19 maio 2013, Pátria Latina http://www.patrialatina.com.br
(Brasil)
Um apaixonante debate na
Universidade de Columbia sobre a concentração dos meios de comunicação, o
acesso à informação e a liberdade de expressão, e seu reflexo distorcido nos
maiores jornais argentinos, contando inclusive com a participação de seus diretores
no debate. Stiglitz defendeu uma regulação estatal forte dos meios televisivos,
por meio dos quais o cidadão médio se informa, para assegurar a diversidade,
essencial para a democracia.
Por
Horacio Verbitsky, no Página/12
Sob o
título “Stiglitz preocupado com as estatísticas”, no Clarín, e “Stiglitz
advertiu sobre os riscos de não ter estatísticas adequadas”, em La Nación,
ambos os diários publicaram na semana passada um diálogo com jornalistas
argentinos, realizado em Nova York após a apresentação do Premio Nobel de
Economia na conferência sobre a liberdade de imprensa na Faculdade de
Jornalismo da Universidade de Columbia. Joseph Eugene Stiglitz disse a esses
jornalistas que “não se pode manejar a economia sem estatísticas corretas”. Em
troca, os dois jornais ignoraram o painel que Stiglitz compartilhou com o
funcionário do Banco Mundial, Sergio Jellinek, durante o qual manteve um
interessante diálogo com o secretário de redação do Clarín e diretor
jornalístico de seu Mestrado de Jornalismo, o filósofo Miguel Wiñazki.
Clarín
omitiu toda a menção à conferência de Stiglitz e La Nación disse que “defendeu
a competição no mercado de meios de comunicação e o acesso à informação, dois
elementos cruciais em uma democracia”. Sua conferência (que pode ser vista
aqui) foi de grande interesse. Clarín e La Nación limitaram suas crônicas às
exposições de intenso conteúdo político de seus próprios diretores, Ricardo
Kirschbaum e Héctor D’Amico, que não mostraram conhecimento sobre a lei
audiovisual.
Consequências
da concentração
Segundo
Stiglitz, o papel da imprensa é chamar a atenção sobre os abusos do mercado
financeiro contra os cidadãos e acerca da corrupção no setor público, que é
igual ou pior no setor privado. Disse que o fornecimento de informação era um
bem público, que, quando está disponível, beneficia a todos. Por isso, em
países como Noruega e Suécia se considera que por oferecer um serviço público
os meios devem ter apoio estatal. Pela mesma razão, acrescentou, as
consequências da concentração são piores na imprensa que em outros setores, já
que afeta “o mercado das ideias, que é fundamental para a democracia”.
Os
critérios antimonopólios devem ser mais estritos, do mesmo modo que ocorre na
área financeira. Como a televisão é o principal modo de acesso à informação dos
cidadãos que não leem jornais, aí “a concentração pode ser mais perniciosa que
em outras áreas”. Mencionou o mau exemplo da Itália, onde a concentração
televisiva chegou a colocar em dúvida seu caráter democrático. “Para que a
imprensa cumpra com seu papel, devem existir regulações competitivas muito
fortes”, disse. Para Stiglitz, os Estados Unidos são a mais desigual das sociedades
desenvolvidas. Essa desigualdade econômica é tão grande “que não é estranho que
se traduza também em desigualdade política, o que se reforça se os meios de
comunicação têm um alto grau de concentração”.
Além
disso, sustentou que em muitos países latino-americanos são especialmente
grandes o nível de concentração dos meios e as conexões entre a desigualdade
política e econômica, “com o que a imprensa é também um modo de sustentar a
desigualdade. A América Latina é a região do mundo com maior nível de
desigualdade e a concentração da imprensa desempenha um papel importante neste
processo”. Tanto os governos como as empresas tentam limitar o acesso à
informação, que a imprensa necessita para cumprir com seu papel. Stiglitz
enumerou distintas formas de restrição: os governos que “em todos os países”
usam seu controle da informação para negociar a cobertura; as leis
antiterroristas, como ocorreu na Islândia com a crise bancária; as leis de
difamação, que podem ser usadas para suprimir a liberdade de expressão e a
autocensura, que é a mais difícil de tratar. Exemplificou com a afirmação que
logo se revelou falsa de que o Iraque possuía armas de destruição em massa, o
que foi usado para justificar a guerra. “Era difícil encontrar uma cobertura
justa nos Estados Unidos. Era preciso ler a imprensa estrangeiram que não
recebia as influências oficiais que modelaram a cobertura do The New York
Times”, disse.
Diversidade
e propriedade
Jellinek
contou que há algum tempo o dono do principal diário da República Dominicana,
que também possui estações de rádio e televisão, disse que outros meios não
faziam falta já que “nós temos programas muito diversos, para mulheres,
crianças, de gastronomia”.
A
diversidade deve abarcar também a propriedade dos meios? – perguntou Jellinek.
- Sim. O
risco com a imprensa é que ainda que se separe a página editorial da de
notícias, é fácil que as duas se superponham. Para a democracia é fundamental a
diversidade de perspectivas – respondeu Stiglitz.
Do
público, Miguel Wiñazki pediu a palavra e perguntou:
- Dado
seu contato com o governo argentino e com a presidenta, qual é sua opinião
sobre o conflito com a imprensa argentina e seus efeitos sobre a economia?
- Não
tenho uma relação formal, mas viajo de tempos em tempos para a Argentina. É
sempre um país interessante, com uma sociedade civil muito ativa, gente que
discute muito e o governo que sempre impulsiona novas iniciativas. Não conheço
os detalhes do debate, mas pelo que li, o tema é a concentração da propriedade
dos meios de comunicação, segundo as linhas que descrevi em minha exposição –
respondeu sorridente.
Carlos
Winograd também fez uma pergunta. Ele já havia participado do painel anterior,
sobre a Argentina, junto com o diretor jornalístico do Clarín, Ricardo Kirschbauem,
e o secretário geral de redação do La Nación, Héctor D’Amico, e com o diretor
do CELS, Damián Loreti. O moderador deste painel, o jornalista John Dinges,
professor de Columbia, apresentou Winograd como pesquisador independente da
Faculdade de Economia de Paris e como ex-secretário de defesa da competição
(ele ocupou esse cargo no último governo radical, do presidente Fernando de la
Rúa). O que não disse, porque ninguém o informou, é que em 2009 Winograd foi
contratado por Cablevisión para argumentar que essa empresa do Grupo Clarín
havia cumprido com folgas as metas de investimentos e obras fixadas pela
Comissão Nacional de Defesa da Competição como condição para autorizar que se
fundisse com Multicanal, segundo informou o La Nación, em 14 de dezembro de
2009.
Esse dado
essencial tampouco foi mencionado nas crônicas da conferência que publicaram os
dois diários representados. Clarín mencionou Winograd como membro da Paris
School of Economics e o La Nación como ex-secretário de Defesa da Competição.
Consultado para esta nota, Dinges disse que agregaram Winograd ao painel no
último momento e sem informá-lo de seu contato com o grupo Clarín. Ou seja,
atuaram nos Estados Unidos tal como fazem na Argentina.
Criar a
competição
O
conteúdo da intervenção de Winogard antes de formular sua pergunta a Stiglitz
coincide com os argumentos do grupo Clarín para se opor à regulação
estabelecida na lei audiovisual. No painel anterior, ele disse que o Grupo
Clarín era o menor participante em uma competição global de empresas
multimídia, como Time Warner, Disney, Telefonica, News Corporation, O Globo e
Televisa e que a regulação prevista pela lei argentina era anacrônica porque
não contemplava as inovações tecnológicas; irracional, já que as concessões de
tv a cabo não são necessárias porque não ocupam espectro; excessivas porque sua
regulação se superpõe a da lei de defesa da competição, e inconsistente no
aspecto econômico, ao limitar a penetração a 35% da audiência, índice que
julgou inspirado nos 30% dos Estados Unidos. “Não inventamos a toda, mas
tampouco devemos copiar o que é equivocado, mesmo que venha do Norte”, afirmou.
A seu
juízo, a regulação tem que ser consistente com o avanço da tecnologia e prover
mais bens a menor custo para o consumidor. Em sua pergunta a Stiglitz, Winograd
voltou a mencionar as economias de escala, o tamanho dos países, a propriedade
cruzada e o impacto positivo da sinergia entre meios e expressou o temor de que
as regras gerais não pudessem se aplicar a todos os casos. Para assegurar a competição
no mercado das ideias, os meios de comunicação menores precisarão de apoio
público, mas os países menos desenvolvidos, com instituições débeis tenderão à
captura política do apoio público e, ao invés de promover a diversidade, pode
ocorrer o contrário, com mais vozes, mas parecidas, disse.
Stiglitz
respondeu que os benefícios da diversidade superavam os seus custos e que isso
devia ser incentivado na televisão. “Para o funcionamento da democracia, a
diversidade de perspectivas é essencial, não me preocupam pequenos aumentos de
custos. A resposta a sua preocupação pela dificuldade de manejar programas de
apoio em países subdesenvolvidos com instituições débeis, é fortalecer as
instituições”. Stiglitz também disse que os mercados podem não ser livres por
outras restrições, que não estatais, é que é preciso governo para que os
mercados sejam realmente livres. “Há países onde os mercados são chamados de
livres, mas não agem como tal, em distintas áreas, em especial nos meios de
comunicação. Por isso, defendo que é preciso uma forte intervenção estatal,
tanto regulatória como na outorga de licenças, inclusive criando competição de
forma proativa onde ela não existe”.
Para
Stiglitz, regulações com as dos Estados Unidos são justificadas. “Prefiro que o
governo tome uma posição forte, ainda que os meios não gostem. O melhor é que o
proprietário de um jornal poderoso não possa obter uma licença de televisão,
não por favoritismo nem discriminação, mas sim porque essas são as regras para
assegurar a diversidade. Isso ocorre em muitos países. Onde os governos não têm
uma posição forte, os meios podem perder credibilidade por não cumprir seu
papel críticos para conseguir uma concessão de televisão”.
O
presente ausente
Em sua
apresentação da mesa, Dinges lamentou os ataques oficiais aos meios e disse que
para defender-se praticam um jornalismo de trincheira, que não é o melhor para
a convivência democrática. Esclareceu que a situação atual era “incomparável
com a vivida durante a ditadura militar, quando o controle de imprensa era
feita pela via da ameaça e a realidade era a do cárcere e da morte. Agora há um
sistema constitucional”.
Também
explicou que organizações de defesa da liberdade de expressão destacaram com um
passo positivo a descriminalização dos delitos de calúnias e injúrias,
promulgada em 2009. O atual conflito, disse ainda, gira em torno da regulação
dos meios audiovisuais e precisou que as críticas não se dirigem somente à
cobertura de jornalistas e aos conteúdos, mas sim aos proprietários e acionistas
dos meios privados.
Clarín e
La Nación também foram econômicos com a intervenção do único dos quatro
painelistas sem vínculos de nenhum tipo com o grupo Clarín: Damián Loreti,
doutor em Ciências da Informação da Universidade Complutense de Madri e um dos
redatores da nova lei do audiovisual, como integrante da Coalizão por uma
Radiodifusão Democrática. Clarín só disse que “saiu em defesa da lei de meios
afirmando que no dia de sua aprovação havia 40 mil pessoas na frente do Senado
apoiando a nova lei dizendo que queriam mais liberdade de expressão, mais
meios”. Mas dedicou mais espaço à resposta de Kirschbaum, que desqualificou a
intenção política do governo e também as pessoas que apoiaram a lei, porque
queriam “punir os meios afetados por ela”. La Nación assinalou apenas que em
uma exposição de cunho técnico, Loreti disse que “Repórteres sem Fronteiras”
apoiou a nova lei, que ela foi aprovada com apoio de vários partidos e não só
pelo governo, e que ela segue princípios recomendados pela Unesco.
Foi muito
mais do que isso. Obrigado a dividir seu tempo para responder aos três
painelistas que defenderam a posição do Grupo Clarín, Loreti começou por
precisar que não é correto falar de lei de meios, já que ela não comtempla as
publicações gráficas. Kirschbaum exaltou em sua intervenção as manifestações
opositoras na ruas, onde segundo ele se defendeu a liberdade de expressão.
Wiñazki se queixou da coação que o governo estaria exercendo sobre os
jornalistas. Loreti lembrou que foi durante essas marchas opositoras que houve
jornalistas atingidos e maltratados nas ruas e que seis jornalistas foram
denunciados ante a justiça penal por suas informações e opiniões, o que o Grupo
Clarín qualificou como instigação a cometer delitos e coação agravada. Reconheceu
que a lei audiovisual não prevê uma perspectiva tecnológica de integração e
convergência, mas lembrou que o projeto original o contemplava e foi suprimido
pelo amplo rechaço de forças políticas e organizações setoriais.
Segundo
Loreti, a superposição de regulações é maior nos EUA. Sobre o pluralismo e a
diversidade que elas não podem ser medidas só em termos de competição, como
afirmou o Relatório de Liberdade de Expressão, da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, em seu informe de 2004: o Estado tem a obrigação de garantir
por meio a lei a pluralidade na propriedade dos meios, para evitar que
monopólios e oligopólios “conspirem contra a democracia ao restringir a
pluralidade e a diversidade que assegura o pleno exercício do direito da
liberdade de informação dos cidadãos”.
Para
isso, diz o relatório, “o direito de competição em muitas ocasiões pode
resultar insuficiente, particularmente quanto á definição das frequências
radioelétricas. Não se impede então a existência de um marco regulatório
antimonopólio que inclua normas que garantam a pluralidade atendendo a especial
natureza da liberdade de expressão”.
Também a
Unesco, em seus “Indicadores de pluralismo e diversidade”, de 2008, diz que a
questão dos monopólios e oligopólios que afetam a democracia não se reduz à
defesa da competição. Se a liberdade de expressão se vê comprometida, diz o
documento, “os Estados devem seguir quatro regras: rechaçar pedidos de licença
de quem já tem outras, rechaçar pedidos de fusão de quem tem mais de uma
licença, adotar regras de desinvestimento (a palavra “desinvestimento” não está
na lei argentina, mas sim nos indicadores da Unesco), e punir em caso de
descumprimento”, lembrou Loreti.
D’Amico
fez uma comparação irônica entre o Futebol para Todos (transmitido pela tv
pública argentina) e o Superbowl do futebol norteamericano, e disse que “os
meios têm a obrigação de ganhar dinheiro. A única maneira de ser independente é
ganhar dinheiro”. Em troca, Loreti destacou o processo de desconcentração de
conteúdos de interesse relevante disposto na lei argentina. “Para ver a
principal partida de futebol do domingo, era precisa pagar três vezes: a
assinatura do cabo, o serviço do decodificador e o pacote premium”.
*Horacio
Verbitsky é jornalista
Tradução:
Marco Aurélio Weissheimer, na Carta Maior
** Título
do Vermelho
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