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novembro 2013, Partido dos Trabalhadores
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Por
Tarso Genro*
Genoíno foi torturado na ditadura e seus torturadores seguem impunes, abrigados por decisões deste mesmo tribunal que condena sem provas militantes do PT
Ernst Bloch, na sua crítica aos
princípios do Direito Natural sem fundamentação histórica, defendeu que não é
sustentável que o homem seja considerado, por nascimento, “livre e
igual”, pois não há “direitos inatos, e sim que todos são adquiridos em
luta”. Esta categorização, “direitos adquiridos em luta”, é fundamental
para compreender as ordens políticas vigentes como Estado de Direito, que
proclamam um elenco de princípios contraditórios, que ora expressam com maior
vigor as conquistas dos que se consideram oprimidos e explorados no sistema de
poder que está sendo impugnado, ora expressam resistências dos privilegiados,
que fruem o poder real: os donos do dinheiro e do poder.
Esta dupla possibilidade de uma
ordem política, inscrita em todas as constituições, mais ou menos democráticas,
às vezes revela-se mais intensamente no contencioso político, às vezes ela bate
à porta dos Tribunais. A disputa sobre o modelo de desenvolvimento do país, por
exemplo, embora em alguns momentos tenha sido judicializada, deu-se até agora,
predominantemente, pela via política, na qual o PT e seus aliados de esquerda e
do centro político foram vitoriosos, embora com alianças pragmáticas e por
vezes tortuosas para ter governabilidade.
Já a disputa sobre a interpretação
das normas jurídicas que regem a anistia em nosso país e a disputa sobre as
heranças dos dois governos do presidente Lula tem sido,
predominantemente, judicializadas. São levadas, portanto, para uma
instância na qual a direita política, os privilegiados, os conservadores em geral
(que tentaram sempre fulminar o Prouni, o Bolsa Família, as políticas de
valorização do salário mínimo, as políticas de discriminação positiva, e outras
políticas progressistas), tem maior possibilidade de influenciar.
Quando falo aqui em “influência”
não estou me referindo a incidência que as forças conservadoras ou reacionárias
podem ter sobre a integridade moral do Poder Judiciário ou mesmo sobre a sua
honestidade intelectual. Refiro-me ao flanco em que aquelas forças - em
determinados assuntos ou em determinadas circunstâncias- podem exercer
com maior sucesso a sua hegemonia, sem desconstituir a ordem jurídica formal,
mantendo
mínimos padrões de legitimidade.
O chamado processo do “mensalão”
obedeceu minimamente aos ritos formais do Estado de Direito, com atropelos
passíveis de serem cometido sem maiores danos à defesa, para chegar a final
previamente determinado, exigido pela grande mídia, contingenciado por ela e
expressando plenamente o que as forças mais elitistas e conservadoras do país
pretendiam do processo: derrotados na política, hoje com três mandatos
progressistas nas costas, levaram a disputa ao Poder Judiciário para uma
gloriosa “revanche”: ali, a direita derrotada poderia fundir (e fundiu) uma
ilusória vitória através do Direito, para tentar preparar-se para uma vitória
no terreno da política. As prisões de Genoíno e José Dirceu foram celebradas
freneticamente pela grande imprensa.
Sustento que os vícios formais do
processo, que foram corretamente apontados pelos advogados de defesa - falo dos
réus José Genoíno e José Dirceu - foram totalmente secundários para as suas
condenações. Estas, já estavam deliberadas antes de qualquer prova, pela grande
mídia e pelas forças conservadoras e reacionárias que lhe são tributárias, cuja
pressão sobre a Suprema Corte - com o acolhimento ideológico de alguns dos
Juízes- tornou-se insuportável para a ampla maioria deles.
Lembro: antes que fossem produzidas
quaisquer provas os réus já eram tratados diuturnamente como “quadrilheiros”,
“mensaleiros”, “delinquentes”, não somente pela maioria da grande imprensa, mas
também por ilustres figuras originárias dos partidos derrotados nas eleições
presidenciais e pela banda de música do esquerdismo, rapidamente aliada
conjuntural da pior direita nos ataques aos Governos Lula. Formou-se assim uma
santa aliança, antes do processo, para produzir a convicção pública que
só as condenações resgatariam a “dignidade da República”, tal qual ela é
entendida pelos padrões midiáticos dominantes.
Em casos como este, no qual a
grande mídia tritura indivíduos, coopta consciências e define
comportamentos, mais além de meras convicções jurídicas e morais, não
está em jogo ser corajoso ou não, honesto ou não, democrata ou não. Está em
questão a própria funcionalidade do Estado de Direito, que sem desestruturar a
ordem jurídica formal pode flexioná-la para dar guarida a interesses políticos
estratégicos opostos aos que “adquirem direitos em luta”. Embora estes direitos
sejam conquistas que não abalam os padrões de dominação do capital financeiro,
que tutela impiedosamente as ordens democráticas modernas, sempre é bom avisar
que tudo tem limites. O aviso está dado. Mas ele surtirá efeitos
terminativos?
Este realismo político do Supremo
ao condenar sem provas, num processo que foi legalmente instituído e
acompanhado por todo o povo -- cercado por um poder midiático que tornou
irrelevantes as fundamentações dos Juízes -- tem um preço: ao escolher que este
seria o melhor desfecho não encerrou o episódio. Ficam pairando, isto sim,
sobre a República e sobre o próprio prestígio da Suprema Corte, algumas
comparações de profundo significado histórico, que irão influir de maneira
decisiva em nosso futuro democrático.
José Genoíno foi brutalmente
torturado na época da ditadura e seus torturadores continuam aí, sorridentes,
impunes e desafiantes, sem qualquer ameaça real de responderem, na democracia,
pelo que fizeram nos porões do regime de arbítrio, abrigados até agora por
decisões deste mesmo Tribunal que condena sem provas militantes do PT. José
Dirceu coordenou a vitória legítima de Lula, para o seu primeiro mandato e as
suas “contrapartes”, que compraram votos para reeleger Fernando Henrique
(suponho que sem a ciência do Presidente de então), estão também por aí, livres
e gaudérios.
O desfecho atual, portanto, não
encerra o processo do “mensalão”, mas reabre-o em outro plano: o da questão
democrática no país, na qual a “flexão” do Poder Judiciário mostra-se
unilateralmente politizada para “revanchear” os derrotados na política.
Acentua, também, o debate sobre o poder das mídias sobre as instituições. Até
onde pode ir, na democracia, esta arrogância que parece infinita de julgar por
antecipação, exigir condenações sem provas e tutelar a instituições através do
controle e da manipulação da informação?
Militei ao lado de José Genoíno por
mais de vinte anos, depois nos separamos por razões políticas e ideológicas, internamente
ao Partido. É um homem honesto, de vida modesta e honrada, que sempre lutou por
seus ideais com dignidade e ardor, arriscando a própria vida, em momentos muito
duros da nossa História. Só foi condenado porque era presidente do PT, no
momento do chamado “mensalão”.
Militei sempre em campos opostos a
José Dirceu em nosso Partido e, em termos pessoais, conheço-o muito pouco, mas
não hesito em dizer que foi condenado sem provas, por razões
eminentemente políticas, como reconhecem insuspeitos juristas, que sequer tem
simpatias por ele ou pelo PT.
Assim como temos que colocar na
nossa bagagem de experiências os erros cometidos que permitiram a criação de um
processo judicial ordinário, que se tornou rapidamente um processo
político, devemos tratar, ora em diante, este processo judicial de sentenças
tipicamente políticas, como uma experiência decisiva para requalificar, não
somente as nossas instituições democráticas duramente conquistadas na Carta de
88, mas também para organizar uma sistema de alianças que dê um mínimo
respaldo, social e parlamentar, para fazermos o dever de casa da
revolução democrática: uma Constituinte, no mínimo para uma profunda reforma
política, num país em que a mídia de direita é mais forte do que os partidos e
as instituições republicanas.
*Tarso Genro é governador do Rio Grande do Sul
*Tarso Genro é governador do Rio Grande do Sul
(Artigo publicado originalmente
no site do jornal Sul21 - www.sul21.com.br)
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