8 novembro 2013, Centro de Pesquisas do Genoma
Humano e Células-Tronco http://genoma.ib.usp.br (Brasil)
Uma vacina brasileira contra o
vírus HIV, causador da Aids, começará a ser testada em macacos no segundo
semestre deste ano. Com duração prevista de 24 meses, os experimentos têm o
objetivo de encontrar o método de imunização mais eficaz para ser usado em
humanos. Concluída essa fase, e se houver financiamento suficiente, poderão ter
início os primeiros ensaios clínicos.
Denominado HIVBr18, o imunizante
foi desenvolvido e patenteado pelos pesquisadores da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP) Edecio Cunha Neto, Jorge Kalil e Simone
Fonseca. Atualmente, o projeto é conduzido no âmbito do Instituto de
Investigação em Imunologia, um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia
(INCTs), um programa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI),
apoiado pela FAPESP no Estado de São Paulo.
O trabalho teve início em 2001, com
apoio de um Auxílio Regular sob a coordenação de Cunha Neto. Em
parceria com Kalil, o pesquisador analisou o sistema imunológico de um grupo
especial de portadores do vírus que mantinham o HIV sob controle por mais tempo
e demoravam para adoecer. No sangue dessas pessoas, a quantidade de linfócitos
T do tipo CD4 – o principal alvo do HIV – permanecia mais elevada que o normal.
“Já se sabia que as células TCD4
são responsáveis por acionar os linfócitos T do tipo CD8, produtores de toxinas
que matam as células infectadas. As TCD4 acionam também os linfócitos B,
produtores de anticorpos. Mas estudos posteriores mostraram que um tipo
específico de linfócito TCD4 poderia também ter ação citotóxica sobre as
células infectadas. Os portadores de HIV que tinham as TCD4 citotóxicas
conseguiam manter a quantidade de vírus sob controle na fase crônica da
doença”,
contou Cunha Neto.
Os pesquisadores então isolaram
pequenos pedaços de proteínas das áreas mais preservadas do vírus HIV – aquelas
que se mantêm estáveis em quase todas as cepas. Com auxílio de um programa de
computador, selecionaram os peptídeos que tinham mais chance de serem
reconhecidos pelos linfócitos TCD4 da maioria dos pacientes. Os 18 peptídeos
escolhidos foram recriados em laboratório e codificados dentro de um plasmídeo
– uma molécula circular de DNA.
Testes in vitro feitos com
amostras de sangue de 32 portadores de HIV com condições genéticas e
imunológicas bastante variadas mostraram que, em mais de 90% dos casos, pelo
menos um dos peptídeos foi reconhecido pelas células TCD4. Em 40% dos casos,
mais de cinco peptídeos foram identificados. Os resultados foram divulgados em
2006 na revista Aids.
Em outro experimento divulgado em
2010 na PLoSOne,
em parceria com Daniela Rosa, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e
Susan Ribeiro, da FMUSP, os peptídeos foram administrados a camundongos
geneticamente modificados para expressar moléculas do sistema imunológico
humano. Nesse caso, 16 dos 18 peptídeos foram reconhecidos e ativaram tanto os
linfócitos TCD4 como os TCD8.
“Fizemos o experimento com quatro
grupos de camundongos. Cada um expressava um tipo diferente da molécula HLA
(sigla da expressão em inglês para Antígenos Leucocitários Humanos), que está
diretamente envolvida com o reconhecimento do vírus”, contou Cunha Neto.
O grupo então desenvolveu uma nova
versão da vacina com elementos conservados de todos os subtipos do HIV do grupo
principal, chamado grupo M, que mostrou-se capaz de induzir respostas imunes
contra fragmentos de todos os subtipos testados até o momento. O trabalho foi
conduzido durante o doutorado de Rafael Ribeiro.
“Os resultados sugerem que uma
única vacina poderia, em tese, ser usada em diversas regiões do mundo, onde
diferentes subtipos do HIV são prevalentes”, afirmou Cunha Neto.
No teste mais recente, feito com
camundongos e ainda não publicado, os pesquisadores avaliaram a capacidade
dessa nova vacina de reduzir a carga viral no organismo. “O HIV normalmente não
infecta camundongos, então nós pegamos um vírus chamado vaccinia – que é
aparentado do causador da varíola – e colocamos dentro dele antígenos do HIV”,
contou Cunha Neto.
Nos animais imunizados com a
vacina, a quantidade do vírus modificado encontrada foi 50 vezes menor que a do
grupo controle. Agora estão sendo realizados experimentos para descobrir se, de
fato, a destruição viral aconteceu por causa da ativação das células TCD4
citotóxicas.
“Vamos imunizar um camundongo e
injetar o vírus modificado. Em seguida, separaremos os linfócitos produzidos e
injetaremos em um segundo animal apenas as células TCD4. Um terceiro animal
receberá apenas as células TCD8. Depois esses dois animais que receberam os
linfócitos com o vírus modificado serão infectados – e um terceiro receberá
apenas placebo – para podermos ver qual organismo é capaz de combater melhor o
vírus”, explicou Cunha Neto.
Os cientistas estimam que, no
estágio atual de desenvolvimento, a vacina não eliminaria totalmente o vírus do
organismo, mas poderia manter a carga viral reduzida ao ponto de a pessoa
infectada não desenvolver a imunodeficiência e não transmitir o vírus.
Segundo Cunha Neto, a HIVBr18
também poderia ser usada para fortalecer o efeito de outras vacinas contra a
Aids, como a desenvolvida pelo grupo do imunologista Michel Nussenzweig, da
Rockefeller University, de Nova York, feita com uma proteína do HIV chamada
gp140.
“Em um experimento conduzido pela
pesquisadora Daniela Rosa, observamos que a pré-imunização com a HIVBr18
melhora a resposta à vacina feita com a proteína recombinante do envelope do
HIV gp140, que é a responsável pela entrada do vírus nas células. Uma vacina
capaz de induzir a produção de anticorpos contra essa proteína poderia bloquear
a infecção pelo HIV”, disse Cunha Neto.
Macacos Rhesus
A última etapa do teste pré-clínico
será realizada na colônia de macacos Rhesus do Instituto Butantan – uma
parceria que envolve as pesquisadoras Susan Ribeiro, Elizabeth Valentini e
Vania Mattaraia. A vantagem de fazer testes em primatas é a semelhança com o
sistema imunológico humano e o fato de eles serem suscetíveis ao SIV, vírus que
deu origem ao HIV.
“Nosso objetivo é testar diversos
métodos de imunização para selecionar aquele capaz de induzir a resposta imunológica
mais forte e então poder testá-lo em humanos. Além da vacina de DNA
originalmente criada, vamos colocar os nossos peptídeos dentro de outros vírus
vacinais, como o adenovírus de chimpanzé, vacina da febre amarela ou o MVA, e
selecionar a melhor combinação de vetores”, afirmou Cunha Neto.
Há dados que mostram, por exemplo,
que a vacina com adenovírus recombinante contendo os mesmos 18 fragmentos do
HIV em camundongos induz uma resposta imunológica de maior magnitude que a
vacina de DNA.
Segundo Cunha Neto, o objetivo é
verificar não apenas qual é a formulação que mais ativa os linfócitos TCD4
citotóxicos como também a que mais auxilia a resposta de linfócitos TCD8 e a
produção de anticorpos contra a proteína gp140, do envelope do vírus.
O ensaio clínico de fase 1 deverá
abranger uma população saudável e com baixo risco de contrair o HIV, que será
acompanhada de perto por vários anos. Nesse primeiro momento, além de avaliar a
segurança do imunizante, o objetivo é verificar a magnitude da resposta imune
que ele é capaz de desencadear e por quanto tempo os anticorpos permanecem no
organismo.
Se a HIVBr18 for bem-sucedida nessa
primeira etapa da fase clínica, poderá despertar interesse comercial. A
esperança dos cientistas é atrair investidores privados, uma vez que o custo
estimado para chegar até terceira fase dos testes clínicos é de R$ 250 milhões.
Até o momento, somando o financiamento da FAPESP e do governo federal, foi
investido cerca de R$ 1 milhão no projeto.
Karina
Toledo – Agência FAPESP
http://agencia.fapesp.br/17655
Nenhum comentário:
Postar um comentário