Díli, 25 setembro 2007 - Uma coligação de organizações e cidadãos timorenses manifestou-se hoje contra a primeira audiência pública em Timor-Leste da Comissão da Verdade e Amizade (KKP) indonésia, considerando que o actual processo "promove a impunidade".
"Só estão a promover a impunidade e a promover generais indonésios que cometeram crimes contra a humanidade", declarou o responsável do Centro de Documentação da antiga Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação timorense (CAVR), José Caetano.
A KKP foi criada entre a Indonésia e Timor-Leste para analisar os acontecimentos violentos no território em 1999.
As audiências em Díli prolongam-se por três dias, nas antigas instalações da CAVR, na Comarca de Balide, uma antiga prisão colonial associada à repressão e à tortura.
José Caetano, funcionário do secretariado técnico pós-CAVR, e outros activistas timorenses ouvidos pela Lusa criticaram o facto de o primeiro-ministro, Xanana Gusmão, ter testemunhado perante a KKP à porta fechada, na segunda-feira.
José Caetano recordou que Xanana Gusmão testemunhou em público perante a CAVR, cujo mandato se estendeu de 2002 a 2005.
"Desta vez, se chamaram audiência ao seu testemunho, devia ter sido pública também. Em segundo lugar, não acredito que houvesse informação sensível que explicasse o segredo", acrescentou José Caetano.
"Deve ter sido um testemunho político", disse.
José Caetano salientou que, como membro da CAVR, ouviu "milhares de vozes das vítimas", ao longo de mais de oito mil entrevistas feitas pela Comissão timorense sobre os 24 anos de ocupação indonésia.
"Muita gente chorou neste local, que foi um sítio de tortura e sofrimento" e, por isso, José Caetano e outros activistas recusaram-se hoje a entrar na Comarca de Balide.
"Os líderes falharam com a Justiça e estão a brincar com as vítimas e com o passado", acusou também o documentarista da CAVR.
"Estão a mentir ao povo. Não reflectem sobre o passado nem sobre a História de Timor-Leste", denunciou.
"O povo contribuiu para a verdade. Os líderes não. Apenas vão para onde sopra o vento", declarou ainda José Caetano.
"Parece-me que é uma discriminação contra as vítimas" da violência, considerou Charles Scheiner, um dos responsáveis da organização timorense La'o Hamutuk.
"Xanana Gusmão escolheu testemunhar à porta fechada enquanto que as vítimas, que são as mais vulneráveis, falam sempre em público", comentou Charles Scheiner.
O responsável da La'o Hamutuk afirmou que "as audiências da KKP são completamente irrelevantes".
"A KKP não está a fazer nenhuma investigação nova, está só a usar investigações anteriores. Os testemunhos de Habibie (ex-Presidente indonésio) e Wiranto (ex-comandante das Forças Armadas Indonésias) e os outros, são mentiras. Como podem surgir revelações?", interroga Charles Scheiner.
José Caetano recordou que o relatório final da CAVR, "Chega!", entregue ao Parlamento em 2005, não teve seguimento na Justiça.
"Depois da independência, os timorenses esperavam ter Justiça. Não concordo com os líderes quando dizem que a independência é uma espécie de Justiça", disse.
"Nós precisamos de justiça, não de amnistia para os culpados na Indonésia ou em Timor-Leste", declarou José Caetano.
"Sem verdade e Justiça, não há amizade" entre os dois países, concluiu.
"É óbvio pelo seu mandato e pelo seu desempenho que a KKP não é um mecanismo credível para a procura de justiça nem sequer da verdade sobre os acontecimentos em Timor-Leste em 1999, muito menos entre 1975 e 1999", acusou, em Maio, uma coligação de mais de 30 organizações timorenses e internacionais.
"Desde a sua criação, a KKP tem muitos problemas, incluindo falta de legitimidade, ausência de qualquer método claro para análise de provas existentes sobre a violência de 1999, sérias deficiências nas audiências públicas, falta de transparência e clareza", acusou a carta aberta, assinada por várias das organizações que hoje se manifestaram na Comarca de Balide. (Notícias Lusófonas)
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