sexta-feira, 14 de setembro de 2007

As alternativas energéticas ameaçam o futuro

Leonardo Boff *

Adital / 12 setembro 2007

Pertence aos que se dedicam ao pensamento, refletir sobre os destinos da sociedade em que vivem e, ousadamente, também sobre os destinos do planeta e da humanidade. Digo isso a propósito do novo estado da Terra produzido pelo aquecimento global, a esta altura irrefreável. A grande maioria não se dá conta das conseqüências que advirão de tal verificação empiricamente comprovada.

A primeira constatação que importa fazer é: o aquecimento precisa ser qualificado. Não basta dizer que é andrópico; vale dizer produzido pelo ser humano. Que ser humano? Pelos índios, pelos esquimós? Precisamos dizer com todas as letras: o aquecimento foi produzido por aquela porção de homens que introduziram a produção industrial já há três séculos, aceleraram o consumo energético, inventaram a tecno-ciência que agride ecossistemas (ecologia ambiental), indutora de uma perversa desigualdade social (ecologia social) e devastadora do planeta como um todo (ecologia integral) e projetaram a cultura do consumo ilimitado (ecologia mental). Hoje são corporações industriais globalizadas, gigantes da bioquímica e do agro-negócio e instituições afins. São eles que mais poluem (só os USA 25%) e que mais resistem às mudanças paradigmáticas. Se eles não se alfabetizarem ecologicamente e não mudarem o rumo do mundo poderão levar a biosfera para um impasse desastroso.

A segunda constatação, por mais desafiadora que seja, é singelamente esta: como está não dá mais para continuar. Somos obrigados, se queremos salvar o planeta e a humanidade, a imaginar e a inventar um outro modo de conviver, de produzir para toda a comunidade de vida, de distribuir os bens necessários, de consumir responsável e solidariamente e de tratar os dejetos. Precisamos, como enfatiza a Carta da Terra, de "um modo sustentável de viver" porque o vigente, como foi comprovado matematicamente, não é mais sustentável para 2/3 da humanidade. Isto quer dizer: todas as alternativas energéticas que se estão tomando na construção de uma Arca de Noé salvadora do sistema imperante, escamoteiam o cerne da questão. Elas, tomadas em si, não nos salvarão do dilúvio. Dentro de dezenas de anos vão mostrar sua ineficácia o que vai provocar a maldição da humanidade sobre a nossa geração. Dir-se-á: "vocês foram alertados e sabiam, mas preferiram a cegueira voluntária e a nossa perdição para garantir o curso que lhes dava vantagens".

O memorando Bush-Lula prevê uma produção massiva de etanol seja de cana (Brasil) seja de milho (USA). Atualmente o Brasil produz 17,5 bilhões de litros de álcool. Com a utilização de 90 milhões de hectares agricultáveis poderá chegar a produzir 110 bilhões, podendo controlar 50% do mercado mundial. É incompleta a afirmação que é uma energia limpa. É limpa apenas no uso em carros. Mas em seu processo de produção é poluente porque inclui os fertilizantes, o transporte, a estocagem, as máquinas e a liberação de nitrogênio que contamina poderosamente as águas e, transformado em ácido nítrico, produz chuvas ácidas, danosas para as florestas. Oxalá não ocorra no Brasil o que ocorreu na Malásia: 87% de desflorestamento, expulsões de camponeses e terras roubadas à produção de alimentos.

Para nos salvar importa redesenhar todo o processo produtivo, adequado a cada ecossistema, valorizando tudo o que a humanidade inventou para sobreviver, dos sistemas agropastoris e agroecológicos até à moderna nanotecnologia com sua imensa possibilidade de resfriar o planeta.

* Teólogo e professor emérito de ética da UERJ

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=29475

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