quarta-feira, 15 de maio de 2013

Brasil/HORA DE SE CONHECER A VERDADE



14 maio 2013, Vermelho http://www.vermelho.org.br (Brasil)

Depois de quase 36 anos e meio da morte do Presidente João Goulart (6 de dezembro de 1976), a Comissão Nacional da Verdade e o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul decidiram, finalmente, exumar o corpo do herdeiro político de Getúlio Vargas. Muitos devem estar dizendo, antes tarde do que nunca.

Por
Mário Augusto Jakobskind*, no Direto da Redação

 

Mas não se pode esquecer que logo após a morte de Jango, as autoridades brasileiras e argentinas se recusaram a fazer a autopsia. Por que será?

Há fortes indícios de que Jango foi mesmo assassinado com a troca de remédios. Embora deva ser considerado louvável a inicativa da Comissão Nacional da Verdade, não se pode garantir que depois de tanto tempo a exumação seja considerada conclusiva.

Como se sabe, há testemunhas, como a do ex-agente da repressão uruguaia, Mario Barreiro, que conta com detalhes como ocorreu a troca de remédios que teria provocado a morte do Presidente.

Vale ainda lembrar que recentemente a Justiça argentina – Jango morreu em Las Mercedes, na Argentina – tinha solicitado às autoridades brasileiras que fosse feita a exumação. O pedido não foi respondido, o que só agora acontecerá graças a Comissão da Verdade.

É preciso também que a Comissão procure esclarecer com precisão o que poucas semanas antes da morte de Jango foi fazer no Uruguai (Jango ainda estava lá) o famigerado delegado Sérgio Fleury, que recebeu grandes elogios por parte do então deputado estadual pela Arena de São Paulo, José Maria Marin, atual presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) .

Da mesma forma que Jango, ainda falta esclarecer em definitivo a morte de Juscelino Kubitschek em acidente de carro na Rio-São Paulo em que o motorista, segundo denúncias, teria sido baleado, fato não investigado como deveria.

O terceiro participante da Frente Ampla, Carlos Lacerda, segundo denúncias, ingressou em um hospital para cuidar do agravamento de uma gripe e acabou morrendo.

Os três naquele momento de 1976, em função da carência de lideranças civis de envergadura nacional, poderiam, em caso de uma abertura, ser eleitos por voto popular, algo que os generais de plantão não conseguiam. Sempre foram biônicos.

Eleger Jango, JK ou mesmo Lacerda naquele momento era tudo que o general de plantão da ocasião (Ernesto Geisel) e seu “mago”, o Coronel Golbery do Couto e Silva, não queriam. Temiam perder o controle da propalada abertura lenta e gradual, que nunca passou de uma peça de marketing do sistema que agonizava.

A extrema direita, a das bombas e atentados praticados, muitas vezes com o objetivo de incriminar a esquerda, tentava também à sua maneira manter o regime ditatorial.

Para conhecer tudo o que aconteceu naquele período é preciso também lembrar fatos e contextualizá-los. É preciso não esquecer da política econômica praticada pelos governos ditatoriais, responsáveis em grande medida pela redução do poder aquisitivo dos assalariados, resultando na perda de qualidade de vida de amplas parcelas da população.

Tudo isso faz parte de um todo que derivou na dura repressão praticada por agentes do Estado brasileiro, que obedeciam ordens superiores, mas agiam de forma mais realista do que o rei, como acontece em regimes do tipo implantado a partir de 1964.

A Comissão Nacional da Verdade tem a missão histórica de mostrar aos brasileiros tudo isso com detalhes.

Audiência pública
Na audiência pública com militares perseguidos pelo regime ditatorial, realizada na ABI no sábado (4), muitas histórias sobre o setor apareceram, uma delas, por exemplo, a de oficiais que se recusaram a participar de uma ação para derrubar o avião de Jango, a chamada Operação Mosquito, em 1961.

Acabaram cassados e presos depois do golpe de 64. Foi uma das primeiras vinganças contra militares legalistas praticadas pelos militares golpistas cooptados pelo Departamento de Estado norte-americano que se apossaram do poder.

Na mesma audiência, Luis Claudio Monteiro da Silva contou que foi preso, torturado e expulso dos quadros do Exército porque foi pego no alojamento lendo um artigo elogioso a Darcy Ribeiro. E, pasmem, isso aconteceu na década de 1980. Além de ter sido interrompido o seu sonho de se tornar militar, Luis Claudio até hoje guarda sequelas das torturas.

Quem assistiu a histórica sessão da Comissão da Verdade foi informado também que cerca de 7.500 militares foram punidos pelos golpistas de 1964.

A perseguição chegou a tal ponto que até hoje muitos militares de escalões inferiores, como cabos e sargentos, continuam sem ser anistiados. Tanto eles como oficiais, legalistas e nacionalistas, que defendiam a legalidade, seguem sendo tratados como parias quando vão a alguma repartição militar.

A história desses militares precisa ser conhecida pelos brasileiros em todos detalhes. Espera-se que Comissão da Verdade cumpra com a missão histórica. O primeiro passo nesse sentido foi dado com a Audiência Pública.


*Correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE




------------ Mesmo assunto

Goulart foi morto a pedido do Brasil, diz ex-agente uruguaio
27 janeiro 2008, Folha de São Paulo

Jango morreu envenenado, afirma Mario Neira Barreiro

Sérgio Fleury teria dado a ordem para o assassinato
Presidente deposto teria dito aos agentes que sabia da espionagem: "Sei que estão me vigiando, mas não sou inimigo de vocês"

SIMONE IGLESIAS

DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

Preso desde 2003 na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (RS), o ex-agente do serviço de inteligência do governo uruguaio Mario Neira Barreiro, 54, disse em entrevista exclusiva à Folha que espionou durante quatro anos o presidente João Goulart (1918-1976), o Jango, e que ele foi morto por envenenamento a pedido do governo brasileiro.

Jango morreu em 6 de dezembro de 1976, na Argentina, oficialmente de ataque cardíaco. Ele governou o Brasil de 1961 até ser deposto por um golpe militar em 31 de março de 1964, quando foi para o exílio. À Folha Barreiro deu detalhes da operação da qual participou e que teria causado a morte de Jango. Segundo o ex-agente, Jango não morreu de ataque cardíaco, mas envenenado, após ter sido vigiado 24 horas por dia de 1973 a 1976.

Barreiro disse que Sérgio Paranhos Fleury (que morreu em 1979), à época delegado do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) de São Paulo, era a ligação entre a inteligência uruguaia e o governo brasileiro. A ordem para que Jango fosse morto partiu de Fleury, em reunião no Uruguai com dois comandantes que chefiavam a "equipe Centauro" -grupo integrado por Barreiro que monitorava Jango. O Uruguai mantinha uma outra equipe de vigilância, a Antares, para monitorar Leonel Brizola.

As escutas, feitas e transcritas por Barreiro, teriam servido de motivo para matar Jango. Mas, segundo o ex-agente (que tinha o codinome de tenente Tamúz), o conteúdo das conversas não era grave: tratavam da vontade de Jango de voltar ao Brasil, de críticas ao regime militar e de assuntos domésticos. Barreiro afirmou que interpretações "erradas e exageradas" do governo brasileiro levaram ao assassinato.

Segundo o uruguaio, a autorização para que isso ocorresse partiu do então presidente Ernesto Geisel (1908-1996) e foi transmitida a Fleury, que acertou com o serviço de inteligência do Uruguai os detalhes da operação, chamada Escorpião -que teria sido acompanhada e financiada pela CIA (agência de inteligência americana).

O plano consistia em pôr comprimidos envenenados nos frascos dos medicamentos que Jango tomava para o coração: o efeito seria semelhante a um ataque cardíaco. As cápsulas envenenadas eram misturadas aos remédios no Hotel Liberty, em Buenos Aires, onde morava a família de Jango, na fazenda de Maldonado e no porta-luvas de seu carro. Barreiro não exibiu provas e disse que o caso era discutido pessoalmente.  http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif

FOLHA - Qual era o interesse do Uruguai em vigiar Jango?
MARIO NEIRA BARREIRO
- Após o golpe no Brasil, o serviço de inteligência do governo do Uruguai se viu obrigado a cooperar porque era totalmente dependente do Brasil. Goulart, para nós, era uma pessoa que não tinha nenhuma importância.

FOLHA - Quando passou a vigiá-lo?
BARREIRO
- Eu o monitorei de meados de 1973 até sua morte, em 6 de dezembro de 1976. Monitorei tudo o que falava através do telefone, de escuta ambiental e em lugares públicos.

FOLHA - O sr. colocou microfones na casa? Como ouvia as conversas?
BARREIRO
- Estive na fazenda de Maldonado para colocar uma estação repetidora que captava sinais dos microfones de dentro da casa e retransmitia para nós. Esta estação repetidora foi colocada numa caixa de força que havia na fazenda. Aproveitamos essa fonte de energia para alimentar os aparelhos eletrônicos e para ampliar as escutas. Isso possibilitava que ouvíssemos as conversas a 10, 12 km de distância. Ficávamos no hipódromo de Maldonado ouvindo o que Jango falava.

FOLHA - Alguma vez falou com ele?
BARREIRO
- Sim. Eu e um colega estávamos vigiando a fazenda, fingindo que um pneu da camionete estava furado. Ele nos viu e veio até nós caminhando e fumando. Perguntou se precisávamos de ajuda. Estava frio e ele nos convidou para tomar um café. Eu pensei: "Ou ele é muito burro ou muito bom". Ele me convidou para entrar na fazenda. Meu colega não quis ir.

Depois que fiz um lanche e tomei o café, eu disse: "Desculpa, senhor, qual é o seu nome?". Ele me olhou e disse: "Mas como, rapaz, tu não sabes quem sou eu? Tu estás me vigiando. Acha que sou bobo? Fui presidente do Brasil porque sou burro? Estou te convidando para minha fazenda porque não tenho nada a esconder. Sei que estão me vigiando, mas não sou inimigo de vocês". Eu disse que ele estava enganado, me fiz de bobo, mas ele era inteligente.

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