28
outubro 2013, http://operamundi.uol.com.br
(Brasil)
Marina Castro
Segundo
Franklin Martins, responsável pela série “Presidentes Africanos”, continente
vive “momento crucial”
A África
atual se ressente da falta de uma infraestrutura que promova a integração entre
os países do continente, segundo o jornalista e ex-ministro Franklin Martins,
que acaba de estrear a série de reportagens “Presidentes Africanos”.
O
documentário, contendo 15 episódios, é composto de entrevistas com os líderes
de 13 dos maiores países africanos, entre os quais África do Sul, Moçambique,
Egito e Tunísia. Também são apresentadas características históricas e
geográficas e a realidade do continente que mais cresceu economicamente nos
últimos dez anos.
Franklin
Martins foi ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do Brasil
durante o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, de 2007 até 2010. “Presidentes
Africanos” marca seu retorno à TV como jornalista. A série é exibida nos canais
Discovery Civilization e Band.
Em
entrevista a Opera Mundi, Martins conta suas impressões do “momento
crucial” da África, em geral, e dos líderes com os quais conversou, que têm
“consciência da importância da democracia”. Leia abaixo:
Opera
Mundi: Qual é, em sua opinião, a sensação dos africanos em relação à política
externa do Brasil nas três últimas presidências, de Fernando Henrique Cardoso,
Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff?
Franklin
Martins: Eu acho que, de um modo geral, existe sensação de que o Brasil, nos
últimos dez anos, voltou a ter uma política ativa na África. Isso foi deixado
pra trás no governo do Fernando Henrique, a África não existia, e, a partir do
governo do Lula, voltou a ter relevância, antes não tinha nenhuma. Isso é
evidenciado, primeiro, pelo número de viagens do presidente Lula ao continente.
Segundo, pelo grande número de embaixadas abertas na África e também pelo
aumento das embaixadas africanas no Brasil. Em terceiro, o aumento muito forte
da presença da África no comércio exterior do Brasil e do investimento
brasileiro na África. Em quarto, a presença diplomática do Brasil, com a
implantação de programas de cooperação na área social, educativa, de saúde.
Mesmo a presença
política. Acho que eles têm um sentimento de que a
África hoje em dia é importante para o Brasil e isso é muito importante pra
eles.
Eles
também percebem que o Brasil, por ser um país tropical, com geografia parecida
com a da África, por ter laços históricos e culturais com o continente, pode
ser encarado de um jeito místico, do "deu certo".
OM: A África foi o continente que mais cresceu nos últimos dez anos, apesar de quase todo o mundo ter entrado em recessão por causa da crise de 2008-2009. Que lições desse desenvolvimento africano o Brasil poderia tirar?
OM: A África foi o continente que mais cresceu nos últimos dez anos, apesar de quase todo o mundo ter entrado em recessão por causa da crise de 2008-2009. Que lições desse desenvolvimento africano o Brasil poderia tirar?
FM: Dos
15 países que mais cresceram nos últimos dez anos, dez são da África. A África
passa por um processo de crescimento rigoroso. Isso tem a ver com a
potencialidade do continente, com a população jovem, mas também com o fortalecimento
da democracia e da paz. Em um ano, houve 17 eleições na África e, em geral, com
resultados aceitos pela comunidade internacional.
Por outro
lado, existe o processo crescente de paz. De um bilhão de africanos, 100
milhões vivem em regiões onde há ameaça de conflito ou presença de conflito.
Isso é uma novidade, porque antes havia muito mais áreas de conflito, muito por
causa das fronteiras extremamente artificiais.
Hoje, de
um modo geral, a África vive um ambiente de paz. Isso permite forte crescimento
econômico. O Brasil pode se beneficiar disso, tem potencial tecnológico,
elétrico, logística para regiões tropicais… Empresas de agricultura lá podem
ter resultados espetaculares, porque a África é um grande cerrado. Tem
florestas, mas é um grande cerrado, que lá é chamado de savana.
OM: O senhor trabalhou durante muitos anos no governo brasileiro. Qual a sua avaliação da infraestrutura da África, considerando a gestão e a organização do poder?
FM: A África tem seriíssimos problemas de infraestrutura. De um modo geral, foi construída voltada para o exterior, de exportação para as metrópoles. A África se ressente da falta de estrutura, de logísticas de integração, esse é um dos grandes problemas. Assim, se usa pouco o mercado interno, a produção é voltada para o mercado externo. Hoje, o comércio interafricano representa só 3% no continente. O objetivo é chegar a 20%, 25%.
OM: O senhor trabalhou durante muitos anos no governo brasileiro. Qual a sua avaliação da infraestrutura da África, considerando a gestão e a organização do poder?
FM: A África tem seriíssimos problemas de infraestrutura. De um modo geral, foi construída voltada para o exterior, de exportação para as metrópoles. A África se ressente da falta de estrutura, de logísticas de integração, esse é um dos grandes problemas. Assim, se usa pouco o mercado interno, a produção é voltada para o mercado externo. Hoje, o comércio interafricano representa só 3% no continente. O objetivo é chegar a 20%, 25%.
A União
Africana tem o Pida [Programa para Desenvolvimento de Infraestrutura na África,
na sigla em inglês], que é um projeto de rodovias, eletricidade e transporte
que permita à África se integrar mais. É um projeto ambicioso, com previsão de
término até 2020, 2025. Já foram investidos mais de 60 bilhões de dólares. Já
estão começando a construir.
Já a
questão do poder, é um problema que a África tem, a África está construindo sua
democracia. A existência de países onde os governos são democráticos é muito
maior se for comparada com 20 anos atrás. É incomparável. O processo de
construção da democracia é demorado. A África tem participação eleitoral
altíssima, 70%, 80% da população, diferente dos EUA e dos países europeus, onde
cerca de 30% da população votam. É uma democracia alquebrada, um pouco cansada.
Isso é um processo de construção. Entre os presidentes que eu entrevistei, existe
uma consciência muito grande da importância da democracia. Existe na sociedade
uma compreensão de que o único caminho para a África, o caminho seguro,
responsável, eficaz, é a democracia.
Mas as pessoas vão dizer que há países em que o presidente está no poder há 20, 30 anos. Eu entrevistei o presidente de Angola, José Eduardo Santos, e perguntei se ele não achava que estava há muito tempo no poder. Ele disse: acho que é muito tempo, preferia não estar, mas tivemos uma guerra civil de 27 anos, não dava para fazer eleições. E ele foi reeleito em 2012, democraticamente. Na Europa, por exemplo, Angela Merkel acabou de conquistar o terceiro mandato, democraticamente. Quando, na África, há uma duração muito longa de um governo, todo mundo discute isso. Nesses países, é inevitável.
OM: O senhor entrevistou o ex-presidente do Egito Mohamed Mursi depois de ele ser eleito, mas antes de ser deposto. Ele é acusado de ser extremamente centralizador e de tentar “islamizar” a Constituição. Qual a sua impressão sobre ele e o atual momento do Egito?
Mas as pessoas vão dizer que há países em que o presidente está no poder há 20, 30 anos. Eu entrevistei o presidente de Angola, José Eduardo Santos, e perguntei se ele não achava que estava há muito tempo no poder. Ele disse: acho que é muito tempo, preferia não estar, mas tivemos uma guerra civil de 27 anos, não dava para fazer eleições. E ele foi reeleito em 2012, democraticamente. Na Europa, por exemplo, Angela Merkel acabou de conquistar o terceiro mandato, democraticamente. Quando, na África, há uma duração muito longa de um governo, todo mundo discute isso. Nesses países, é inevitável.
OM: O senhor entrevistou o ex-presidente do Egito Mohamed Mursi depois de ele ser eleito, mas antes de ser deposto. Ele é acusado de ser extremamente centralizador e de tentar “islamizar” a Constituição. Qual a sua impressão sobre ele e o atual momento do Egito?
FM: Tive
uma impressão muito boa do presidente Mursi, que foi deposto. Ele foi eleito,
conquistou maioria dos votos do povo egípcio. O problema é que acho que faltou
habilidade política a ele, compreensão da tensão interna para estender mais a
mão para a oposição.
O maior
erro que aconteceu no Egito foi dos setores da oposição que não aceitaram o
resultado das eleições, alegando que estavam debaixo de um regime islâmico. Se
era ou não, foi o povo que decidiu. Chegaram ao ponto de pedir às Forças
Armadas que dessem um golpe para tomar o poder e elas deram. O pedido foi
atendido. Essa parcela, que se diz democrática, não aceitou a derrota nas
urnas. Talvez o que ocorreu no Egito possa mostrar a muitas correntes laicas no
futuro que elas erraram.
Estou
seguro que, dentro de poucos anos, grande parte desses setores estará
arrependida de ter contribuído com um golpe de Estado sanguinolento - fizeram
barbaridades com os seguidores de Mursi - e que lançou o Egito numa noite de
trevas pior do que tinha sido no período do Mubarak.
OM: Além
de Mursi, o senhor também entrevistou outro líder importante de um país que
passou pela chamada Primavera Árabe, Moncef Marzouki, da Tunísia. Como o senhor
vê o país depois da revolução?
FM: Tanto
o Egito quanto a Tunísia passaram por momentos ricos que afastaram ditaduras.
No Egito, produziu-se essa situação de retorno à ditadura. Na Tunísia, houve a
percepção muito aguda da necessidade de uma cooperação entre os dois lados.
O próprio
presidente Marzouki diz que governa um país com duas dimensões: islâmica e
mediterrânea. Elas têm que coexistir e têm que ser levadas em conta. O país não
conseguirá se entender se uma das dimensões sufocar a outra. É necessário
entender que existe uma dimensão mediterrânea que tem que ser levada em conta,
mesmo se o lado islâmico tiver ganhado as eleições.
A Tunísia
não é só um país islâmico, é um país mediterrâneo, onde os pobres são
fundamentalmente islâmicos - aspiram a um governo que, de alguma forma, se
apoie nas leis de Islã - enquanto que a classe média e outros setores querem
governos e constituições mais laicas. Na Tunísia, isso é mais forte e levou a
uma composição das duas partes, embora sempre ameaçada.No Egito, infelizmente,
o pensamento islâmico majoritário não estabeleceu acordos com a oposição.
OM: Qual
foi a entrevista que o senhor mais gostou de fazer?
FM:
Gostei muito de todos os presidentes. Não estou sendo diplomático. Por exemplo,
o presidente José Eduardo dos Santos não dá uma entrevista longa há mais de dez
anos e foi uma entrevista de uma hora, uma entrevista rica. A entrevista com o
presidente [Jacob] Zuma [da África do Sul] também foi riquíssima. O presidente
do Congo também não dava uma entrevista há uns cinco ou seis anos e foi muito
interessante, de um país fundamental da África com muita conexão com o Brasil,
um grande fornecedor de escravos na época da colônia. Mas também Nigéria, Gana,
Etiópia foram muito interessantes.
As
entrevistas como um conjunto mostram uma coisa: uma geração de líderes
africanos, presidentes de seus países, que estão preparados para olhar em
frente, em um momento crucial para a África.
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