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novembro 2013, Correio da Cidadania http://www.correiocidadania.com.br (Brasil)
Escrito por Achille Lollo*, de Roma para o Correio da Cidadania
Durante a guerra fria os generais
do Pentágono acreditavam que a Alemanha e a Itália eram as regiões
geoestratégicas mais importantes da Europa e do Mar Mediterrâneo à causa de
suas características geográficas, políticas e econômicas. Por isso, até 1990,
os EUA aquartelaram na Alemanha 200.000 fuzileiros e 50.000 “especialistas”,
isto é: pilotos, técnicos de radares, de telecomunicações e, sobretudo, as
unidades operativas dos grupos especiais. Após a reunificação alemã, somente os
“especialistas” permaneceram na Alemanha.
Aquartelamento da Itália
pelos EUA
Na Itália, o contingente de
militares estadunidenses permaneceu intacto até 1990, com seus 13.000
“especialistas”. Depois, houve um aumento gradual até 2001, quando 20.000
“especialistas” operavam nas 48 bases militares (da USArmy, USAF, USNavy e da
OTAN), nas 40 estações radar e centros de telecomunicações (USAF e NSA) e nos
15 depósitos e polígonos que o Pentágono obteve do governo italiano graças aos
acordos bilaterais ou no âmbito da OTAN. Uma maquina bélica que, em 1999, jogou
um papel fundamental na “guerra humanitária nos Bálcãs” (Bósnia, Croácia,
Macedônia, Sérvia e Kossovo) para a completa desestabilização da Federação
Iugoslava. É suficiente lembrar que as duas esquadrilhas de F-16 do 31º
Esquadrão de Caça da USAir Force (31st Fighter Wing) realizaram 9.000 missões
de combates e bombardeios nos céus da Iugoslávia a partir da base italiana de
Aviano em apenas 78 dias!!
Depois, em 2011, o sistema logístico
e operacional criado pelo Pentágono na Itália teve uma importância decisiva na
destruição do exército de Gheddafi, pois, sem o suporte do referido sistema --
em particular das bases de Aviano, de Pisa (Camp Darby), de Vicenza (Camp
Ederle) e de Sigonella na Sicília ---, a aviação francesa e a britânica e os
navios lança-foguetes da VIª frota estadunidenses nunca teriam conseguido
bombardear sem interrupção, durante 29 dias, as cidades onde se havia
entrincheirado o exército de Gheddafi .
De fato, a Casa Branca, antes de
criar as conjeturas diplomáticas e políticas para derrubar o governo dos
Talebani no Afeganistão, para destruir fisicamente o Iraque de Saddam, para
manter em estado de assédio o Irã, a Síria e o Líbano e, depois, em 2011,
acabar com o regime de Gheddafi, precisava exercer o controle total no Mar
Mediterrâneo e, portanto,
ter a absoluta certeza de que as múltiplas operações
militares não teriam comprometido a regular exportação do petróleo e do gás dos
países árabes para o Ocidente.
Foi nesse contexto que, a partir de
1990, todos os presidentes dos EUA aprovaram as opções geoestratégicas do
Pentágono, segundo as quais a capacidade operacional do exército estadunidense
em controlar o Mar Mediterrâneo passava, inevitavelmente, pela multiplicação
das características operacionais das 48 bases militares italianas, pela
capacidade logística dos 15 depósitos de armas e, sobretudo, pela qualidade da
“espionagem” tecnológica das 40 estações radares e centros de telecomunicação,
criados na Itália.
Um objetivo estratégico a quem o
Congresso, desde 1992, destinou dotações orçamentárias que, em 2011,
totalizaram um valor de 3 bilhões e 820 milhões de dólares. Infelizmente
permanecem secretados os “investimentos ocultos” que o Pentágono recebeu da
Casa Branca para equipar as 48 bases militares italianas com “branches” para os
serviços de inteligência (CIA, NSA, USArmy), departamentos logísticos para as
operações secretas, comandos móveis para as missões especiais e centrais de
espionagem eletrônico urbano.
Foi nesse âmbito que, em 1991, o
Congresso atribuiu uma verba especial ao orçamento do Pentágono de 300 milhões
de dólares, para ampliar, em Nápoles, (centro-sul da Itália) o Comando do
Security Force dos Marines, o Comando da USAF (Força Aérea) para o Mediterrâneo
e construir uma base para os submarinos da USNavy, inclusive com cais para os
submarinos armados de foguetes com ogiva nuclear. A seguir, em 1996, foram
investidos mais 400 milhões de dólares para alugar, por 30 anos, vários
territórios na província de Nápoles (Capodichino e Bagnoli), onde foi
construída uma base aeronaval para a USAF e um porto militar logístico, capaz
de movimentar anualmente 5.000 contentores da USArmy. Além disso, em Bagnoli a
USNavy construiu o principal centro de coordenação das atividades de
telecomunicação para o controle do Mar Mediterrâneo.
Também no nordeste italiano – a 500
km da fronteira com a Iugoslávia -, o Pentágono investiu pesado, destinando, em
1992, 305 milhões de dólares para a modernização da base aérea de Aviano.
Depois, em 2004, mais de 115 milhões foram investidos para permitir a
aterrissagem nesta base aérea dos bombardeiros estratégicos armados com bombas
nucleares, os grandes aviões-radar, os caças-interceptadores, além de
transferir das bases aéreas da Alemanha grande parte das esquadrilhas de
caças-bombardeiros de F-15 e F-16. Foram também construídos silos subterrâneos
para 40 dos noventa foguetes nucleares que os EUA estacionaram (ainda hoje) na
Itália desde o início da “Guerra Fria”.
Petróleo e crises na África
e Oriente Médio: patrulha mais ostensiva do Mediterrâneo
Mas foi a dramática evolução das
crises políticas no Oriente Médio e a perspectiva de dever patrulhar
ostensivamente os céus e os mares da África do Norte que obrigaram o Pentágono
a gastar mais dois bilhões de dólares na construção da maior base logística do
Mar Mediterrâneo, chamada de “Camp Darby” e localizada entre Pisa e o porto de
Livorno (região Toscana, no centro da Itália). Uma base que o Setaf administra
fora da jurisdição italiana, com 1.400 “especialistas’ do 31st Munitions
Squadron, estocando nos 125 depósitos subterrâneos uma reserva estratégica de
armas e munições, capaz de municionar todas as unidades do exército e da força
aérea dos EUA que operam na região mediterrânea durante seis meses de conflito.
Além disso, em Coltano, foi instalada a maior central europeia de “espionagem
eletrônico”, onde os técnicos da NSA podem copiar todas as telecomunicações
captadas na região mediterrânea.
Em Vicenza (região do Veneto, na Itália
do Norte), o Pentágono criou outra grande base aérea, denominada “Camp Ederle”
onde operam 2.000 “especialistas”. Nessa base foi instalado o Comando da Setaf
da USArmy para dirigir as unidades estadunidense aquarteladas na Itália, na
Grécia e na Turquia. A seguir, também a OTAN escolheu “Camp Ederle” para fixar
seu Comando Geral Operativo. Em 2008, “Camp Ederle”, apesar dos protestos
da população de Vicenza, foi novamente ampliado para permitir à Quinta Força
Aérea Tática da USAF manusear os bombardeiros armados com bombas nucleares,
além de estocar nos depósitos subterrâneos da base mais 40 ogivas nucleares.
Entretanto, a presença militar dos
EUA na Itália aumentou sensivelmente a partir de 2001, quando George W. Bush
decidiu promover o conflito contra os “estados canalhas” (produtores de gás e
petróleo) e, assim, legitimar no Ocidente o alcance de uma nova geopolítica
energética. Foi dentro dessa lógica que o Departamento de Defesa da Casa Branca
e os generais do Pentágono argumentaram que, antes de mover qualquer tipo de
ação militar contra o Iraque de Saddam Hussein, era necessário criar no Mar
Mediterrâneo uma poderosa base aéreo-naval capaz de monitorar, em todos os
sentidos, as operações no Oriente Médio e na África do Norte.
Por isso, o Congresso aprovou o
investimento de 300 milhões de dólares para transformar a base italiana de
Sigonella (na ilha da Sicilia) em “Sigonella Naval-Air Station”, evidentemente
desligada de qualquer tipo de jurisdição territorial com a Itália. Em
2002, essa base começou a ser usada para dirigir os aviões sem pilotos (drones)
Global Hawk. A seguir, em 2003, vieram os aviões P-3 para realizar a espionagem
eletrônica em altura atmosférica com seus scanners de altíssima resolução
óptica. Depois, em 2008, o governo Berlusconi assinou com o chefe da AFRICOM,
general Willian E. Ward, um “acordo secreto” que permitiu à USAF instalar na
base de Sigonella o comando operacional de todos os drones estadunidenses que
deviam operar no Mar Mediterrâneo, na África no Norte, no Oriente Médio e no
Afeganistão. Enfim, em 2009 o Comando da AFRICOM inaugurava em Sigonella
a “escola de antiterrorismo” para os militares e policiais de Botsuana,
Gibuti, Burundi, Uganda, Tanzânia, Quênia, Tunísia e Senegal.
Em 2008, numa apresentação na Universidade
Nacional de Defesa, o segundo comandante do AFRICOM, o vice-almirante Robert
Moeller, declarava que “...a África tem uma importância
geoestratégica cada vez maior para os Estados Unidos e o petróleo é um fator
chave, porém o principal desafio para os interesses estratégicos
norte-americanos na região é reduzir a crescente influência da China na África”.
Uma declaração que sintetizava as
conjeturas políticas e estratégicas que os colaboradores de Obama estavam
criando para poder derrubar o regime de Gheddafi.
Hoje, a base de Sigonella está
novamente de alerta geral à causa da crise política que explodiu na Líbia entre
as “milícias jihdaistas” – antigos aliados dos EUA – e os “países amigos” da
OTAN. De fato, em menos de um ano as milícias atacaram o consulado dos EUA em
Bengase, aos 11 setembro de 2012, matando o embaixador, Chris Stevens; depois
atacaram em Trípoli as embaixadas da França e da Itália. Mais recentemente,
sequestraram o primeiro ministro, Ali Zeidan, para depois sabotar gravemente o
terminal petrolífero de Mesurada, onde operavam os técnicos italianos da ENI.
Um caos político e institucional
agravado pela queda na produção petrolífera, que, durante o governo de
Gheddafi, tocava os quatro milhões de barris por dia, enquanto, hoje, nem chega
aos 150.000. Um bom motivo para os EUA começarem novamente a planejar, nas 40
bases aéreo-navais que têm na Itália, outra “... guerra humanitária para livrar
a Líbia dos terroristas de Al Qaeda!!!”.
*Achille Lollo é jornalista
italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália, editor do programa TV
“Quadrante Informativo” e colunista do "Correio da Cidadania".
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