26 setembro
2014, Vermelhohttp://www.vermelho.org.br (Brasil)
A resposta de Dilma às ruas leva-nos a compreender o
significado simbólico da sua trajetória de vida. Assim como Lula e Marina,
Dilma formou-se no contato direto da experiência modernizante-conservadora da
ditadura militar. Mas nasceu politicamente não nas greves, mas na tortura de um
Estado de exceção criado para garantir privilégios, contra o projeto de uma
democracia popular.
Por André Calixtre*, publicado no
Brasil Debate
O sentimento genuíno e concreto de ausência na
política atual, que emergiu em termos nacionais durante as manifestações de
junho de 2013, resultou em dois processos antagônicos de mudança no País: a
retomada do projeto de Democracia Popular, centrada nas reformas de base, em
especial a Reforma Política; e a retomada do Salvacionismo, força política
tradicionalmente conservadora que, empenhando abstrações como a unidade
nacional e o governo das pessoas boas, valem-se da leveza ufanista para negar
conflitos graves existentes no interior da sociedade brasileira.
Diante dessa clivagem entre projetos, é inevitável perceber como a candidatura de Dilma Rousseff tende a se aproximar mais das reformas de base enquanto a candidatura de Marina Silva vai adotando uma plataforma essencialmente
moralista.Diante dessa clivagem entre projetos, é inevitável perceber como a candidatura de Dilma Rousseff tende a se aproximar mais das reformas de base enquanto a candidatura de Marina Silva vai adotando uma plataforma essencialmente
Mesmo reconhecendo que determinados pontos explícitos no programa desta última sejam superiores em formulação quando comparada às propostas do campo dilmista, é fundamental compreender que o grau de conflito interno provocado entre as forças concentradoras da riqueza e a atuação política de Dilma é da mesma natureza do conflito de todo o ciclo político do “lulismo”.
Porém em maior intensidade, cuja polarização recente revela como a possibilidade de superação do modelo de desenvolvimento atual para uma “democracia de maior intensidade” está nas mãos de Dilma e não de Marina.
Marina teria de vencer novamente todos os “pedágios” dos donos do poder para consolidar-se como força política, mantendo vetores progressistas ao longo do tempo.
Fazer isso sem o mínimo de uma estrutura partidária sólida, seja na nova ou na velha política, é muito menos provável, ainda mais com o sentimento errático de Marina em relação às bandeiras históricas defendidas pela esquerda para a transformação definitiva do Brasil.
No entanto, desde pronto as intensões progressistas do programa de governo de Marina já foram checadas pelo grande capital, já está capitulado.
Lula e Dilma já enfrentaram muitos pedágios – e
perderam outros –, mas, após as manifestações de 2013, a presidenta reagiu às
demandas nas ruas com algo além de vagas promessas.
Pressionando a aprovação de projetos que estavam em tramitação no Congresso Nacional ou agindo com as atribuições do Executivo, Dilma recebeu os movimentos sociais e construiu uma agenda de longo prazo, com um conteúdo altamente democrático e progressista para nossos padrões atuais, centrado nos seguintes pontos:
-- Estatuto da Juventude, criando um marco estruturante na inclusão dos jovens numa sociedade em que eles já se configuram como o grupo mais representativo;
-- Marco Civil da Internet, garantindo direitos permanentes ao caráter cidadão da Internet, protegendo o usuário dos grandes interesses econômicos;
-- Lei dos Royalties do Pré-sal para Educação e Saúde criou um fundo estratégico de financiamento de patamares superiores políticas públicas nas áreas de educação e saúde;
-- Plano Nacional de Educação, viabilizado pela lei do Pré-sal, garantirá níveis adequados de financiamento (10% do PIB);
-- Política Nacional de Participação Social, que inovou ao reconhecer formas de participação com redes digitais e que, junto com o Marco Civil da Internet e a expansão do acesso à banda larga, transformará o Brasil no primeiro grande celeiro para a hiperdemocracia;
-- Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, que criou novo patamar de relação entre o Estado e a Sociedade, garantindo estruturas de controle dos recursos públicos e ampliando a capilaridade das políticas públicas por meio das organizações sociais;
-- Programa Mais Médicos, que mudou em pouco tempo o paradigma de atuação do sistema público de saúde, ampliando o atendimento para milhões de pessoas;
-- O fortalecimento de obras de mobilidade urbana no PAC2, dialogando com o motivo primário que levou os jovens às ruas em 2013;
-- E o apoio à Reforma Política, a mãe de todas as reformas de base, cuja proposta enviada ao Congresso Nacional, no entanto, foi derrotada pelas forças conservadoras. Hoje, a saída é o plebiscito para uma Constituinte exclusivamente eleita para encaminhar essa grande demanda das manifestações de junho de 2013.
A resposta de Dilma às ruas leva-nos a compreender o significado simbólico da sua trajetória de vida. Assim como Lula e Marina, Dilma formou-se no contato direto da experiência modernizante-conservadora da ditadura militar, no entanto, as contradições criaram trajetórias muito distintas.
Lula, como dito antes, é o conflito da modernização com a pobreza, emerge dos povos retirantes para o centro da industrialização brasileira como um líder nato, de incomum capacidade de intuição e decisão política.
Marina é o conflito da modernização com a tradição, cuja resultante está no sentido da civilização ocidental, questionando fundamentos basilares das sociedades urbano-industriais, como é o caso da própria política.
E Dilma? É o conflito da violência conservadora contra a utopia social. Dilma nasceu politicamente não nas greves, nem nos “empates”, nasceu na tortura de um Estado de exceção criado para garantir privilégios dos donos do poder, contra o projeto de uma democracia efetivamente popular.
Essa referência simbólica demonstra as reais possibilidades de que o campo político de Dilma possui vida própria no sentimento nacional, está conectado com a história do Brasil, e não se trata apenas um prolongamento do “lulismo”.
Se Marina tivesse sido capaz de manter sua dimensão simbólica sem aderir às teses neoliberais que operarão invariavelmente para destituir a “Nova Política” de tudo o que poderia ser novo, o debate com Dilma ganharia uma polarização simbólica extraordinária entre projetos.
Mas a capitulação de Marina reforçou as forças transformadoras do projeto dilmista, desenhado concretamente na reação propositiva às manifestações de junho.
A “Nova Política” está fora de lugar, encontra-se na dureza simbólica de Dilma, que antes enfrentou com sonhos o fascismo e agora quer reconduzir a Democracia Popular para o centro da dinâmica social brasileira.
*André Calixtre é mestre em Economia Social do Trabalho e doutorando em História Econômica, ambos pelo programa de Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Unicamp.
Pressionando a aprovação de projetos que estavam em tramitação no Congresso Nacional ou agindo com as atribuições do Executivo, Dilma recebeu os movimentos sociais e construiu uma agenda de longo prazo, com um conteúdo altamente democrático e progressista para nossos padrões atuais, centrado nos seguintes pontos:
-- Estatuto da Juventude, criando um marco estruturante na inclusão dos jovens numa sociedade em que eles já se configuram como o grupo mais representativo;
-- Marco Civil da Internet, garantindo direitos permanentes ao caráter cidadão da Internet, protegendo o usuário dos grandes interesses econômicos;
-- Lei dos Royalties do Pré-sal para Educação e Saúde criou um fundo estratégico de financiamento de patamares superiores políticas públicas nas áreas de educação e saúde;
-- Plano Nacional de Educação, viabilizado pela lei do Pré-sal, garantirá níveis adequados de financiamento (10% do PIB);
-- Política Nacional de Participação Social, que inovou ao reconhecer formas de participação com redes digitais e que, junto com o Marco Civil da Internet e a expansão do acesso à banda larga, transformará o Brasil no primeiro grande celeiro para a hiperdemocracia;
-- Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, que criou novo patamar de relação entre o Estado e a Sociedade, garantindo estruturas de controle dos recursos públicos e ampliando a capilaridade das políticas públicas por meio das organizações sociais;
-- Programa Mais Médicos, que mudou em pouco tempo o paradigma de atuação do sistema público de saúde, ampliando o atendimento para milhões de pessoas;
-- O fortalecimento de obras de mobilidade urbana no PAC2, dialogando com o motivo primário que levou os jovens às ruas em 2013;
-- E o apoio à Reforma Política, a mãe de todas as reformas de base, cuja proposta enviada ao Congresso Nacional, no entanto, foi derrotada pelas forças conservadoras. Hoje, a saída é o plebiscito para uma Constituinte exclusivamente eleita para encaminhar essa grande demanda das manifestações de junho de 2013.
A resposta de Dilma às ruas leva-nos a compreender o significado simbólico da sua trajetória de vida. Assim como Lula e Marina, Dilma formou-se no contato direto da experiência modernizante-conservadora da ditadura militar, no entanto, as contradições criaram trajetórias muito distintas.
Lula, como dito antes, é o conflito da modernização com a pobreza, emerge dos povos retirantes para o centro da industrialização brasileira como um líder nato, de incomum capacidade de intuição e decisão política.
Marina é o conflito da modernização com a tradição, cuja resultante está no sentido da civilização ocidental, questionando fundamentos basilares das sociedades urbano-industriais, como é o caso da própria política.
E Dilma? É o conflito da violência conservadora contra a utopia social. Dilma nasceu politicamente não nas greves, nem nos “empates”, nasceu na tortura de um Estado de exceção criado para garantir privilégios dos donos do poder, contra o projeto de uma democracia efetivamente popular.
Essa referência simbólica demonstra as reais possibilidades de que o campo político de Dilma possui vida própria no sentimento nacional, está conectado com a história do Brasil, e não se trata apenas um prolongamento do “lulismo”.
Se Marina tivesse sido capaz de manter sua dimensão simbólica sem aderir às teses neoliberais que operarão invariavelmente para destituir a “Nova Política” de tudo o que poderia ser novo, o debate com Dilma ganharia uma polarização simbólica extraordinária entre projetos.
Mas a capitulação de Marina reforçou as forças transformadoras do projeto dilmista, desenhado concretamente na reação propositiva às manifestações de junho.
A “Nova Política” está fora de lugar, encontra-se na dureza simbólica de Dilma, que antes enfrentou com sonhos o fascismo e agora quer reconduzir a Democracia Popular para o centro da dinâmica social brasileira.
*André Calixtre é mestre em Economia Social do Trabalho e doutorando em História Econômica, ambos pelo programa de Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Unicamp.
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