7 setembro 2014,
Redecastorphoto http://redecastorphoto.blogspot.com (Brasil)
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
Esqueçam a alegada “agressão” da
Rússia, com ocupação na Ucrânia. O verdadeiro problema para os EUA é Vladimir
Putin. Mais precisamente: o verdadeiro problema é uma Rússia forte e
independente sob a presidência de Putin, uma Rússia que defende os próprios
direitos nacionais, respeito à lei internacional e que não dá sinais de
disposição para ceder aos interesses hegemonistas autistas dos EUA, como, por
exemplo, defender o decadente-fracassante dólar norte-americano.
Com a aliança OTAN/EUA reunida esta
semana em Gales, é óbvio que Washington e seus vassalos europeus
dão tratos à
bola para encontrar novo objetivo para uma organização criada há 65 anos,
durante a Guerra Fria. A reunião de cúpula na cidade galesa de Newport está
sendo vendida como “a mais importante reunião da OTAN desde o fim da Guerra
Fria” – e por que tudo isso?! – há mais de vinte anos.
O presidente Barack Obama dos EUA lá
está, além de 60 líderes mundiais , aí contados os dos 28 estados-membros da
OTAN. Escândalo dos escândalos e vergonha para o “ocidente”, a coisa ali
fervilha com uma retórica super inflada de “defender a Europa contra agressão
russa”. O secretário-geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen teve a petulância de
“declarar”, na abertura da conferência, que “a Rússia está atacando a Ucrânia”.
Assim sendo, continuamos a conclamar
a Rússia para que recolha suas tropas de volta para dentro das fronteiras
russas e ponha fim ao fluxo de armas e soldados para dentro da Ucrânia – disse deslavadamente Rasmussen, sem nem um fragmento de
prova a oferecer.
Um dia antes da abertura da reunião
da OTAN, falando ainda da Estônia, o presidente Barack Obama usou a mesma
retórica de provocação, acusando a Rússia de agredir a Ucrânia e de violar a
lei internacional. O presidente dos EUA não economizou retórica e calúnias, sem qualquer prova,
sobre
(...) separatistas na
Ucrânia, pagos pela Rússia, armados pela Rússia, treinados pela Rússia,
apoiados pela Rússia e com frequência comandados pela Rússia.
Como disse o enviado da Rússia à
OTAN, Alexandr Grushko, dessas acusações que vários líderes ocidentais vêm
vociferando, “não são fatos, são invenções”. Grushko disse que a OTAN estava
escalando as tensões com a Rússia sem qualquer prova de conduta indevida.
(FOTO:Não houve aumento de tropas
nem movimento de armamento militar – disse
ele.)
É quase inacreditável que todo o
furor militarista insuflado em torno da conferência da OTAN, e as declarações
bombásticas de segurança coletiva com votos e brados de proteger “nossos
membros no Leste da Europa” esteja sendo invocado absolutamente sem qualquer
tipo de prova confiável, como imagens de satélite, por exemplo, de tropas
russas e movimento de tanques, lançamento de mísseis ou incursões aéreas em
território da Ucrânia. É fazer política à base de fantasias e preconceitos.
Isso não implica dizer que não haja
aí, em jogo, preocupações muito reais. Com certeza, há. Mas as potências
ocidentais e seu aparelho de imprensa-empresa estão tomados de total furor de
propaganda, decididos a esconder aquelas preocupações, elas, sim, bem reais.
O que Obama e outras altas figuras
dos EUA têm repetido enfaticamente ao longo dos últimos seis meses é a
necessidade de os países membros da OTAN “comparecerem no que lhes cabe”, em
termos de financiar a OTAN.
Durante quase todos os 65 anos da
OTAN, os EUA foram os principais mantenedores e, de longe, o membro mais
importante. Há boas razões para essa prodigalidade histórica dos EUA. A OTAN
sempre foi veículo mediante o qual os EUA exerceram presença militar, política
e econômica dominante sobre a Europa. Sem a OTAN, Washington veria
consideravelmente reduzida a sua influência sobre seus “aliados” europeus. De
modo especial, Washington veria aumentar uma tendência histórica óbvia de
aproximação política e econômica entre a Europa e a Rússia, se não houvesse as
garras da “aliança” cravadas no continente.
É significativo que ao longo das
duas últimas décadas, desde o fim da Guerra Fria – e, claro, desde que a OTAN
deixou de ter objetivo e razão de ser – o financiamento europeu para a
organização tenha caído, de mais de 30%, para quase 20%. Em outras palavras,
isso sugere que os estados europeus estão perdendo o interesse que a OTAN lhes
inspirava no pós-Guerra-Fria, quando ainda acreditavam que pudesse ter alguma
serventia.
Tudo sugere também, hoje,
correspondentemente, que Washington está decidida a fazer reviver a
“importância” da OTAN falando sem parar sobre alguma “ameaça” que a Rússia
representaria à segurança europeia. OTAN ressuscitada significa presença
ressuscitada dos EUA na Europa, o que é essencial para manter a hegemonia dos
EUA sobre o planeta.
Só assim se vê algum sentido real na
ação, visivelmente comandada pelos EUA, de fazer aumentar sempre as tensões com
a Rússia – usando como pretexto, a Ucrânia. A ação dos EUA gerou um cisma
sempre crescente entre Moscou e a Europa, onde até bem pouco tempo havia
relações diplomáticas cordiais baseadas em substanciais parcerias econômicas e
comerciais.
Claro que o trabalho político de
Washington encontrou cúmplices europeus para empurrar o mundo em direção à
guerra e fazer aumentar as tensões. O governo britânico obrou como lacaio
dedicado a serviço da agenda de guerra dos EUA, como a Junta de Kiev liderada
por Arseniy Yatseniuk e, também, os governos pró EUA na Polônia e nos estados
bálticos.
É essa agenda oculta, da hegemonia
geopolítica dos EUA – não alguma inexistente agressão russa – que se viu bem
clara essa semana, na fala de Barack Obama ao lado do presidente Toomas Hendrik Ilves.
Quando os dois foram perguntados sobre o que pensam sobre o que dispõe o Ato de
Criação da OTAN, de 1997, assinado entre OTAN e Rússia, disseram que o
compromisso assumido naquele momento, de que a “aliança” não avançaria na
direção das fronteiras russas, já não se aplica(ria) hoje, porque “a paisagem
mudou”.
O presidente da Estônia, que estudou
nos EUA, disse:
Aquele era o ambiente de segurança
de 1997, quando Boris Ieltsin era presidente da Rússia e não havia violações,
nem da Carta da ONU nem Acordo de Helsinki de 1975 ou da Carta de Paris de
1990.
Deve-se observar que Ilves só faz
repetir assertivas sem nenhuma prova ou reconhecimento legal de que a Rússia
tivesse algum dia violado a Carta da ONU ou qualquer tratado. O que o homem faz
é repor em cena o personagem Boris Ieltsin. Ieltsin “interessava” a
norte-americanos e europeus porque era presidente fraco, servil, que deu rédea
solta ao capital ocidental para que avançasse como bem entendesse sobre o
território da Rússia, imediatamente depois do colapso da URSS. O tempo de
Ielstin também foi tempo de corrupção rampante pelos oligarcas russos, todos
intimamente associados ao capital ocidental. Essa cultura corrosiva teve fim
com a eleição de Vladimir Putin duas vezes como presidente, entre 2000-2008, e
novamente em 2012.
Na sua fala, Obama repetiu que
“muita coisa mudou” desde o Tratado OTAN-Rússia de Fundação da OTAN de 1997,
que o teria tornado inaplicável. Mas – mentiroso que muito fala sempre acaba
dizendo o que não lhe interessava dizer – Obama revelou também parte importante
de suas preocupações “de base”:
Já disse várias vezes que
preferiríamos sempre uma Rússia forte, produtiva e cooperativa. Mas o caminho
para tudo isso é respeitar normas internacionais, melhorar a economia, focar em
como eles podem produzir bens e serviços de que outros carecem, e dar
oportunidades ao próprio povo e educar a própria população. Infelizmente, não é
a via que eles [os russos]vêm seguindo nos
últimos vários anos. Não é, com certeza, se se considera a estratégia deles [dos
russos] na Ucrânia.
Quer dizer... Obama, melhor dizendo,
Washington, não está preocupada com a Ucrânia ou alguma suposta “agressão
russa”, mas com questões de “produção econômica e cooperação” – e quem diz
“cooperação” está falando, aí, de cooperação com o capital ocidental. Além de
não estar ‘cooperando”, o governo russo já não “coopera” nos “últimos vários
anos”! É o mesmo que dizer que o problema é que o governo do presidente Putin
não “coopera” com o capital ocidental... Tudo isso começou antes da atual crise
na Ucrânia.
Essas são as preocupações reais que
subjazem ao que os EUA estão fazendo, e já transpareciam claramente em coluna
publicada em março no New York
Times assinada por Michael
McFaul, ex-embaixador dos EUA em Moscou.
Depois de protestos contra a
“anexação” [na verdade, tratou-se de reintegração à Federação Russa, decidida
por referendo] da Crimeia, McFaul escreve:
A decisão do presidente Vladimir
Putin da Rússia de anexar a Crimeia pôs fim à era do pós-Guerra Fria na Europa.
Desde o final dos anos Gorbachev-Reagan, a era definida por ziguezagues de
cooperação e disputas entre Rússia e o ocidente, mas sempre preservando a ideia
subjacente de que a Rússia ia-se integrando aos poucos à ordem internacional.
Agora, isso acabou.
O ex-embaixador prossegue e lamenta
que
(...) o colapso da ordem
soviética não tenha levado a uma transição suave para a democracia e aos
mercados, dentro da Rússia, nem à integração da Rússia ao ocidente.
Em outras palavras: é uma pena que a
Rússia não tenha saído do mundo soviético e cuidado de fazer uma transição
suave em alguma direção que satisfizesse os interesses do capital
norte-americano...
McFaul atribui a culpa por essa
falta de “integração da Rússia ao ocidente” ao presidente Putin, acusado de ser
“um autocrata” e de querer voltar aos dias da velha União Soviética. O ataque
de McFaul contra Putin é tolice, um amontoado de bobagens. Mas útil, porque
deixa ver com clareza que o que atormenta mais agudamente Washington é que os
EUA veem que a Rússia de Putin não age como estado-vassalo, como a Rússia dos
tempos de Ieltsin, de quando foi assinado o Ato de Fundação entre OTAN e
Rússia.
Por isso, exatamente, é que
Washington quer agora rasgar o documento assinado em 1997, e empurrar a OTAN
para bem junto das fronteiras russas.
McFaul conclui sua coluna no NY Times exigindo que Putin seja “isolado” e
que se apliquem sanções punitivas contra a Rússia – política que Obama
aplicaria com violenta determinação nos meses seguintes.
Há aí mais que simples coincidência:
o governo dos EUA escalou na agressão contra a Rússia a partir do momento em
que o presidente Putin passou a expor ao mundo as muitas alianças de comércio e
desenvolvimento regional que está construindo com países eurasianos, o Irã, a
China, outros países BRICS e nações da América Latina. O movimento declarado de
Putin, de substituir o dólar norte-americano por moedas bilaterais para as
transações do comércio de energia, também o marcaram como ameaça viva contra os
interesses hegemonistas dos EUA. E a Rússia de Putin também se posicionou ao
lado de seu aliado árabe sírio ao longo de até agora três anos de guerra –
resultado da agenda criminosa de EUA-OTAN que tentam “mudar o regime” naquele
país.
Esse é o contexto dos motivos pelos
quais tenta envolver a OTAN na “crise na Ucrânia”. Não é questão de alguma
“agressão” russa. É questão de Putin ser líder mundial independente que não se
curva ao diktat imperial dos EUA.
*Finian Cunningham nasceu em Belfast, Irlanda do
Norte, em 1963. Especialista em política internacional. Autor de artigos para
várias publicações e comentarista de mídia. Recentemente foi expulso do Bahrain
(em 6/2011) por seu jornalismo crítico no qual destacou as violações dos
direitos humanos por parte do regime barahini apoiado pelo Ocidente. É
pós-graduado com mestrado em Química Agrícola e trabalhou como editor
científico da Royal Society of Chemistry, Cambridge, Inglaterra,
antes de seguir carreira no jornalismo. Também é músico e compositor. Por
muitos anos, trabalhou como editor e articulista nos meios de comunicação
tradicionais, incluindo os jornais Irish Times e The
Independent. Atualmente está baseado na África Oriental, onde escreve um
livro sobre o Bahrain e a Primavera Árabe.
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