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maio 2013, Carta Maior http://www.cartamaior.com.br
(Brasil)
Documentos do regime militar brasileiro analisados pela Carta Maior revelam a extrema preocupação que a ditadura tinha com a igreja progressista e com sua suposta vinculação ao “Movimento Comunista Internacional”.
Vinicius Mansur e Rafael Santos*
Brasília – Um documento de 1981 do Serviço Nacional de Informações
(SNI), órgão de inteligência da ditadura militar brasileira, relata que o
“padre progressista Luiz Fachini” era “uma das cabeças pensantes do PT”,
acusado “por setores do empresariado de Joinvile [SC]” de ser “comunista e
subversivo”. Na descrição de suas atividades, o órgão aponta: “ele organiza as
comunidades de base, pastorais da terra e operária, a defesa dos direitos
humanos e as feiras de hortas comunitárias”.
Outro documento do órgão, de 1983, registra que Ivo José Kreutz, pároco da igreja de Itaqui (RS), foi a um programa da Rádio Itaqui, em abril de 1972, e à Assembleia Geral dos Padres da Diocese de Santiago (RS) “que contou com a presença de padres progressistas e esquerdistas”.
Segundo o SNI, “suas ideias
socializantes e sua postura contrariam a Revolução de 64 e predispõem uma
inconveniência na sua participação como cotista de um meio de comunicação”.Outro documento do órgão, de 1983, registra que Ivo José Kreutz, pároco da igreja de Itaqui (RS), foi a um programa da Rádio Itaqui, em abril de 1972, e à Assembleia Geral dos Padres da Diocese de Santiago (RS) “que contou com a presença de padres progressistas e esquerdistas”.
Assim como estes dois documentos, dezenas de outros encontrados pela pesquisa de Carta Maior no sistema do Arquivo Nacional demonstram o monitoramento sistemático e paranoico da chamada ala progressista da Igreja por parte do regime militar.
Segundo o presidente do Centro de Estudos em História da Igreja na América Latina (CEHILA-Brasil), Sergio Coutinho, o regime militar entendia todos os setores da Igreja que optaram pelos mais pobres como integrantes de uma suposta orquestração internacional comunista. “Esses grupos da Igreja tinham como projeto a defesa dos direitos humanos, dos mais pobres, de uma sociedade mais participativa. Mas, ainda existe em muitos setores da Igreja e da sociedade a ideia de que foi a Igreja que radicalizou, que se ideologizou, como se fosse algo revolucionário no sentido de tomada de poder. Quem criou esses chavões foram os próprios militares”, opina.
Patrulha antes e depois da ditadura
São diversos os registros deixados pela patrulha ideológica. Um deles, de 1983, registra que o “padre progressista Albano Trinks”, professor de teologia da Universidade Católica de Goiás, apresentou em uma aula “um audiovisual que mostra a luta dos trabalhadores contra os patrões, criticando o sistema capitalista e atual situação econômica, política e psicossocial do país”.
Outro texto, feito pelo Centro de Informação e Segurança da Aeronáutica do Rio de Janeiro (CISA-RJ) afirma que os colégios ligados à Igreja Católica, “principalmente aqueles que, mediante os padres progressistas, introduziram as contradições marxistas que envolvem capital e trabalho nos assuntos religiosos”, estavam servindo para “aliciação dos estudantes”. Já um documento do SNI de 1983 registra que “constatou-se interferência da ideologia marxista” durante o Congresso Nacional das Federações dos Círculos Operários, em São Leopoldo (RS). “Através das articulações nos grupos de trabalhos, tentou introduzir diretrizes inspiradas na Teologia da Libertação”, informa.
Já outro registro deixado pelo SNI, em 1980, diz que no X Congresso da Associação de Educação Católica do Brasil “o tema Educação e Justiça foi habilmente conduzido”, sendo “a tônica dominante dos pronunciamentos” a “necessidade de desvincular-se do governo e classe dominante para desse modo a educação ser utilizada como instrumento social em benefício dos pobres”.
Outros dois documentos produzidos pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) demonstram que o monitoramento seguiu mesmo após o fim do regime militar. Um de 1990 salienta que o “padre progressista Marco Antonio Barbosa vem fazendo campanha aberta em favor do candidato a governador pelo PT, Plinio de Arruda Sampaio e para os candidatos a deputado Paulo Azevedo e José Zico”. Outro, de 1991, destaca a influência do clero progressista do Brasil na América Latina, salientando a eleição do padre Jean Bertrand Aristide para a presidência do Haiti.
Assassinato do Padre Henrique
Outros documentos já revelados pelas comissões da verdade Nacional e de Pernambuco buscam reconstruir a responsabilidade sobre o brutal assassinato de padre Henrique, em maio de 1969. O padre era auxiliar de Dom Helder Câmara e sua morte foi tida crime comum causado por toxicômanos (viciados em droga).
Os documentos trazidos à tona pelas comissões da verdade, entretanto, apontam que o crime foi político, tendo o governo militar manipulado a investigação do caso. Um informe do SNI revela que o assassinato foi feito por “jovens radicais da direita em co-autoria com investigadores da Polícia Civil de Pernambuco”. Os jovens seriam Rogério Matos do Nascimento e Jerônimo Gibson Duarte Rodrigues, com 17 anos na época e sobrinho de José Bartolomeu Lemos Gibson, promotor e delegado-diretor do Departamento de Investigação da SSP/PE. Os policiais envolvidos seriam Rível Rocha, já falecido e Humberto Serrano de Souza.
Para muitos historiadores, a morte de padre Henrique era uma forma de atingir Dom Helder Câmara. A nota emitida naquele momento pela Arquidiocese de Recife e Olinda, dirigida por Dom Helder, já assinalava que o crime “além dos requintes de perversidade de que se reveste (a vítima foi amarrada, golpeada no pescoço e recebeu três tiros na cabeça) é a certeza prática de que o atentado brutal se prende a uma série pré-estabelecida e objeto de ameaças e avisos”.
Segundo o historiador Sergio Coutinho, Dom Helder era persona non grata para os militares desde o início do regime. “Logo na primeira atividade dele [após o golpe militar], ele falou que não fecharia a porta da igreja para ninguém, que receberia todo mundo. E isso deixou os militares já bastante preocupados”, conta.
Coutinho relata que os militares tentaram de todas as formas invisibilizar o arcebispo. Através da censura, proibiram todos os meios de comunicação de publicar seu nome. “A ditadura interviu diretamente nas duas vezes em que ele foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, articulando-se com o poder de empresários, fabricando espécies de dossiês contrários a Dom Helder e o nome dele acabou não sendo escolhido”, acrescenta.
Os documentos encontrados pela reportagem no Arquivo Nacional mostram a preocupação do regime em monitorar Dom Helder. Um informe do SNI de 1983 afirma que o líder religioso “é muito admirado no Peru, tido como um profeta dos padres do Nordeste brasileiro”. Outro documento de 1976 destaca que “Dom Helder Pessoa Câmara e outros da ala progressista estão seguindo um plano de comunização das estruturas religiosas”. E conclui: “Isso leva a crer na criação de condições para formação de uma base de irradiação dos princípios da igreja progressista a serviço do Movimento Comunista Internacional”.
A reconstrução da memória
O secretário executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP/CNBB), Pedro Gontijo, informou que há um trabalho dentro da igreja para contribuir com a CNV, fomentar comissões locais e, assim, ajudar na reconstrução desse período sombrio da história brasileira. “Muito do perfil autoritário do Estado brasileiro atualmente tem no período de exceção fonte ou forte alimento. A luta por um estado democrático e a serviço da população passa pela ampla investigação e divulgação dessas informações”, defendeu.
Em 26 e 27 de junho, a CBJP realizará em Brasília o seminário internacional Memória e Compromisso, com o objetivo de reconstruir a participação dos cristãos nos processos de redemocratização e anistia política, com ênfase na experiência vivida no Brasil entre 1969 a 1988.
*Rafael Santos colaborou na pesquisa histórica
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