre
três questões importantes: o pré-sal, os transgênicos e a relação entre suas
opiniões políticas e religiosas. “Há uma lenda de que sou contra os
transgênicos. Mas isto não é verdade”, disse Marina em entrevista a William
Bonner e Patrícia Poeta. Jânio de Freitas registra que apenas uma pesquisa
entre os anos 1998 e 2002 revelou que Marina não só fez seis discursos contra
os transgênicos como apresentou
um projeto de lei proibindo-os inicialmente por
cinco anos. Argumentava com base “em cinco referências bíblicas”, “tendo em
vista o lado espiritual”.
Da mesma forma, Jânio documentou várias
declarações públicas recentíssimas da candidata contra o pré-sal. E, ao final
de seu breve juízo, afirmava que Marina parece confirmar a fórmula de que se
“deveria esquecer tudo o que antes havia dito”.
Agora, no dia 11 de setembro, vem a
repórter Letícia Fernandes, de O Globo, documentar que Marina mentiu na
sabatina feita pelo jornal. Marina afirmou que havia dado, quando era senadora,
um parecer contrário ao projeto do deputado Filipe Pereira (PSC-RJ) que exigia
“a obrigatoriedade da manutenção de exemplares da Bíblia Sagrada nos acervos
das bibliotecas públicas “. “Me deram um relatório de um projeto que obrigava a
colocar bíblias em todas as bibliotecas. Eu dei parecer contrário”, afirmou a O
Globo. A pesquisa da repórter comprovou que Marina não deu o parecer contrário.
Não é razoável também pedir a alguém que
acredite, como Marina repetiu várias vezes, que a sua relação com uma das
principais herdeiras do Banco Itau, que coordenou o seu programa de governo e
que a teria convencido da necessidade de defender a autonomia do Banco Central,
seja por afinidades eletivas apenas como educadoras. Essa relação
desinteressada tornou-se completamente inverossímil depois que se revelou que a
amiga bancou 83 % das verbas, um milhão de reais, em 2013 do Instituto que
Marina dirige e que lhe garante a sobrevivência.
Aliás, Marina não parece ter dito a verdade
quando respondeu aos repórteres que não podia revelar os clientes nem quanto
lhe pagaram por proferir palestras nos últimos anos porque estes clientes lhe
exigiam cláusulas de confidencialidade. Uma pesquisa feita pelo jornal O Estado
de São Paulo revelou quem eram estes clientes: grandes bancos, empresas e
seguradoras como o Santander, o Banco Crédit Suisse, a multinacional Unilever,
a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização,
faculdades neoliberais. E, ao contrário do que Marina afirmou, confidenciou ao
repórter um banqueiro: quem pedia cláusula de confidencialidade era a própria
Marina!
O antigo tesoureiro da campanha do PSB,
Márcio França, candidato a vice-governador na chapa de Alckmin, não parece ser
também um representante da “nova política”. Ele certamente não disse a verdade
quando declarou à imprensa que os documentos do avião em que viajava Eduardo
Campos e seus companheiros não podiam ser apresentados porque estavam dentro
dele e teriam sido provavelmente destruídos na queda. Como se documentou
fartamente depois, na verdade, o avião havia sido comprado com notas frias e
laranjas por empresas fraudulentas.
E muito menos o novo tesoureiro da campanha
de Marina, agora diretamente indicado por ela, Álvaro de Souza, parece indicar
novos rumos na política. Ele é ex-presidente do...City Bank no Brasil! Haja
“nova política”!
Marina parece querer ocultar a verdade de
seus eleitores quando declarou que não subirá aos palanques nem de Alckmin em
São Paulo nem de Lindhenberg no Rio.É uma forma de não querer misturar sua
imagem à “velha política” e mostrar eqüidistância em relação ao PT e ao PSDB.
Mas ela combinou, então, com o deputado Beto Albuquerque, seu vice, para ir ao
primeiro programa de TV Alckmin no horário eleitoral gratuito manifestar o seu
apoio ao governador do PSDB? Ou ele agiu contra a sua opinião no principal
colégio eleitoral do país? Aliás, Marina sabe, já que foi inclusive noticiado
na imprensa, que este deputado federal pelo PSB do Rio Grande do Sul teve a sua
candidatura financiada pela empresa Monsanto, principal interessada na
aprovação dos transgênicos, e até por fabricantes de armas! É ele, então, um
representante da “nova política”?
Marina não diz a verdade nem quando acusa o
PT, partido no qual se formou e militou durante 27 anos: Paulo Roberto teria
sido indicado pelo PT “para assaltar os cofres da Petrobrás’. Ora, este
indivíduo ocupou cargo de direção na Petrobrás desde 1995, durante o primeiro
governo FHC, e foi demitido no dia 19 de abril de 2012 por Graça Foster,
indicado por Dilma para a presidência da Petrobrás.
O que não pode mais ser escondido
Ricardo Noblat, certamente um dos
jornalistas com informações mais confiáveis sobre o que se passa na cúpula do
PSDB, noticiou que a firme opinião de Fernando Henrique Cardoso era de que
Aécio não deveria criticar Marina, deveria, ao contrário, renunciar à sua
candidatura à presidência e apoiar já Marina no primeiro turno. Aécio resistiria
a esta decisão por ter esperanças de ainda poder salvar de uma derrota
arrasadora o candidato do PSDB ao governo. Ora, como se documentou fartamente
em artigo publicado em Carta Maior, “A “nova’ Marina é criatura de FHC”, o
paradigma de programa, os economistas mandatados, a nova direção política de
sua campanha, os financiadores e tesoureiros, seus argumentos e sua linguagem
estão diretamente inseridas no campo político e intelectual organizado por FHC.
Mas Marina não pode reconhecer esta ligação tão orgânica porque viria abaixo a
sua identidade de ser a protagonista de uma “nova política” que visa superar a
polarização PSDB e PT. Daí que esta relação íntima tenha de ser permanentemente
escondida ou negada aos eleitores.
Mas uma contradição ainda mais explosiva
tem de ser o tempo todo administrada por Marina. De um lado, ela afirma
compromissos em aumentar os recursos do governo federal para a educação, para a
saúde, para o Minha Casa Minha Vida, para o Bolsa Família, o valor do
salário-mínimo, o emprego etc. Do outro, cada vez que falam os economistas
mandatados por ela, Eduardo Gianetti e André Lara Resende, dois economistas
neoliberais cujo radicalismo cheira à barbárie, é o inverso o que dizem. É como
se Marina dissesse ao mesmo tempo: “odeio futebol mas não perco um jogo do
Flamengo!”. Ou melhor: meu compromisso é com os pobres ..mas só gostar de andar
atualmente com grandes banqueiros!.
Marina leu o que disse Eduardo Gianetti na
entrevista publicada na capa do jornal Valor Econômico, de 6 de setembro,
quando este afirmou com todas as letras “que os compromissos na área social
assumidas pela candidata do PSB serão cumpridos à medida que as condições
fiscais permitirem ? ” E que “ esses compromissos se distribuem no tempo. É um
erro grave imaginar que o que está colocado no programa vá se materializar no
primeiro orçamento”?
Marina ouviu a palestra pública proferida
por André Lara Resende que uma “boa economia não pode ser feita com bons
sentimentos” e que, ao invés de se ajudar os pobres do Nordeste, é preferível
investir na educação? Será que ela leu que em seu programa está escrito que a
legislação trabalhista que protege os direitos dos trabalhadores brasileiros
deve ser superada ou contornada, como estão denunciando os principais
representantes da tradição jurídica do Direito do Trabalho no Brasil?
De novo: Marina não pode fugir da
contradição porque ela é, a sua própria candidatura, a contradição. Tem que
documentar que ela é confiável e, como se diz em linguagem neoliberal, “amiga
do mercado financeiro”, mas, ao mesmo tempo, tem de cultivar a adesão dos que
querem direitos sociais mais universalistas e de melhor qualidade. Isto é, está
impedida de dizer a verdade.
Violência e ilusão
A violência, todo o sentido
anti-democrático e anti-popular, da principal proposta de Marina Silva para a
economia – a chamada “autonomia” do Banco Central – é revelada quando se
documenta que o Brasil já teve um Banco Central autônomo. Este era um sonho
antigo dos econômistas liberais ortodoxos brasileiros como Eugênio Gudim,
Octávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos desde os anos quarenta do século
passado, que travaram desde sempre uma luta de vida ou morte contra Celso
Furtado e as tradições desenvolvimentistas brasileiras.
Eles conseguiram realizar este sonho exatamente
com o golpe militar de 1964: a reforma bancária logo anunciada pelos golpistas
transformava a antiga Superintendência da Moeda e do Crédito ( Sumoc) em Banco
Central e concedia autonomia para as autoridades monetárias. A diretoria do
Banco central era composta por quatro membros, escolhidos dentre seis membros
do Conselho Monetário Nacional, com mandatos fixos de seis anos.
Denio Nogueira, o primeiro presidente do
Banco Central, era consultor do Sindicato dos Bancos do Rio de Janeiro e da
ALALC ( Associação Latino Americana para Livre Comércio) e desde os primeiros
anos da década de sessenta passou a fazer parte do IBAD ( Instituto Brasileiro
de Ação Democrática) e do IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais).
Enquanto o IPES era o órgão que disseminava propaganda para justificar o golpe
militar, o IBAD era encarregado de manipular os recursos para financiar e
corromper candidatos comprometidos com o golpe na democracia. Depois de
cumprido o seu mandato interrompido pelos generais -- promoveu uma forte
desvalorização cambial, que lhe provocou forte desgaste, tendo sido chamado
junto com Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões de “trindade maldita” --
Denio Nogueira foi representante no Brasil do grupo Rotschild and Sons,
indicado por Eugênio Gudin, mostrando que desde o início houve forte intimidade
entre diretores do BC e os grandes grupos financeiros internacionais.
É claro, a candidata Marina nada sabe
disso. Faz parte do ator político transformista devorar o passado, inclusive o
próprio, e inscrever-se em um tempo messiânico que promete o novo. Isto é para
ele uma necessidade já que não pode explicar a razão de sua mudança, as
rupturas que teve que fazer e os novos compromissos que teve de assumir.
Toda a violência da ação transformista de
Marina está inscrita nesta passagem da política de opiniões fundamentalistas
sobre temas da moral – por definição, o fundamentalista é aquele que defende
verdades para além dos séculos e das circunstâncias - para a política
pragmática, que, por definição, é aquela que ajusta a sua política à
necessidade de vencer a todo custo.
Uma política carismática deve oferecer ao
seu público as provas de sua autenticidade. Se a autenticidade lhe é
desmentida, o carisma vem abaixo. Mas a verdade – uma relação clara e nítida
com os seus eleitores – é, como procuramos demonstrar, o que Marina não pode
mais representar.
Na política, assim como na vida, há
momentos em que é preciso defender as pessoas que já amamos e cujo passado
admiramos do que elas vieram a ser e fazer contra a dignidade da sua própria
memória. Se Marina hoje não nos pode dizer a verdade, é preciso – é
absolutamente necessário – que sejamos capazes, democraticamente e de modo
sereno, dizer a verdade à Marina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário