Portal do MST / 31 agosto 2007 / http://www.mst.org.br
Por Juliano Domingues
O Plebiscito Popular que ocorre durante a semana da pátria entre os dias 1º e 7 de setembro é antes de tudo, um exercício de democracia na qual impera a vontade do povo. O evento, entre outros pontos, discutirá a validade da privatização da Companhia Vale do Rio Doce.
A Vale foi leiloada em 1997, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), sob o pretexto de pagar a dívida pública do país, fato que não se deu. A companhia foi vendida por R$ 3 bilhões, valor três vezes menor do que a empresa valia na época. Tudo indica que a venda da Vale do Rio Doce atendeu aos interesses de bancos e instituições estrangeiras, pois estas entidades – que participaram do processo de avaliação prévia da empresa – hoje se tornaram seus principais acionistas.
Esses e outros fatos justificam a existência de mais de 100 ações judiciais em decurso, encaminhadas ao Tribunal Regional Federal de Brasília (TRF) que questionam a validade do leilão da empresa. Em entrevista, o integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stedile, fala da importância do Plebiscito para refletir sobre questões pontuais para o desenvolvimento soberano e sustentável do país.
Entrevista originalmente publicada na Radioagencia NP
Como o plebiscito pode ajudar a despertar o senso critico das pessoas?
João Pedro Stedile: Em primeiro lugar o Plebiscito Popular é uma ação cívica muito importante porque a Constituição de 1988 garantia ao povo brasileiro o poder de tomar todas as decisões relativas a sua vida. Por isso que o artigo 1° da Constituição diz o seguinte: todo poder emana do povo. No entanto, os deputados ao regulamentar esse artigo traíram o povo e colocaram uma emenda que é anticonstitucional porque delega aos deputados o deito de decidir o que o povo pode decidir, o que é por si só uma contradição berrante contra o legítimo direito do povo de ser consultado.
Porque o governo FHC não tinha o direito de privatizar a Vale?
João Pedro Stedile: A Vale do Rio Doce tinha concessões públicas sobre a maior parte das reservas minerais que são um patrimônio público. Tinha a concessão de amplas extensões do nosso território, somente ao redor da reserva mineral de Carajás havia uma concessão de 700 mil hectares de Floresta Amazônica. A Vale do Rio Doce tinha concessão das três maiores ferrovias, a que liga Carajás a São Luiz, Belo Horizonte a Vitória e uma outra que liga o interior de Sergipe ao porto de Sergipe; ela também tinha concessão de três portos. Todas essas obras não eram propriedades da empresa, foram construídas com dinheiro público, de orçamento da União nos ministérios, portanto não cabia serem privatizadas. A Vale não se constituía em uma empresa comercial de propriedade do Estado, era na verdade uma empresa pública pertencente ao patrimônio de todo o povo. Por essa razão é que jamais o governo FHC teria o direito de vender uma coisa que não era dele, mas sim do povo.
Porque o Plebiscito representa uma grande pedagogia de massas?
João Pedro Stedile: Os movimentos sociais, as entidades, as pastorais, ao exercitarem esse direito de opinião sobre qualquer assunto, mesmo que ele não tenha força de Lei, representa uma grande lição de democracia e um exercício da vontade popular, na qual organizações representativas do povo organizam o plebiscito para que o próprio povo se manifeste. E por essa razão que o plebiscito popular, que agora vai perguntar ao povo sobre a Vale, se transforma então numa grande pedagogia de massas, para que o povo vá aprendendo que ele tem o direito de decidir.
Como o Plebiscito contribui para democratizar a informação sobre assuntos relativos às decisões políticas tomadas no país?
João Pedro Stedile: Já antes da realização do leilão, juristas e advogados entraram com mais de 100 ações contestando o direito e fazer o leilão. Infelizmente na época, tanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ), como o Supremo Tribunal Federal (STF), eram totalmente coniventes com os interesses do governo Fernando Henrique e o leilão somente pode se dar sob a condição de liminares dadas na calada da noite. O plebiscito popular sobre a vale permite então esse exercício, de levar esse tipo de informação ao conhecimento de toda população, já que os meios de comunicação massivos, financiados por polpudas verbas de publicidade negam ao povo o direito ao conhecimento dessas informações.
Qual o posição do governo Lula frente a esse processo?
João Pedro Stedile: O governo Lula, de certa forma, interrompeu as privatizações das empresas estatais, mas não mudou a política neoliberal baseada na garantia de um enorme superávit primário que significa que o governo Lula transfere aos bancos na forma de pagamento de juros, 30% de todos os recursos recolhidos nas formas de impostos. É daí que surge mais uma pergunta que também vai ser debatida, se o governo tem o direito de pegar o dinheiro que é público e transferir para os bancos na forma de pagamento de uma dívida interna que nunca é paga, muito pelo contrário, que está aumentando ano a ano.
Qual o tamanho do prejuízo da manutenção dessa dívida?
João Pedro Stedile: O governo Lula está pagando em média R$ 180 bilhões [por ano] em juros com dinheiro público. Quando o governo assumiu em janeiro de 2003, a dívida interna federal era de aproximadamente de R$ 600 bilhões. Nós pagamos nesses quatro anos quase R$ 600 bilhões e, no entanto, a dívida pulou para um trilhão e cem. Então é evidente que o mecanismo da dívida e superávit primário é apenas uma medida de política monetária que os bancos impõem ao governo. E o governo Lula, apesar de eleito com ampla maioria dos votos, não tem tido força política e nem vontade política para mudar esse quadro.
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