sábado, 20 de outubro de 2007

Timor-Leste/Vítimas confirmam agressão e parlamento aceita denúncia contra forças australianas

Dili, 20 outubro 2007 – As tres vítimas do espacancamento realizado por membros das forças de ocupação da Austrália, no dia 14 do corrente mês, emitiram um comunicado confirmando as denúncias apresentadas à polícia e ao parlamento de Timor-Leste.
No documento, os agredidos Abilio Fatima, Januario e Fernando repudiam as recentes declarações do comandante militar australiano que, em contradição com as provas e testemunhas apresentadas, nega a ocorrência da agressão. O comunicado foi tambem assinado pelas testemunhas Antonio “Mauliar” Barreto, Paulo Soares e Chiquito.

As vitimas e testemunhas acusam o comandante da força militar australiana de utilizar “argumentos falsos e mentiras para cobrirem actos criminosos contra as pessoas pequenas de Timor-Leste”.

No passado dia 18, um despacho da agência EFE informava que o comandante das tropas de ocupação, brigadeiro John Hutcheson, havia rechaçado as denúncias dos timorenses afirmando que “as acusações são totalmente falsas”. Hutcheson aproveitou a oportunidade para anunciar que os militares da Austrália irão permanecer em Timor-Leste. Esta declaração foi feita um dia depois de o ex-primeiro ministro Mari Alkatiri ter denunciado as constantes agressões das tropas australianas contra a população e exigido a retirada dos ocupantes.

Em comunicado divulgado no passado dia 17, a Frente Revolucionária de Timor-Leste (FRETILIN) informou que o deputado Antoninho Bianco havia encaminhado ao parlamento a queixa que Abílio de Fátima, 41, guarda da empresa Maubere Security, tinha apresentado à polícia.

De acordo com as declarações de Abílio de Fátima, no dia 14 de outubro, às 10.30 hs da noite, ele estava de serviço no armazém do Ministério da Segurança Social, em Kintal Bot, subúrbio de Dili, e conversava com alguns vizinhos, quando chegaram dois veículos transportando doze militares australianos. Seis deles sairam dos carros e deram ordens para que os timorenses parassem de conversar e abandonassem o local.

“O Sr Fátima explicou por intermédio de um intérprete de língua Tétum ligado aos soldados que estava de serviço, que patrulhas regulares da polícia nunca lhe tinham dado ordens para sair do seu posto, e perguntou porque é que os soldados estavam tão preocupados com civis comuns como ele em vez de com casos como o de Alfredo Reinado*, o soldado amotinado, e o seu grupo armado” --- diz o comunicado da FRETILIN.
Na sua informação ao parlamento, o deputado Antoninho Bianco informou que Abílio de Fátima alegou que, “depois de ter mencionado o Reinado, foi imediatamente agredido com os cabos das carabinas muitas vezes na cabeça, parte superior dos braços e costas, e depois mordido na parte de cima do braço direito pelo cão de guarda de um soldado. Dois dos seus vizinhos foram também atacados e fugiram para as suas casas, mas o Sr. Fátima permaneceu no seu posto”.
No dia seguinte, Abílio de Fátima foi ao parlamento informar os deputados da FRETILIN sobre a agressão sofrida. Em seguida, depois de receber tratamento no hospital, apresentou uma queixa no Quartel da Polícia, em Díli.

Durante o debate sobre a denúncia apresentada por Antoninho Bianco, o deputado Estanislau da Silva (FRETILIN) disse que devia ser avaliada a presença das forças australianas, incluindo os objetivos, efetivos e por quanto tempo. Referindo-se ao crescente descontentamento manifestado pela população, alertou que é necessário atuar para prevenir que isto ocorra, dado que temos uma história disto acontecer com exércitos ocupantes no passado”.

Francisco Branco, seu companheiro de bancada, disse que, mesmo no caso de a presença militar australiana vir a ser ratificada pelo parlamento, deverão ser investigados os oficiais que ordenaram operações violentas. Ele citou os casos de assassinatos de refugiados no campo situado nas proximidades do Aeroporto Internacional Nicolau Lobato e de cinco apoiantes do desertor Alfredo Reinado, em Same. Por sua vez, José teixeira, tambem da FRETILIN, exigiu que os militares australianos fiquem sob o comando das Nações Unidas.
No final do debates, deputados contrários à FRETILIN apoiaram um pedido para que seja feita uma investigação deste e de outros episódios de maus tratos praticados pelas forças australianas contra a população. Tambem ficou decidido que a comissão de Constituição, Direitos e Justiça deverá convocar os secretários de Defesa e Segurança para prestar informação sobre o comportamento destes militares em Timor-Leste.
O presidente José Ramos-Horta, que recebeu o Nobel da Paz em 1996, e o bispo Ximenes Belo, que com ele partilhou o mesmo prêmio, não se pronunciaram sobre as denúncias contra o comportamento violento das forças de ocupação australianas. O mesmo silêncio é mantido pelo atual primeiro-ministro de fato José Alexandre Gusmão. Tambem se mantêm calados os bispos Basílio do Nascimento, de Baucau, e Alberto Ricardo da Silva, de Díli, que apoiaram ativamente o sangrento golpe de estado contra o governo de Mari Alkatiri, em 2006. (Mercosul & CPLP)


*Alfredo Reinado é um militar desertor, formado na Austrália, que foi utilizado pelo então presidente José Alexandre Gusmão para desestabilizar o governo de Mari Alkatiri. Protegido por Gusmão, José Ramos-Horta e pelo governo australiano, este ex-major há mais de um ano deveria ter sido levado a julgamento pelo assassinato de militares durante o golpe de estado de 2006. Depois de uma breve passagem pela prisão de Becora, saiu em plena luz do dia sem ser molestado, com cerca de 50 detidos. As forças australianas e neozelandesas que guarneciam o local simplesmente desapareceram dois dias antes deste episódio. As posteriores ordens de prisão decretadas contra ele nunca foram efetivamente cumpridas nem pelas forças da ONU nem da Austrália. Cinco dos homens do seu grupo foram assassinados pelos australianos durante um simulacro de captura, ocorrido em Same, na madrugada de 4 de Março deste ano. (Mercosul & CPLP)

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