31 outubro 2013, ODiário.info http://www.odiario.info (Portugal)
Para Obama há uma causa premente – a China. A
África é a história de êxito da China. Onde os americanos trazem drones, os
chineses constroem estradas, pontes e barragens. O que os chineses querem é
recursos, especialmente combustíveis fósseis. O bombardeamento da Líbia pela
NATO expulsou 30 mil trabalhadores chineses da indústria petrolífera. Mais do
que o jihadismo ou o Irão, a China é agora a obsessão de Washington na África e
para além dela.
Países
são “peças num jogo de xadrez sobre o qual está a ser efectuado um grande jogo
para a dominação do mundo”, escreveu Lord Curzon, vice-rei da Índia, em 1898.
Nada mudou. O massacre no centro comercial em Nairobi foi uma fachada sangrenta
por trás da qual uma invasão em grande escala da África e uma guerra na Ásia
constituem o grande jogo.
Os
assassinos do centro comercial al-Shabaab vieram da Somália. Se algum país é
uma metáfora, este é a Somália. Partilhando uma língua e religião comuns, os
somalis foram divididos entre os britânicos, franceses, italianos e etíopes.
Dezenas de milhares de pessoas foram passadas de uma potência para outra.
“Quando se faz com que se odeiem entre si”, escreveu um responsável colonial
britânico, “a boa governação está assegurada”.
Hoje, a
Somália é um parque temático (theme park) de divisões artificiais brutais, um
país há muito empobrecido pelos programas de “ajustamento estrutural” do Banco
Mundial e FMI e saturado de armas modernas, nomeadamente aquela da preferência
pessoal do presidente Obama: o drone.
O único governo estável somali, o dos
Tribunais Islâmicos, era “bem aceite pelo povo nas áreas que controlava”,
relata o US Congressional Research Service, ” [mas] recebia cobertura negativa
da imprensa, especialmente no Ocidente”. Obama esmagou-o e em Janeiro, Hillary
Clinton, então secretária de Estado, apresentou o seu homem ao mundo. “A Somália
permanecerá grata pelo apoio resoluto do governo dos Estados Unidos”,
rejubilou-se o presidente Hassan Mohamud, “obrigado América”.
A
atrocidade do centro comercial foi uma resposta a isto – assim como o ataque às
Torres Gémeas e as bombas de Londres foram reacções explícitas contra a invasão
e a injustiça . Outrora de pouca importância, agora o jihadismo marcha em
uníssono com o retorno do imperialismo descarado.
Desde que
em 2011 a NATO reduziu a Líbia moderna a um estado hobbesiano, os últimos
obstáculos para [o avanço sobre] a África caíram. “Disputas por energia,
minerais e terra fértil provavelmente ocorrerão com intensidade crescente”,
relatam planeadores do Ministério da Defesa. Eles prevêem “números elevados de
baixas civis”, portanto “percepções de legitimidade moral serão importantes
para o êxito”. Sensível ao problema de RP de invadir um continente, o mamute
das armas, a BAE Systems, juntamente com o Barclays Capital e a BP advertem que
“o governo deveria definir sua missão internacional como administradores de
risco em nome dos cidadãos britânicos”. O cinismo é letal. Governos britânicos
são reiteradamente advertidos, nada menos que pelo comité de inteligência e
segurança parlamentar, que aventuras estrangeiras chamam por retaliações em
casa.
Com o
mínimo de interesse dos media, o US African Command (Africom) instalou tropas
em 35 países africanos, estabelecendo uma rede familiar de pedintes
autoritários ansiosos por subornos e armamentos. Em jogo de guerra, uma
doutrina “soldado por soldado” embebe oficiais dos EUA em todos os níveis de
comando, desde o general até o primeiro-sargento. Os britânicos fizeram o mesmo
na Índia. É como se a orgulhosa história de libertação da África, desde Patrice
Lumumba até Nelson Mandela, fosse remetida ao esquecimento pelos mestres de uma
nova elite colonial negra cuja “missão histórica”, advertiu Frantz Fanon meio
século atrás, é a subjugação do seu próprio povo para a causa de “um
capitalismo desenfreado embora camuflado”. A referência também é adequada ao
Filho da África na Casa Branca.
Para
Obama, há uma causa mais premente – a China. A África é a história de êxito da
China. Onde os americanos trazem drones, os chineses constroem estradas, pontes
e barragens. O que os chineses querem é recursos, especialmente combustíveis
fósseis. O bombardeamento da Líbia pela NATO expulsou 30 mil trabalhadores
chineses da indústria petrolífera. Mais do que o jihadismo ou o Irão, a China é
agora a obsessão de Washington na África e para além dela. Isto é uma “política”
como o “eixo para a Ásia”, cuja ameaça de guerra mundial pode ser tão grande
como qualquer outra na era moderna.
A reunião
desta semana em Tóquio do secretário de Estado John Kerry e o secretário da
Defesa Chuck Hagel com os seus homólogos japoneses acelerou a perspectiva de
guerra com o novo rival imperial. Sessenta por cento das forças navais dos EUA
estão para serem baseadas na Ásia em 2020, tendo a China como objectivo. O
Japão está a rearmar-se rapidamente sob o governo de direita do primeiro-ministro
Shinzo Abe, que chegou ao poder em Dezembro com uma promessa de construir uma
“nova e forte força militar” e contornar a “constituição pacífica”. Um sistema
de mísseis antibalísticos dos EUA e Japão, próximo de Quioto, é dirigido à
China. Utilizando drones Global Hawk de longo alcance, os EUA aumentaram
drasticamente suas provocações nos mares a Leste e ao Sul da China, onde Japão
e China disputam a propriedade das ilhas Senkaku/Diaoyu. Aviões avançados de
descolagem vertical agora estão instalados no Japão; o seu propósito é a guerra
relâmpago (blitzkrieg).
Na ilha
de Guam, no Pacífico, a partir da qual os B-52s atacavam o Vietname, a maior
concentração militar desde as guerras da Indochina inclui 9.000 Fuzileiros
Navais dos EUA. Na Austrália esta semana, uma feira de armas e um festival
(jamboree) militar que divertiu grande parte de Sidney, está em consonância com
uma campanha de propaganda do governo para justificar uma concentração militar
sem precedentes desde Perth até Darwin, apontada à China. A vasta base
estado-unidense em Pine Gap, próxima de Alice Springs, é, como revelou Edward
Snowden, um centro de espionagem dos EUA na região e para além dela; e também
crítico para os assassinatos de Obama à escala mundial através de drones.
“Temos de
informar os britânicos para mantê-los do nosso lado”, disse certa vez um
secretário de Estado assistente dos EUA, McGeorge Bundy, [ao passo que] “vocês
na Austrália estão connosco, aconteça o que acontecer”. Forças australianas
desde há muito desempenham um papel mercenário para Washington. Contudo, há uma
dificuldade. A China é a maior parceira comercial da Austrália e em grande
parte foi graças a ela que a Austrália escapou à recessão de 2008. Sem a China,
não haveria boom de minérios: nenhum rendimento mineiro de mais de mil milhões
de dólares por semana.
Os perigos
que isto apresenta raramente são debatidos em público na Austrália, onde o
patrão do primeiro-ministro Tony Abbott, Rupert Murdoch, controla 70 por cento
da imprensa. Ocasionalmente, manifesta-se ansiedade sobre a “opção” que os EUA
querem que a Austrália faça. Um relatório do Australian Strategic Policy
Institute adverte que quaisquer planos dos EUA para atacar a China envolveriam
“cegar” a vigilância chinesa, seus sistemas de inteligência e comando. Isto
“consequentemente aumentaria as possibilidades de antecipação nuclear chinesa…
e uma série de erros de cálculo de ambos os lados se Pequim perceber ataques
convencionais à sua terra natal como uma tentativa de desarmar sua capacidade
nuclear”.
No seu
discurso ao país do mês passado, Obama disse: “O que torna a América diferente,
o que nos torna excepcionais, é que nos dedicamos a actuar”.
O original encontra-se em
johnpilger.com/articles/old-game-new-obsession-new-enemy-now-its-china
Este
artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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