Claudemiro Godoy do Nascimento *
Adital - A concentração de terras em mãos de poucos fazendeiros, sistema de propriedade rural que se denomina latifúndio, tem sido o maior entrave à justiça social no campo. Sua problemática confunde-se com os primórdios da agricultura, da formação da família patriarcal e com a substituição da propriedade comunal para a propriedade privada.
Reforma agrária é o termo empregado para designar o conjunto de medidas jurídico-econômicas que visam a desconcentração da propriedade privada de terras cultiváveis a fim de torná-las produtivas. Sua implantação tem como resultados o aumento da produção agrícola, a ampliação do mercado interno de um país e a melhoria do nível de vida das populações rurais.
O Brasil apresenta uma estrutura agrária em que convivem extensos latifúndios improdutivos, grandes monoculturas de exportação e milhões de trabalhadores rurais sem terra. A área média de pequenas propriedades não ultrapassa os vinte hectares e a população rural vive em péssimas condições de higiene e alimentação, o que resulta em elevados índices de mortalidade. Há regiões no país nas quais os processos de irrigação, fertilização e recuperação do solo são desconhecidas, o analfabetismo prevalece e quase inexistem escolas técnico-agrícolas.
O segundo princípio na qual a posse não garante a propriedade veda ao trabalhador rural o acesso a terra e propicia a formação de uma casta de latifundiários que se apossa das áreas rurais brasileiras. Na base da pirâmide social, uma vasta classe de despossuídos foi relegada a mais extrema miséria e teve suas reivindicações reprimidas sistematicamente com violência. Portanto, a concentração da propriedade rural no Brasil dá origem a uma vasta camada de trabalhadores sem terra o que evidencia um dilema da política fundiária porque o modelo de reforma agrária do país pode fracassar.
Em vários momentos, esta camada de trabalhadores rurais organizados pelos movimentos sociais do campo reaparece, de tempos em tempos, ocupando posto de pedágio, ocupações de prédios públicos e saqueando caminhões de comida no melhor exemplo do que já dizia Santo Tomás de Aquino: se estiveres com fome, tome-o do outro que possua com fartura. Nestas ações coletivas há uma forte denuncia dos governos, de FHC a Lula, por sua lentidão em promover as desapropriações para a criação de projetos de assentamentos de reforma agrária.
Depois de um período de trégua quando foram saindo dos noticiários ridículos da Rede Globo e da Veja que nem sequer conseguem diferenciar a diferença de conceito entre invasão e ocupação, os sem-terra retornam à cena pública e com os mesmos problemas, apesar de reconhecermos alguns progressos obtidos nos últimos anos por parte do governo. Mas os dois últimos governos tratam os sem-terras quase da mesma forma, com descaso, pois o modelo de reforma agrária é o mesmo.
De acordo com as pesquisas mais detalhadas sobre o tema, o sistema defendido pelo MST não é adotado pelo governo. O governo adota o oposto da concepção de reforma agrária defendido pelo MST. Geralmente, adota o modelo de reforma agrária sindical a partir dos interesses da CONTAG que se baseia na desapropriação e distribuição da terra em pequenos assentamentos que estão divididos em parcelas individuais. De um latifúndio para o minifúndio. Já o MST, mesmo que em alguns casos seja obrigado a assumir este modelo devido a fatores culturais, possui outro modelo de reforma agrária baseado no cooperativismo e no associativismo.
Tais assentamentos minifundiários possuem pouca chance de sobrevivência, já que caminham na contramão da História legitimando o modelo capitalista de individualização da propriedade privada. Sem competitividade no mercado nem estrutura para engrenar a produção, os pequenos assentados agricultores que ganham suas terras depois de tanta luta social e estão destinados ao fracasso e ao retorno da fila da exclusão. Daí vem a mídia elitista dizendo: Ta vendo, são vagabundos, não querem trabalham. Com isso, formam o imaginário social do povo brasileiro com tais preconceitos. O governo, a serviço dos grandes monopólios do capital, representantes da indústria agrícola, continua acreditando que este modelo de reforma agrária seja o ideal, pois não compromete questionarmos a existência da propriedade privada como fazem a CPT e o MST.
A reforma agrária brasileira, cujo modelo atual funciona há mais de vinte anos, tem sido usada em grande parte para mandar ou devolver para o campo os desempregados urbanos e legiões de excluídos da atividade rural pelos processos da chamada modernização da agricultura como bem demonstrou em 2006 a TV Globo com um documentário apologeta sobre o Brasil Rural. Na verdade, o Brasil Rural das grandes empresas de soja transgênicas e dos fazendeiros com seus milhares de cabeças nelores pastando em terras que poderiam ser realmente utilizadas para a plantação e para outro modelo de reforma agrária que abolisse a propriedade privada.
Várias pesquisas demonstram esta situação onde se percebe a existência de trabalhadores com profissões diversificadas. Recentemente, num pré-assentamento na região do Araguaia conheci um químico formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) que estava na luta pela terra. Encontra-se entre os assentados gente com várias profissões urbanas, como alfaiate, professores, militares, encanadores, bancários, caminhoneiros, entre outros, que muitas vezes não possuem intimidade com a terra e não lhes é oferecido nenhuma formação para que possam estar aprendendo novas formas de manejo com a terra. Outra situação que observamos pela experiência junto aos assentamentos de reforma agrária trata-se de que a maioria dos assentados possuem mais de 40 anos de idade, ultrapassando, portanto, aquele limite que costuma ser considerado um marco perverso da exclusão do emprego braçal, principalmente na grande cidade. Outra situação interessante é que grande parte dos assentados já foram anteriormente arrendatários, donos, meeiros ou parceiros na exploração da atividade agropecuária.
Há outros sinais concretos de que a reforma agrária brasileira funciona equivocadamente. Por exemplo: Apenas 1/5 dos que recebem terra conseguem gerar renda suficiente para se manter no campo. Outros abandonam a terra num período máximo de dez anos. O fenômeno do esvaziamento populacional no campo, aliás, é absolutamente natural e faz parte da história da maioria dos países desenvolvidos desse século. Nos Estados Unidos, restam apenas 1,5% da população trabalhando no campo. Na França, 6%. Mas isso custa bastante em termos de subsídios. No caso do Brasil, a massa que vai sendo derrotado pela tecnologia ganha o rótulo de excluída e acaba abastecendo iniciativas que parecem exigir que o planeta gire ao contrário. Como por exemplo, a própria reforma agrária pensada para realizar a inclusão social de sujeitos acaba transformando assentamentos num processo crescente de favelização rural.
Percebo apenas uma vantagem no modelo atual de luta pela terra e pela reforma agrária, a atuação de resistência do MST que continua atuando para organizar o povo para reivindicar, ocupar, resistir e produzir em comunhão, no espírito da partilha. Em contrapartida às dificuldades encontradas nos projetos de reforma agrária, existe no Brasil, principalmente nos estados do Sul (até mesmo por motivos culturais) o sucesso do modelo de cooperativas do MST. Em alguns casos, as cooperativas respondem por mais de 40% da produção nacional de determinada cultura. O grande problema é que para ligar uma coisa com a outra, se depende da familiaridade e da aptidão do assentado para o trabalho em união o que percebemos ser difícil acontecer nos assentamentos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Por isso, acredito, que a reforma agrária bem sucedida somente se efetivará com a total eliminação da propriedade privada.
claugnas@gmail.com
* Filósofo e Teólogo. Mestre em Educação pela Unicamp. Doutorando em Educação pela UnB. Pesquisador do Centro Transdisciplinar de Educação do Campo e Desenvolvimento Rural - CETEC/UnB.
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