sexta-feira, 8 de novembro de 2013

A NOVA ORDEM MUNDIAL



5 novembro 2013, ODiário.infohttp://www.odiario.info (Portugal)


Com a publicação deste estudo, acrescentamos um muito importante documento ao acervo de análises sobre um tema central: a evolução e alteração da correlação de forças económicas e financeiras no plano global. Alteração que terá necessariamente repercussões em todos os aspectos das relações internacionais e nas organizações internacionais, as que integram o “Sistema das Nações Unidas” e outras. E que porá à prova a sua capacidade de acolher contradições que se agudizam.

O velho Mundo Ocidental é o retrato do capitalismo decrépito que oprime e agride os povos em todo o mundo. Mas esses povos não se resignam, levantam a sua voz e as suas forças e, da Ásia à América, resistem para se libertarem e unirem em novas solidariedades, senhores dos seus destinos. Este rearranjo, em consonância com projetos de desenvolvimento e progresso social em cada um deles, é um passo de um demorado caminho para uma nova ordem mundial.

O diplomata brasileiro Roberto Azevedo assumiu o mandato de Diretor-Geral da Organização Mundial do Comércio em 1 de Setembro passado. Ao contrário do Diretor-Geral cessante, antigo Comissário Europeu do Comércio Pascal Lamy de má memória e oponente convicto ao ingresso da Rússia e da China na OMC, o novo Diretor-Geral não enjeita alinhar-se com os colegas dos BRICS. A diplomacia brasileira logrou angariar apoios bastantes entre os estados membros, comprometendo-se em particular a dar à China e ao continente africano voz e posições relevantes no seio da OMC, e logrou neutralizar a oposição dos EUA e da UE. Este facto singular é sintomático das profundas transformações que abalam a economia e a finança no mundo, mais um sinal da desagregação da velha ordem mundial.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS: DE ONDE E PARA ONDE
A Organização das Nações Unidas (ONU) foi estabelecida em 26 de Junho de 1945, tendo como estatutos a Carta das Nações Unidas, inicialmente subscrita por 51 países, compreende atualmente 193 estados membros, a quase totalidade dos existentes. Ficou sedeada em Nova Iorque.

Sob a sua alçada foi sendo constituído um agora vasto “Sistema das Nações Unidas” - conjunto de programas, agencias, institutos, convenções, etc. - coordenado por um Conselho Económico e Social. Aí se integram as de vocação mais diretamente económica e financeira: o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial (FMI/BM), criados em 1945 e com suas sedes em Washington; a Organização Mundial do Comércio (OMC), estabelecida em 1947 (ainda enquanto GATT) com sede em Genebra; umas e outra no cumprimento e sequência das conferências de Bretton Woods (1944).

O poder económico e militar dos EUA, associado ao privilégio internacional do dólar, preservado como moeda de referência quase universal para fins de reserva e pagamento, têm conferido a esta potência a capacidade de influenciar os acontecimentos e as políticas internacionais muito para além do que legitimamente caberia a um só país no concerto das nações.
Para tal também tem contribuído ativamente a singularidade de muitas das organizações do “Sistema das Nações Unidas” estarem sediadas nos EUA e estes deterem a maior quota do seu financiamento.

Estas circunstâncias têm proporcionado uma postura intervencionista, frequentemente unilateral e por vezes abertamente para além ou contra a autoridade das Nações Unidas, por parte dos EUA (e seus aliados mais íntimos). O Conselho de Segurança coletivamente tem permitido, até por vezes autorizado, intervenções de contestada legitimidade. As guerras do Vietname, a Guerra do Golfo contra o Iraque, a Guerra dos Balcãs contra a R.F. Jugoslávia, a agressão e ocupação do Afeganistão, a agressão à Líbia, são casos trágicos de intervencionismo imperial e de incapacidade das Nações Unidas em proteger a paz e a soberania de povos que não sejam grandes potencias e não se sujeitem a ser protetorados.

O agravamento da crise financeira e económica mundial denuncia vícios essenciais do capitalismo que os atuais instrumentos e instituições internacionais se têm revelado incapazes de enfrentar, atenuar e muito menos superar. Esta crise também se caracteriza pela ascensão de denominadas “potências emergentes” - pelo seu potencial económico e demográfico, recursos, progresso social e capacidade técnica -, a par da erosão do poder económico relativo das “velhas” potências, o que evidencia uma viragem da correlação de forças no plano internacional no curso da última década.

A constituição, objetivos e meios de novas organizações regionais ou de cooperação, cuja influência se tem acentuado e começado a influir nas relações e na ordem internacional, são testemunhos dessa viragem. Temos presentes os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e República da África do Sul), a OCS (Organização de Cooperação de Shangai), a ASEAN (associação de Nações do Sudeste Asiático), a ALBA, a MERCOSUR, entre as mais evidentes e atuantes.

Estas alterações profundas e de grande alcance apelam quer à determinação quer à prudência, em vista das grandes tensões e do risco de estas poderem conduzir a conflitos violentos. A presente crise no Próximo Oriente e particularmente na Síria oferece um exemplo da multiplicidade de fatores, protagonistas, riscos e impactos em jogo, e do papel insubstituível dos instrumentos diplomáticos na sua eventual superação.
O “Sistema das Nações Unidas” tem sido e será insubstituível enquanto fórum e quadro legal e institucional para enquadrar pacificamente as transformações em curso e seus desenvolvimentos futuros. Porém, ao mesmo tempo, a ONU deverá ela mesma refletir e acomodar essas mesmas transformações.

A recomposição do Conselho de Segurança é uma dessas questões centrais, pois a sua constituição necessita refletir a renovada correlação de forças. Por outro lado, a persistente crise que abala o sistema económico-financeiro mundial evidencia a urgente necessidade de reformar as correspondentes instituições do “Sistema das Nações Unidas”, designadamente FMI/BM e OMC. Aqui se compreendendo a recomposição do cabaz de divisas nacionais e quotas sobre que repousam as reservas dos bancos centrais (presentemente dólar, euro, libra e yen) e com que são liquidados e remunerados os fluxos comerciais internacionais de mercadorias e serviços.

A VELHA ORDEM MUNDIAL DA FINANÇA
No quadro da constituição do FMI foi concebido e criado pelos estados membros um instrumento financeiro designado “Direitos Especiais de Saque” (SDR) tendo em vista apoiar a estabilidade das taxas de câmbio, como preconizadas pelos acordos de Bretton Woods, e assegurar liquidez nos pagamentos internacionais. O valor do SDR foi inicialmente (1969) identificado com 1/35 de onça de ouro, então equivalente a 1 US$. Em julho de 1974, o FMI declarou dissociar o SDR do ouro (na sequencia de ato unilateral dos EUA relativamente ao dólar no mesmo sentido), e atribuir-lhe um valor determinado por uma certa combinação ponderada de moedas num cabaz selecionado de moedas de países membros. Em 1980 esse cabaz foi reduzido a apenas cinco: dólar, yen, libra, Marco Alemão e Franco Francês. Estava instalado um sistema dissociado de referências económicas concretas, que em breve daria lugar ao crescimento desordenado de produtos e fluxos financeiros que são uma das manifestações da insanidade do sistema capitalista.

Em 2001, com a União Económica e Monetária Europeia, o euro substituiu o Marco e o Franco. O cabaz de divisas ficou constituído por dólar, euro, yen e libra na proporção 45: 29: 15: 11 %. Após um reajustamento em 2005 e um outro em 2010, essa proporção foi revista para: 41,9: 37,4: 9,4: 11,3%. Mas as moedas nacionais das maiores “potências emergentes” designadas pelo acrónimo BRICS – real, rublo, rupia, renminbi/yuan e rand – continuam excluídas do cabaz das moedas que formalmente servem de base às reservas dos bancos centrais. A China tornou-se entretanto na segunda maior economia mundial, o primeiro maior exportador, o segundo maior importador, o país com a maior reserva de divisas estrangeiras; e a sua moeda, o renminbi/yuan, adquiriu larga circulação no seio da ASEAN.

O facto de o sistema FMI/BM discriminar os principais países emergentes denuncia a prevalência da estratégia protecionista e agressiva das velhas potências hegemónicas no sistema capitalista mundial. Nova-York, Londres, Tóquio, Frankfurt, Paris, e poucas mais, persistem enquanto “as” metrópoles do comércio financeiro.

COMÉRCIO MUNDIAL: AS NOVAS POTÊNCIAS ECONÓMICAS
A Organização Mundial do Comércio (OMC) é uma organização multilateral com sede em Genebra que tem por missão promover o livre comércio entre países, a redução das tarifas aduaneiras e a eliminação de outras barreiras ao comércio internacional. Os países que aderem à OMC comprometem-se a efetuar e manter reduções nas tarifas impostas às importações. A Organização fornece um fórum para a resolução de litígios comerciais entre governos, e tem o poder de aplicar multas em caso de ocorrência de violações dos acordos comerciais.

No historial das negociações de adesão mais demoradas distinguem-se as da Rússia, que durou 19 anos, e da China (República Popular da China, não incluindo Hong–Kong, Macau e Taipei, estas afiliados autonomamente), que durou 15 anos. Também sintomaticamente, o Irão é atualmente a maior economia mundial ainda fora desta Organização.

O quadro descrito é inteiramente compatível com denúncias feitas de forte enviesamento protecionista a favor de interesses industriais e agrícolas do designado Mundo Ocidental – quadro que promete mudar durante os próximos anos.

Registe-se que, no decurso da vigência de instituições responsáveis pelo comércio mundial (GATT e depois OMC, de 1948 a 2013), o respetivo cargo de Diretor-Geral esteve nas mãos de europeus durante 59 dos 65 anos. Porém, facto relevante, o atual Diretor-Geral da Organização Mundial do Comércio, é o anterior embaixador do Brasil na OMC, Roberto Azevedo. Ao contrário do Diretor-Geral cessante, Pascal Lamy, um eurocrata opositor convicto ao ingresso da Rússia e da China, o novo Diretor-Geral não enjeita alinhar-se com os colegas dos BRICS. A diplomacia brasileira logrou angariar apoios bastantes entre os estados membros, comprometendo-se a dar voz aos países em desenvolvimento e emergentes no seio da OMC, incluindo posição relevante à China, e logrou neutralizar a oposição dos EUA e da UE.

Roberto Azevedo é desde 1 de Setembro de 2013 o sexto Diretor-Geral da OMC, para um mandato de quatro anos. Os quatro Adjuntos que nomeou são Yonov Frederick Agah da Nigéria, Karl Brauner da Alemanha, David Tubarão dos Estados Unidos e Yi Xiaozhun da China, cuja nomeação é efetiva desde 1 de Outubro. O mundo parece virar-se do avesso.

Esta alteração é significativa. A China teve de aguardar 15 longos anos desde que submeteu a sua candidatura, em 1986, até aceder à OMC, o que só veio a acontecer em Dezembro de 2001. Teve que relaxar mais de 7000 tarifas, quotas e outras barreiras comerciais, impôs-se tarifas em média mais baixas do que o Brasil, a Índia e a maioria dos grandes exportadores e – na opinião de muitos observadores – sujeitou-se à ameaça da concorrência estrangeira na agricultura e, na indústria. A China manteve, ainda, uma baixa taxa de câmbio do renminbi.

Porém, de 2002 a 2012, a China exibiu uma das melhores décadas da história económica mundial. O seu PIB (aferido em US$) quadruplicou e as suas exportações quase quintuplicaram. Enquanto isso, o investimento direto estrangeiro na China arrecadou enormes lucros, colhendo retornos de 13,5%.

A admissão da China no seio da Organização Mundial do Comércio não era nada pacífica para as potências ocidentais que de facto controlavam a Organização. O então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, ao procurar obter o apoio do seu Congresso, em 2000, recorreu aos argumentos de que estava convencido e eram “convenientes” para conseguir convencer os céticos. A admissão da China, disse ele, seria suscetível de trazer um profundo impacto sobre os direitos humanos e a liberdade política naquele país; e a adesão à OMC iria acelerar a diminuição do peso económico do setor estatal o qual seria “uma grande fonte de poder do Partido Comunista”. Opiniões que foram reforçadas no Ocidente por comentários de alguns dissidentes chineses. Todavia, as autoridades chinesas não compartilhavam a crença de Clinton no que ele chamou a mudança extraordinária que a OMC traria para a China, tanto política como economicamente.

O zelo reformista do então primeiro-ministro chinês Zhu Rongji (1998-2003) também ajudou a alimentar a visão de um país disposto a correr consideráveis riscos políticos a fim de criar uma economia mais dinâmica e inserida no mercado global. Mas Zhu Rongji partilhava as preocupações internas relativas aos esforços ocidentais para minar o governo do Partido Comunista da China. “Forças ocidentais hostis continuam a promover a sua estratégia de ocidentalizar e de vergar o nosso país.” Entretanto, os funcionários do partido incrementaram o esforço de estimular a criação de células nas empresas privadas; e vários governos locais cobraram descontos nas folhas de pagamento de empresas privadas, destinados a patrocinar as atividades das respetivas células.

Os denominados liberais queixam-se, agora, que as empresas estatais ainda controlam as alavancas da economia, a par do partido. Mas os avanços económicos e sociais prosseguem ainda avassaladoramente.

Quanto à Rússia conseguiu finalmente aceder a membro pleno da OMC só recentemente, em Agosto de 2012, após quase duas décadas de persistentes negociações. A Rússia percorreu essa via-sacra desde 1993, após celebração de acordos em separado com todos os então 153 Estados-membros, o último dos quais a Geórgia. Os parceiros da Rússia nos BRICS apoiaram reiteradamente a sua rápida adesão à OMC, designadamente em declaração conjunta emitida no final da cimeira de líderes dos BRICS realizada em Sanya, China, em Abril de 2011.

A Rússia, o maior produtor mundial de energia, com um PIB equivalente a US$ 2 milhões de milhões era, até há um ano atrás, a maior economia fora da OMC, e o seu ingresso na Organização assinala o maior passo na liberalização do comércio mundial desde o ingresso da China em Dezembro de 2001. Esta adesão é também percecionada pelas empresas e investidores do resto do mundo como um sinal de que o sistema político-económico russo estabilizou e se afirma como uma grande potência respeitada, depois de humilhada, no concerto das nações.

PORÉM ELA MOVE-SE: OS BRICS EM ACÇÃO
Os BRICS – rede de cooperação político-económica estabelecida entre o Brasil, Rússia, Índia, China e República da África do Sul - são membros assíduos dos G-20, onde são ouvidos como porta-vozes dos países em desenvolvimento. Os BRICS ameaçam atingir as economias desenvolvidas Ocidentais em termos de participação no PIB mundial e, conjuntamente, já ultrapassam os EUA em PIB e muitos outros indicadores económicos. Comandando 25 por cento da área geográfica do mundo, 44 por cento da população e já 33 por cento do PIB global, os BRICS são entendidos, pelos países desenvolvidos ocidentais, como um obstáculo emergente que contraria o seu próprio favor e presente predomínio nas esferas de interesses globais, concretamente económicos.

É à luz desta tendência que podemos compreender que os cinco países do BRICS tenham pela primeira vez sido simultaneamente membros do Conselho de Segurança da ONU em 2011; não terá sido um acaso. Pela primeira vez também, o Diretor-Geral da OMC que agora iniciou o seu mandato é oriundo dos BRICS; poderá ser visto como uma ameaça ao status-quo.

Nas várias instâncias de intervenção diplomática, os BRICS têm assumido posição conjunta sobre a reforma do sistema monetário internacional e sobre vias para estabilizar os preços das commodities nos mercados mundiais. Quer no âmbito das instituições da ONU quer nas cimeiras do G20, os BRICS têm procurado abrir uma discussão ampla e franca sobre o papel dominante do dólar nas finanças internacionais; e particularmente a Rússia e a China têm manifestado aspirar a que as suas moedas nacionais sejam igualmente adotadas como divisas de reserva bancária e pagamento internacional.

Negociações realizadas em 2008 e 2010, no âmbito do FMI, acordaram dotar a generalidade dos países em desenvolvimento com maior poder de voto nessa instituição, e elevar de 9 para 14% o poder de voto do conjunto dos BRICS - ainda muito aquém da sua participação de cerca de 30% na produção económica mundial; enquanto isso, os EUA, que já detêm 17% de direito de voto, contribuem 22% para a produto mundial. Porém, o acordo alcançado em 2010, não foi implementado ainda, porque o Congresso dos EUA ainda não o aprovou. Quer dizer que, comparando os BRICS com os EUA, poder económico o poder de voto mantêm-se escandalosamente invertidos.

Rompendo esse muro por ora inamovível, em Nova Deli, Março de 2012, na sua quarta cimeira, o topo da agenda dos BRICS foi ocupado com a criação de um “Banco BRICS”, a primeira instituição própria de sua iniciativa. Os líderes dos cinco avançaram essa ideia para afirmar a influência diplomática coletiva das economias emergentes e suportar o exercício do seu crescente poder económico; uma iniciativa que deverá reunir recursos para financiar projetos e infraestruturas nos países em desenvolvimento, e também ser um veículo facilitador de empréstimos a longo prazo.

As “potências emergentes” aspiram a tornar-se menos dependentes da moeda de reserva global, o dólar, e a posicionar as suas próprias moedas como divisas de reserva e de transação no comércio internacional, e já adotaram o propósito de realizar o comércio entre elas nas suas próprias moedas. Dois acordos, assinados entre os bancos centrais do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, estabelecem que serão facultados empréstimos em moeda própria em apoio ao comércio entre os cinco. Ao partilharem o comércio nas próprias moedas, os cinco vão também diversificar suas reservas cambiais. Os BRICS promoverão assim a convertibilidade e tornarão mais acessível a utilização do real, rublo, rupia, renminbi/yuan e rand entre si, sem necessidade de recurso ao dólar dos EUA.

O processo político acelerou com a profundidade e persistência da crise económico-financeira. A quinta cimeira dos BRICS, em Março de 2013, em Durban, Africa do Sul, decidiu a criação de mais uma estrutura permanente - “Brics Business Council” – e enunciou uma gama de áreas temáticas e projetos a serem objeto de desenvolvimento conjugado, incluindo rede de telecomunicações, banca e seguros, tecnologia e industria, recursos minerais.

Meio ano volvido, em Setembro de 2013, realizou-se em São Petersburgo a sexta cimeira dos BRICS, na sequência de mais uma cúpula dos G20. Nesta reunião dos G20 pesaram a denúncia do programa de espionagem global levado a cabo pela Agência Nacional de Segurança dos EUA, e a intervenção externa na guerra civil na Síria, muito embora o principal ponto da agenda inicial fosse a crise financeira e os equilíbrios cambiais. Aí os BRICS propuseram a criação de um fundo, denominado “Reserva de Contingência”, um instrumento com vista a proteger os vários países de repercussões negativas das políticas monetárias das economias avançadas.

Nesta sexta cimeira dos BRICS, estes reafirmaram o propósito de entre si criarem o seu próprio banco de desenvolvimento e de um fundo de reservas, prestador de último recurso em contexto adverso de especulação internacional. Foram acordadas questões gerais e operacionais relativas à sua criação, em conformidade com os acordos alcançados na antecedente cimeira de Durban, e o capital inicial desse fundo foi fixado no equivalente a US $100 mil milhões a ser realizado na seguinte proporção: China 41%, Brasil, Índia e Rússia 18% cada, África do Sul 5%. O grupo também concordou dotar o banco de desenvolvimento com o equivalente a US$ 50 mil milhões de capital-semente.

A concertação e movimentação dos BRICS desde 2010 têm, pacífica mas determinadamente, afirmado e procurado o reconhecimento do seu real poder económico e angariar o correspondente nível de intervenção na comunidade internacional no seio das instituições do “sistema das Nações Unidas”. Poder económico que traz consigo vastos recursos produtivos, demográficos e naturais, e alcança vasta influência diplomática e militar.

A ORDEM ECONÓMICO-FINANCEIRA EM RÁPIDA TRANSFORMAÇÃO
A República Popular da China é um protagonista chave na cooperação estratégica entre os BRICS e entre estes e os países em desenvolvimento. Isso porque detém um elevado peso político, económico e militar que contribui para conferir aos BRICS e à OCS capacidade de diálogo e de manobra que não podem ser suprimidos por quaisquer outros grupos de cooperação ou blocos político-económicos.

As praças de Londres, Luxemburgo, Paris, Frankfurt e Zurique, todas elas têm pretendido assumir-se como principal centro do comércio europeu da moeda chinesa. Disputando essa qualidade entre os centros asiáticos colocam-se Hong-Kong, Singapura, Taipei e Sydney. Habilmente, Pequim tem feito por atrair um a um todos esses pretendentes ao comércio do renminbi (Rmb)/yuan. Quanto mais ampla a dispersão da divisa chinesa, quanto mais amplo o pool da sua liquidez no estrangeiro, melhor para o seu reforço e difusão internacional.

Notória é a ausência de Nova-York. A competição monetária, desafiando a hegemonia do dólar, preocupa o governo dos EUA. Mas com Pequim a persuadir, mês após mês, os maiores mercados a se atrelarem ao comboio do renminbi, muitos analistas consideram que é só uma questão de tempo até os EUA entrarem também a bordo. “À medida que o renminbi se desenvolve em outros centros, Nova-York, mais cedo ou mais tarde, terá de se juntar ao processo de internacionalização”, afirmou Zhang Ming da Academia Chinesa das Ciências Sociais.

Neste mês de Outubro de 2013, foi anunciado que o Banco Central Europeu (BCE) e o Banco Popular da China (BPC) haviam estabelecido um acordo de swap entre as respetivas moedas, a mais recente de uma série de medidas para estimular o uso global da moeda chinesa. Este acordo foi estabelecido no contexto do rápido crescimento do comércio bilateral e do investimento entre a zona euro e a China, visando garantir a estabilidade dos mercados financeiros (na linguagem do BCE). Num montante de Rmb 350 mil milhões, equivalente a € 45 mil milhões, será o terceiro maior swap após outros semelhantes estabelecidos pelo BPC em Hong-Kong e na Coreia do Sul; e segue-se a acordos semelhantes já estabelecidos com o Reino Unido, Austrália e Brasil. Tendo estabelecido a referida linha de swap de moedas com o Banco Central Europeu, o Banco Popular da China concedeu à City de Londres uma quota de Rmb 80 mil milhões para investir em ativos chineses denominados em renminbi.
Um comunicado do Banco Popular da China declara, a propósito, que esta iniciativa deverá ajudar a fornecer liquidez para o desenvolvimento do mercado do renminbi/yuan na Europa e a promover o seu uso no exterior do espaço chinês, para além de facilitar o comércio e o investimento estrangeiros. A moeda chinesa está a tornar-se cada vez mais importante para os investidores, e o volume diário da sua transação já duplicou no decurso deste ano de 2013.

Também em meados de Outubro de 2013, em Londres, após conversações com o seu homólogo chinês vice-primeiro ministro Ma Kai, o chanceler britânico George Osborne anunciou o objetivo de atrair mais comércio do reminbi/yuan para o mercado Londrino, que atualmente é destino de 41% das trocas cambiais mundiais.

O saber científico-técnico e o poder económico da Republica Popular da China tem-se afirmado em múltiplas realizações. Para além de avanços em larga escala nos domínios da educação, investigação científica, inovação e patentes, e de realizações nos domínios aeroespacial, microeletrónica, telecomunicações, informática, tenologias industriais, etc., as empresas chinesas contam-se entre as mais dinâmicas e influentes em todos os ramos e continentes. Elas assumem-se como entidades empresariais com dimensão técnica, económica, comercial e financeira, mas de igual modo com dimensão diplomática, norteadas por uma estratégia sob o comando do governo chinês.

Neste mês de Outubro a SINOPEC – petrolífera chinesa que ocupa a quinta posição entre as maiores corporações do mundo - tornou-se na segunda empresa da China continental a adquirir no mercado de obrigações de Londres dívida denominada em euros, € 550 milhões, enquanto vendendo bonds denominados em dólares, US$ 2,75 mil milhões. Essa emissão segue-se a uma operação semelhante da sua rival estatal CNOOC que, no mês anterior, fora a primeira empresa chinesa a adquirir dívida em euros. Ainda em Outubro, a SINOPEC também abordou a corporação energética espanhola Repsol com vista à aquisição da respetiva participação de € 4,7 mil milhões na Gás Natural, companhia gasista espanhola.

Também neste mês de Outubro, o chanceler britânico George Osborne, de visita à central nuclear de Taishan, em construção na China, anunciou a intenção de acolher a futura participação chinesa na construção de centrais nucleares na Grã-Bretanha. A central de Taishan, uma das maiores centrais nucleares do mundo, utiliza reatores de desenho Europeu - Areva 1750 MW EPR (European Pressurized Reactor) - e está a ser construída em parceria entre a empresa francesa EDF e a chinesa CGNPC - China General Nuclear Power Group. Esta é uma das cerca de 30 novas centrais nucleares que a China tem presentemente em construção ou projeto, e que virá a ser uma das maiores do mundo. O Reino Unido tem em consideração reforçar o seu parque electroprodutor com uma réplica tecnológica de Taishan, a ser construída em Hinkley Point C, Somerset, pelo mesmo consórcio, por cerca de € 19 mil milhões.

Além de oferecer uma opção de financiamento para as empresas chinesas que procuram reduzir a dependência face ao dólar, os mercados de outras divisas oferecem também outras opções para as empresas que pretendem investir no exterior. Empresas do sector energético e mineiro, apoiadas pelo estado chinês, têm sido particularmente agressivas na procura de oportunidades de aquisição e investimento por todo o mundo, parte da estratégia mais ampla de Pequim em assegurar uma sólida base de recursos naturais para a sua indústria e rentabilidade para os seus capitais.
Em Portugal, a China Development Bank atribuiu um empréstimo de € 1000 milhões à EDP em 2012. Esse empréstimo verificou-se na sequência de compromissos assumidos no âmbito de uma dita parceria estratégica acordada entre a EDP e a China Three Gorges Corporation, anunciada no final de 2011. Na altura, o presidente da EDP declarou que aquele era o primeiro financiamento atribuído por aquele banco a uma empresa não chinesa fora da China. Entretanto, a China Three Gorges, tendo adquirido 21% do capital social da EDP, tornou-se no seu maior acionista e prometeu vir a realizar mais investimentos com a EDP e em Portugal.

Em Setembro de 2013, a Galp Energia e a SINOPEC anunciaram a intenção de reforçar a parceria já existente entre as duas. A petrolífera chinesa já era parceira da Galp após ter adquirido em 2012, por € 2,7 mil milhões, 30% do capital da unidade brasileira detida pela petrolífera portuguesa. Já no início de 2013, a China National Petroleum Corp (CNPC), outra grande petrolífera chinesa, anunciou o propósito de entrar no consórcio liderado pela italiana ENI, constituído para a prospeção e exploração de gás natural no norte de Moçambique e no qual a portuguesa GALP já participa com 10% do capital.

EPÍLOGO
A correlação global de forças político-económicas avança e vai moldando a paisagem política - com suas feições sociais, culturais, técnicas e económicas – por diversas vias e por toda a parte. É uma transformação tectónica – tanto particular como coletiva – tanto material quanto ideológica - que progride com expressão própria em cada país e abarca o mundo, no sentido de superar o capitalismo decrépito e de oferecer projetos de um futuro luminoso.

As experiências de construção do socialismo e o ideal comunista foram e são instrumentos inspiradores destas transformações e, explicita ou implicitamente, animaram e animam muitos dos seus protagonistas.

A concertação multilateral entre forças sociais e estados, sem abdicar das convicções e das forças de cada um, é uma chave para a via de superação, tão pacífica quanto possível, das enormes contradições mundiais entre opressores e oprimidos e, em particular, será também através do sistema das Nações Unidas que herdámos que podemos lutar por alcançar o sistema das Nações Unidas dum mundo novo.

31.10.2013

DOCUMENTAÇÃO
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