28
novembro 2013,
Lidia Baltra*
Duas investigações
jornalísticas provam que Salvador Allende não se suicidou:
Em meio às comemorações
das quatro décadas do golpe militar, nós, chilenos, nos deparamos duas vezes
com o mesmo fato: considerar que há 40 anos, em um dia 11 de setembro, o
Presidente Salvador Allende não se suicidou, e sim que teria morrido em
combate, alcançado pelas balas dos soldados que atacaram La Moneda.
É a tese
que se repete em dois livros publicados recentemente: o da jornalista Maura
Brescia,“Salvador Allende. Minha carne é bronze para a história. A verdade
sobre sua morte.” (Momentum/Mare Nostrum, Santiago 2013) e outro, do jornalista
Francisco Marín e do médico forense Luis Ravanal: “Não me renderei” (Ceibo,
Santiago, 2013), ambos comentados positivamente pelos advogados Nelson Caucoto,
Roberto Celedón e Matías Coll del Río.
Nestes
últimos dias houve um relançamento de ambos na Feira do Livro (FILSA), o que
traz o assunto novamente à baila.
Os livros
esmiúçam os fatos que cercaram a morte do Presidente mártir e ambos reconhecem,
em primeiro lugar, que, suicídio ou não, os militares golpistas são os
responsáveis por aquele que, muito a contragosto, passou à História como herói
e mártir, um dos governantes mais
corajosos e dignos da História.
Inconsistências
de uma montagem
A Junta
de Governo decretou o suicídio no próprio dia 11 de setembro de 1973, afirmação
aceita até agora, dada a aprovação da família. Com a objetividade maior que o
tempo permite, as investigações jornalísticas e técnicas recém publicadas
descrevem e enumeram a série de contradições e inconsistências que lhe deram
aval.
A mais
importante: nos restos ósseos do crânio houve duas perfurações, de percursos
distintos e incompatíveis. Afirmam que o disparo com o fuzil metralhadora, do
queixo para cima, foi feito para destruir o crânio e ocultar o segundo
orifício, no meio do crânio, realizado por outra arma, horizontalmente.
Os
soldados golpistas que atacaram La Moneda tiveram todo o tempo necessário para
realizar a montagem do suicídio. Quiseram eliminar assim a possibilidade de que
Allende se transformasse no herói universal que de fato é. O cadáver foi movido
como quiseram, transportado de um salão para outro, sentado grotescamente em
uma poltrona, com a metralhadora apoiada nas pernas em alguns croquis o em pé
no piso e entre as pernas, apontando para o queixo, em outros.
Falso
seria também, segundo estes novos textos, que a arma com a qual teria se matado
fosse o fuzil metralhadora AK-47 que lhe dera Fidel Castro. Este fuzil nunca
saiu de sua casa em Cañaveral até o dia 11, quando sua secretária Myria (Paya)
Contreras o pegou para levá-lo ao Presidente em La Moneda, o que não conseguiu.
Foi requisitada pelos carabineros que os prenderam –a ela e a seu filho Enrique
Ropert- diante da Intendência. O cadáver do jovem apareceu dias depois nas
águas do rio Mapocho. Do fuzil, presente de Fidel Castro, nunca mais se soube.
Depois, o
fato de que não havia sangue na roupa com que o cadáver aparece nas primeiras
fotos, nem na descrição da roupa interior. Tão pouco coincidem as características
dessa roupa com as da que o Presidente usava naquele dia.
Os dados
correspondem ao relatório dos médicos que realizaram a autópsia, que não foi
feita no Instituto Médico Legal e sim no Hospital Militar, e sem a participação
de nenhum médico forense.
Segundo
Brescia, os golpistas assassinos teriam se aproveitado do estado de choque de
um dos médicos de La Moneda, para fabricar uma testemunha presencial do
suicídio: um amedrontado Dr . Patricio Guijón Klein, que não era da absoluta
confiança do Presidente nem dos partidos que o apoiavam.
A bala
assassina
Allende
deixou claro sua disposição de resistir, de não se entregar e por isso foi
assassinado.
A
jornalista desmente a versão oficial, afirmando em sua pesquisa que foi o
tenente René Riveros Valderrama que matou o Presidente com o disparo que
atravessou horizontalmente seu crânio. Infelizmente, esta prova já não existe,
pois desapareceu o osso craniano onde estava o orifício de saída dessa bala.
Em suma,
há muitas razões técnicas e de lógica básica nos elementos que teceram esta
trama e que hoje permitem descartar a tese do suicídio. Mas, lamentavelmente,
tão pouco existem provas para confirmar que Salvador Allende Gossens morreu
combatendo, salvo a descrição de suas mãos, manchadas de pólvora.
Não é a
primeira vez que as circunstâncias de sua morte são postas em dúvida. Os
advogados Roberto Celedón e Matías Coll del Río solicitaram, em 2008, a opinião
do Dr. Luis Ravanal (co-autor de um dos livros), Mestre em Medicina Forense. O
juiz Mario Carroza foi designado para investigar esta causa em 2011, diante da
denúncia da fiscal Beatriz Pedrals, mas a falta de documentação original mínima
para comprovar os fatos, assim como os destroços nos restos exumados do
Presidente Allende, impediram o término do processo. A causa foi suspensa em
dezembro de 2012 e ratificada em decisão judicial não unânime em junho deste
ano, diante da impossibilidade de inovar.
Muitos de
nós consideram vital continuar buscando a verdade neste mítico caso, porque
ainda que o resultado não altere o elevado status moral já alcançado pelo
Presidente Allende, talvez possa desmascarar mais uma mentira ou o grande
engano da ditadura aos chilenos.
Por isso
agradecemos os dados que nos fornecem estes livros para descartar a montagem do
suicídio e poder dispor da opção de pelo menos abrigar a tese da morte em
combate, como o Presidente-mártir teria preferido.
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*Lidia Baltra, jornalista e escritora chilena.
Mapocho Press. Santiago – Chile. Reprodução permitida / Citar a fonte. Tradução
de Ana Corbisier
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