Professor de relações
internacionais prevê o fortalecimento das relações Brasil-Rússia, tanto
bilateralmente como no âmbito dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África
do Sul), e não concorda em julgar a democracia russa apenas pela ótica
ocidental.
Próxima cúpula com líderes dos
Brics acontecerá no Brasil em 2014 Foto: RIA Nóvosti
Único brasileiro participante da
reunião do Clube Valdai 2013, iniciativa que reuniu intelectuais, políticos e
autoridades em setembro para discutir questões relacionadas à Rússia, o
cientista político Fabiano Mielniczuk prevê o avanço das relações bilaterais
entre Brasil-Rússia.
“Multilateralismo é a política que
baliza a cooperação com a Rússia, inclusive no âmbito das iniciativas
individuais do próprio país”, observa
Mielniczuk, ex-coordenador do Brics
Policy Center, instituto ligado à PUC-Rio, onde é professor licenciado.
Há pouco tempo, Mielniczuk fundou
em Porto Alegre o Audiplo, escola de estudos voltada para a reflexão sobre os
problemas mundiais e de formação preparatória à carreira diplomática.
Em entrevista à Gazeta Russa,
o cientista político falou sobre a evolução das relações bilaterais e
particularidades do contexto social na Rússia.
Gazeta Russa: A
venda de armas para o Brasil é sinônimo de avanço nas relações bilaterais?
Fabiano Mielniczuk:
Por sua própria natureza, esse tipo de negócio é firmado com parceiros ou,
preferencialmente, com países que não venham a representar ameaças aos
vendedores no futuro. As relações do Brasil com a Rússia são relações de
parceria, iniciadas em meados dos anos 1990 e intensificadas nos anos 2000. A
venda de armas para o Brasil significa, sim, o fortalecimento desses laços,
principalmente se a venda de armas implicar em transferência de tecnologia,
independente de o produto ser a segunda maior fonte de receita depois dos
hidrocarbonetos.
GR: Como o sr.
analisa a evolução da parceria entre os países?
FM: O comércio
entre os dois países era quase nulo depois do fim da URSS. Atualmente, já
movimenta em torno de US$ 6 bilhões e existe a expectativa de que ele alcance
os US$ 10 bilhões nos próximos anos. Aos poucos, Brasil e Rússia têm
diversificado suas pautas de exportação.
No âmbito da Comissão de Alto Nível
entre os dois países, várias subcomissões setoriais discutem temas que variam
de assuntos econômicos e militares a questões culturais. Para mostrar a
importância da cooperação, vale lembrar que um dos assuntos discutidos entre os
dois países envolve a colaboração científica para aprimorar o processo de
enriquecimento de urânio.
GR: Mas há
analistas dizendo que ambos os países ainda não se “descobriram” para
valer...
FM: Tanto o Brasil
quanto a Rússia enfrentaram problemas gravíssimos durante os anos 1990. A
relação entre os países iniciou para valer a partir dos anos 2000. É ainda
bastante recente.
GR: Qual é o papel
dos Brics no fortalecimento dessas relações?
FM: Nesse
agrupamento, há o alinhamento discursivo entre China e Rússia, que defendem a
multipolaridade, enquanto que o Brasil, África do Sul e Índia se baseiam mais
em agendas desenvolvimentistas. Esses dois discursos são complementares e
mantêm os países com interesses alinhados, apesar das diferenças. Os interesses
bilaterais são inclusive fortalecidos no âmbito dos Brics.
GR: O sr. concorda
com a opinião de que a China assumiu a liderança do grupo, enquanto Rússia e
Brasil disputam uma posição secundária?
FM: A Rússia e o
Brasil foram os dois países responsáveis por transformar o Brics em um
agrupamento político. Dificilmente terão um papel secundário. O fato de a China
ser a segunda maior economia do mundo afeta a todos os países – tanto os EUA,
quanto a Rússia ou os países europeus. Por isso, acho que o debate sobre um
certo domínio da China sobre as iniciativas das quais participa não é
relevante.
GR: O governo
russo está tentando criar uma imagem mais favorável no exterior, a exemplo do
artigo de Pútin no “ The New York Times”, mas o Ocidente ainda coloca em dúvida
os valores democráticos do país. Qual sua opinião sobre tais iniciativas?
FM: A Rússia está
buscando uma forma de atender aos anseios de sua população e redefinir sua
identidade após o desastre da década de 1990, e depois de séculos de
autoritarismo. Isso não ocorre em pouco tempo e qualquer julgamento sobre
democracia na Rússia, a partir dos padrões ocidentais, é precipitado.
GR: Os desastres
da política externa dos EUA, como os casos de espionagem e sua atuação no
conflito da Síria, podem ajudar a Rússia e outros países a capitalizarem
dividendos políticos?
FM: Acho que
Rússia, assim como o Brasil, acredita-se que um mundo multipolar é mais justo
que um mundo unipolar. Nesse sentido, os interesses estratégicos dos dois estão
em conformidade com os de vários outros países que pretendem reestruturar o
sistema de governança internacional.
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