4 novembro 2013, Boletim Nº 1843 - Ano 40, Universidade Federal de Minas Gerais https://www.ufmg.br (Brasil)
Tese propõe superação de decisão do STF que mantém agentes públicos torturadores sob a proteção da Lei da Anistia
Ewerton Martins Ribeiro
Em abril de 2010, o Supremo Tribunal
Federal (STF) julgou a ADPF nº 153/DF, em que se decidiu sobre a abrangência da
Lei da Anistia. O que estava em questão era se os crimes praticados por
militares e policiais durante a ditadura – como torturas, desaparecimentos
forçados, estupros, homicídios – também estariam cobertos pela lei. O STF
decidiu que sim, que a abrangência da lei autorizava a anistia inclusive desses
agentes torturadores. Mas agora uma pesquisa sugere a superação dessa
controversa decisão tomada pelo STF – e acaba de vencer o Prêmio Capes de Tese
2013 na área de Direito e o Grande Prêmio UFMG de Teses 2013 na grande área de
Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Linguística, Letras e Artes.
Emilio Peluso Neder Meyer demonstra, em seu estudo, que a
Lei de Anistia tem sido mobilizada como obstáculo a uma adequada “justiça de
transição”, sedimentando um entendimento problemático “de que não seria
possível responsabilizar os agentes e ex-agentes públicos por suas graves
violações de direitos humanos”. Emílio desconstrói os votos dos ministros do
STF, detectando suas contradições e falhas, sua ausência de “integridade” e uma
tendência reducionista de suas decisões. “É possível que pressões
contingenciais das mais diversas tenham colocado a atuação do STF em risco,
conduzindo a decisão judicial para longe daquilo que se espera em termos de
legitimidade jurisdicional”, sugere o pesquisador, que venceu também o Prêmio
Capes de Tese 2013 na área de Direito.
Ao falar em “pressões contingenciais”, o pesquisador
alude a um lobby militar que pode ter contribuído para o sufocamento da
adequada justiça de transição durante os últimos 30 anos, influenciando o Poder
Judiciário.
O pesquisador sugere um histórico medo de que militares
engendrassem novos golpes de Estado, e sustenta que esse medo não pode impedir
o início, ainda que tardio, de um projeto de afirmação de direitos humanos.
“Ainda se fazem ouvir as vozes de vítimas e familiares que almejam algum tipo
de justiça”, lembra Emilio. “Trata-se de exigir a formação de uma ‘memória
coletiva’ que não seja o resultado de um ‘esquecimento obrigado’, mas sim de um
exercício ativo de constante diálogo público com o passado.”Entendimentos opostos
Em geral, o Brasil é devedor do efetivo cumprimento de
direitos humanos – mas de forma ainda mais grave no que diz respeito às
violações ocorridas sistematicamente na ditadura. Com o olhar voltado para tal
débito, Emílio se vale de um entendimento da Corte Interamericana de Direitos
Humanos para propor a superação do olhar lançado pelo STF para a Lei da
Anistia. Em novembro de 2010, a Corte Interamericana determinou a condenação do
Brasil pelas omissões estatais em relação aos crimes de “desaparecimento
forçado” ocorridos na Guerrilha do Araguaia – e o entendimento da Corte, no que
diz respeito à Lei da Anistia, foi diametralmente oposto ao entendimento do
Supremo sobre a ditadura.
Ao analisar a visão conflitante entre as duas instâncias,
Emilio demonstra que o entendimento da Corte deve prevalecer sobre a decisão do
Supremo. “Meu trabalho valida a hipótese de que deve ser dado total cumprimento
à decisão da Corte Interamericana, uma vez que o STF descumpriu seu papel como
um dos guardiães da Constituição da República ao julgar a ADPF n° 153/DF,
comprometendo com isso o próprio projeto constituinte de 1988”, ele diz. Assim,
“a exigência, nesse sentido, é que sejam investigados e punidos não só os
crimes de desaparecimento forçado praticados durante a Guerrilha do Araguaia,
mas também todas as graves violações de direitos humanos ocorridas no período
de 1964-1985 e seus autores, já que se trata de crimes contra a humanidade –
que, como tal, são imprescritíveis”.
O pesquisador lembra que a imprescritibilidade de crimes
contra a humanidade desponta como uma das características elementares do
Constitucionalismo mundial pautado por um Direito Internacional dos Direitos
Humanos: “Punir é recordar”, afirma. E sua tese, nesse sentido, abre as portas
não apenas para a revisão do que postulou o STF, mas também para o julgamento
de agentes públicos torturadores e, consequentemente, para o cumprimento mais
efetivo dos direitos humanos no Brasil. “É preciso enxergar criticamente o
momento anistiador de 1979. É extremamente discutível defender que a expressão
‘anistia ampla, geral e irrestrita’ corresponde a uma ‘anistia de mão dupla’:
pelo contrário, ela se destinava a promover uma anistia ainda maior para
opositores políticos, não para os agentes públicos”, afirma Emilio Meyer.
Tese: Responsabilização por graves violações
de direitos humanos na ditadura de 1964-1985: a necessária superação da decisão
do Supremo Tribunal Federal na ADPF n° 153/DF pelo Direito Internacional dos
Direitos Humanos
Autor: Emilio Peluso Neder Meyer
Orientador: Marcelo A. Cattoni de Oliveira
Defesa: julho de 2012, no Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UFMG
Autor: Emilio Peluso Neder Meyer
Orientador: Marcelo A. Cattoni de Oliveira
Defesa: julho de 2012, no Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UFMG
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