Júlio Cruz Neto/Enviado especial
Sobre as relações entre os dois países, o embaixador destaca o "volume enorme" do comércio bilateral e a "importância" dos investimentos brasileiros no país vizinho. Reconhece que a opinião pública argentina reclama quando empresas locais são adquiridas por capital brasileiro, mas frisa que o governo não tem nenhuma restrição, lembrando que Cristina disse que o empresariado nacional é bem-vindo. Leia a entrevista concedida à Agência Brasil em Buenos Aires.
Agência Brasil: O vice-presidente José Alencar disse que espera um fortalecimento das relações políticas e comerciais com a Argentina, ressaltando que Cristina Kirchner disse que o primeiro país visitado será o Brasil. Qual a expectativa do governo brasileiro para o mandato da presidente eleita?
Mauro Vieira: A relação entre Brasil e Argentina durante os governos Kirchner e Lula foi excelente e tenho certeza que isso vai continuar, ainda mais por ser um governo de continuidade. E porque acho que ela está convencida da importação da relação bilateral e da integração. Quando esteve com o presidente Lula [pouco antes de ser eleita], ela disse que seu desejo era manter esse nível e se possível melhorar.
ABr: O senhor fala em continuidade, mas muitos apontaram, às vésperas das eleições, que Cristina dava sinais de aproximação maior com os países do Norte, de uma política externa mais internacionalista. Como o governo brasileiro vê isso?
Vieira: Eu, pessoalmente, não vejo assim, e acho que o governo também não. Não acho que vá priorizar os países do Norte ou o G-7. Acho que ela vai priorizar a integração, e ela disse isso ao presidente Lula quando esteve no Brasil. A América do Sul é importante. Mas é evidente que a Argentina, como o Brasil, tem relações com todos os países, tem interesses em todos os pontos: com a Europa, a Espanha em particular, com Estados Unidos, que ninguém pode deixar de ter relações, com o Oriente, Japão, China...
ABr: O cineasta Fernando Solanas, que foi candidato à presidência da Argentina, disse que o Mercosul caminha num ritmo muito lento porque as resistências são muito fortes e que a integração regional não é prioritária para o presidente Kirchner, embora ele diga o contrário. Como o senhor vê isso?
Vieira: A posição oficial do governo não é essa, pelo contrário. Eles dão uma ênfase muito grande ao fortalecimento do Mercosul, priorizam mais o Mercosul do que a União Sul-Americana de Nações (Unasul).
ABr: Mas essa ênfase se transformou em ação nos últimos anos?
Vieira: Acho que sim, tanto que um dos instrumentos da recuperação econômica [da Argentina] é a construção de um superávit comercial sólido. E eles têm feito, é uma forma de financiamento interno. Isso, através do Mercosul, é indispensável. Nenhum dos membros pode prescindir do bloco para o comércio. Hoje, o comércio entre Brasil e Argentina é de um volume enorme. No ano passado, foi de US$ 20 bilhões. Acho que esse ano vai ultrapassar US$ 22 bilhões. Um crescimento de 10% em um ano é muitíssimo.
ABr: Como está a balança comercial?
Vieira: No último ano, o Brasil teve US$ 3,5 bilhões, aproximadamente, de superávit. Neste ano, de janeiro a julho, houve US$ 13,5 bilhões. Acho que, com segurança, dá para projetar US$ 22 bilhões. E continua um superávit para o Brasil, com pequena redução.
ABr: O superávit brasileiro vem crescendo. Não é possível que uma presidente eleita com votação tão expressiva (44,9%) e tanta expectativa de trazer melhorias sociais para o povo argentino possa tentar revertê-lo, como forma de incentivar a indústria nacional?
Vieira: Sem dúvida. E o presidente Lula concorda com isso. Ela já disse que para o Brasil, o bom é que a Argentina esteja forte, industrializada. É péssimo para a gente ter um país vizinho, um sócio tão importante numa situação de crise constante. Nós fizemos muitos gestos nesse sentindo, cooperamos. Nenhum país quer ter só superávit, o comércio exterior é uma avenida de duas mãos. Acho que a questão do comércio bilateral está muito bem encaminhada através de uma comissão bilateral de monitoramento de comércio, que funciona desde 2003. Mas o que vai ser muito importante nessa nova etapa são os investimentos brasileiros, que são muito grandes e são no setor produtivo, não especulativos, e vão promover aumento de exportações, como por exemplo o Grupo Camargo Corrêa, que tem aqui a maior empresa de cimento da Argentina, a Loma Negra.
ABr: Como o governo argentino tem visto as constantes aquisições de empresas argentinas por grupos brasileiros? E a sociedade argentina?
Vieira: A imprensa até diz "ah, outra empresa que se vai". Elas não vão, elas continuam aqui, foram apenas compradas. Algumas delas, inclusive, já eram controladas por capital externo. Mas o governo sempre recebeu muito bem os investimentos estrangeiros e brasileiros, em particular. A presidente eleita, quando esteve no Brasil, com 14 ou 15 dos maiores empresários brasileiros, disse que eram todos muito bem-vindos, que a Argentina é um bom lugar para investir.
ABr: Por falar em exportações, como está a situação do comércio de trigo? Houve uma época em que o governo argentino restringiu a exportação para evitar aumento de preço no mercado interno, o que obrigou os brasileiros a pagar um preço mais alto para comprar de outros países.
Vieira: A situação está se normalizando. O Brasil é um grande comprador de trigo da Argentina. Foi um tema que teve de ser negociado porque começaram a surgir interesses conflitivos, mas estão sendo negociados e estamos superando. Não é um problema grave, até porque se faltar trigo da Argentina, podemos comprar de outros lugares. Mas nos dirigimos, temos um esforço. Há um programa do governo federal chamado Programa de Substituição Competitiva das Importações, que é um esforço de concentrar nos países do Mercosul a compra dos produtos que temos de importar.
ABr: Um analista político argentino, Ricardo Rouvier, comentou recentemente que num governo Cristina Kirchner, a tendência da Argentina seria se direcionar para a Europa, fazendo uma ponte através do Brasil. E a Europa convidou recentemente o Brasil para uma parceria estratégica. O senhor tem conhecimento de alguma iniciativa do gênero, com a Argentina entrando nessa aproximação? Existe isso?
Vieira: Existe. O Mercosul negocia em bloco, com a União Européia, um acordo comercial. Essa questão de o Brasil ser sócio estratégico da União Européia não é comercial, é de concentração política, de ciência, tecnologia, educação etc. É um equívoco achar que o Brasil está se separando do Mercosul. Então, o que eu queria dizer é que a associação estratégica do Brasil com a União Européia não tem nada de comercial, e a Argentina não precisaria disso [usar o Brasil como ponte] porque ela já exporta muita coisa para a Europa. Ela se beneficiará, sim, de qualquer acordo feito em bloco através do Mercosul.
ABr: Qual o primeiro item da pauta bilateral com o novo governo argentino?
Vieira: A relação é tão densa, profunda que são muitos...
ABr: Mas qual o principal?
Vieira: A integração bilateral e dentro do Mercosul.
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/10/30/materia.2007-10-30.4292076765/view
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