17 junho 2013, Pátria Latina http://www.patrialatina.com.br
(Brasil)
Seria recomendável aos dirigentes políticos do
campo progressista afastar o risco de reproduzir aqui os erros da esquerda
espanhola que, inicialmente, criminalizou o 15-M e terminou falando sozinha nas
últimas eleições. Também seria recomendável não outorgar, de forma alguma, às
elites brasileiras uma capacidade de mobilização que ela não possui. Refutar a
ideia de que os jovens estão nas ruas em função da mídia ou de qualquer tipo de
conspiração das "elites" é o primeiro passo para não cair em um erro
elementar. Por Vinicius Wu.
Vinicius
Wu*
Carta Maior
A forma
menos adequada de buscarmos a compreensão de um fenômeno social complexo é a
simplificação. Não encontraremos uma única motivação para os recentes protestos
que se espalharam pelas principais cidades do país, se o procurarmos. Temos
questões mais gerais e universais ao lado de outros muitos temas locais e
setoriais. Há aspectos que aproximam os manifestantes de São Paulo aos do Rio e
de Porto alegre e, outros tantos, que os distanciam.
O papel
da internet e das redes sociais é central e, em geral, os políticos e
formadores de opinião não o tem compreendido minimamente. Buscar algum grau de
compreensão do atual fenômeno, a partir do ponto de vista de uma esquerda que
se coloca diante do dificílimo desafio de governar transformando, é o objetivo
desse breve artigo.
O que se
pode dizer preliminarmente é que estamos diante de uma expressão política do
novo Brasil. A revolução democrática, levada a termo pelos governos Lula,
redefiniu a estrutura de classes da sociedade brasileira, incluiu milhões de
brasileiros à sociedade de consumo e possibilitou a emergência de novas
expressões culturais e políticas. Mas o inédito processo de inclusão social e econômica
ainda é imperfeito, inconcluso e contraditório. As dinâmicas políticas
decorrentes do processo massivo de inclusão social em curso ainda são
imprevisíveis, mas algumas pistas são visíveis e exigem da esquerda brasileira
uma reflexão mais adensada.
As
conquistas sociais dos últimos anos vieram acompanhadas da despolitização da
política, de uma onda conservadora que constrange o Congresso Nacional e
paralisa os partidos de esquerda, distanciando, ainda mais, a juventude da
política tradicional. Lembremos que, recentemente, tivemos manifestações
espontâneas, em todo o país, contra a indicação de Marcos Feliciano à Comissão
de Direitos Humanos do Congresso Nacional. Na oportunidade, nenhum manifestante
propunha o fechamento do Congresso ou a criminalização dos políticos. E o que
fez nosso Parlamento enquanto Instituição? Nada. Esperou solenemente o
movimento se dispersar. Frente à onda conservadora que estimula a homofobia, o
racismo e a violência sexista, o que têm feito os partidos políticos? Os ruralistas
de sempre se organizam no Congresso Nacional para anular os direitos dos
indígenas e o que dizem nossos parlamentares progressistas?
Os dez
anos de governo de esquerda no país nos deixam um legado de grandes conquistas,
entretanto, há incerteza e imprecisão quanto aos próximos passos.
Demandas
históricas não atendidas carecem de respostas mais amplas. Além disso, novas
questões sempre se impõem num cenário de conquistas sociais e políticas. Pois,
se é verdade que os governos do PT incluíram milhões e possibilitaram acesso a
inúmeros serviços antes inacessíveis, também é verdade que temos, em diversas
áreas, serviços de baixa qualidade e, fundamentalmente, caros.
O
transporte nas grandes cidades é um drama cotidiano para milhões de
brasileiros. Temos pleno emprego em diversas regiões metropolitanas do país e,
no entanto, ainda temos um oceano de precariedade e informalidade. E aqueles
que ingressaram na sociedade de consumo nos últimos anos, legitimamente, querem
mais: anseiam por cultura, lazer, mais e melhores serviços, educação de
qualidade, saúde, segurança e transportes. São os efeitos colaterais de toda
experiência exitosa de redução das desigualdades sociais e econômicas.
Evidentemente,
há ainda o afastamento e o desencantamento com a política e os políticos. A
denominada "crise da representação" não é um conceito acadêmico
abstrato. O déficit de democracia e de legitimidade das Instituições políticas
colocam em xeque a capacidade dos atuais representantes em absorver e
compreender as novas dinâmicas sociais e políticas que se expressam nas ruas do
país. Nossa jovem democracia corre o risco de caducar precocemente, caso não
tenhamos êxito em ressignificá-la e reaproximá-la dos setores sociais mais
dinâmicos.
Essas
seriam algumas das questões mais gerais que aproximam os movimentos do Sul,
sudeste e nordeste. Mas há ainda temas locais que incidem sobre dinâmicas
especificas e mobilizam pessoas a partir de questões mais sensíveis a partir de
sua vivência concreta nos territórios.
O Rio de
Janeiro, por exemplo, se tornou uma das cidades mais caras do mundo. Há uma
reorganização em grande escala do espaço urbano e há setores sociais que se
sentem completamente alheios (e marginalizados) ao processo de
"modernização" da cidade. Em São Paulo, temos uma polícia orientada
para o uso desmedido e desproporcional da força e da violência – e isso não diz
respeito somente aos dias de protestos. Também há ali um tipo de violência
estrutural contra homossexuais e mulheres sem que o Poder Público organize
qualquer resposta mais contundente. Poderíamos estender a lista.
Por fim,
cumpre registrar que seria recomendável aos dirigentes políticos do campo
progressista afastar o risco de reproduzir aqui os erros da esquerda espanhola
que, inicialmente, criminalizou o 15-M e terminou falando sozinha nas últimas
eleições. Também seria recomendável não outorgar, de forma alguma, às elites
brasileiras uma capacidade de mobilização que ela não possui e jamais possuirá.
Refutar a ideia de que os jovens estão nas ruas em função da mídia ou de
qualquer tipo de conspiração das "elites" é o primeiro passo para não
cair em um erro elementar que seria bloquear qualquer possibilidade de dialogo
com esses novos movimentos.
Melhor
acreditar que é possível extrair do atual momento elementos para a renovação da
agenda da esquerda brasileira e reforçar os laços que unem os governos
progressistas da América Latina a todas as lutas contra as diversas formas de
privatização da vida. É hora de reforçarmos nossa capacidade de dialogo, de
escuta, e ouvir a voz nada rouca das ruas – a mesma que nossos adversários
sempre buscaram silenciar. Estamos diante de uma oportunidade singular para
renovarmos nossos discursos e nossas práticas, projetando o próximo passo da
Revolução Democrática no Brasil com base na força sempre renovadora das
mobilizações da juventude.
*Secretário-geral do governo do Estado do Rio
Grande do Sul
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