2 agosto 2016, Tlaxcla http://www.tlaxcala-int.org (Mexico)
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Entrevista com Diana Johnstone, autora de "Hillary Clinton: Rainha
do Caos"
Translated
by Elissandro dos
Santos Santana
Diana
Johnstone é, talvez, uma das comentaristas da política europeia e estadunidense
mais reputada na esquerda. Colaboradora, entre outros, de Counterpunch,
Johnstone, tornou-se conhecida na Europa por suas críticas à política ocidental
durante as guerras nos Balcãs, acaba de publicar um livro sobre Hillary Clinton
que tem como título “Hillary Clinton: Rainha do caos”. A entrevistou para lamarea.com
Ángel Ferrero.
Os meios estadunidenses têm colocado sua atenção
nestas primárias em Donald Trump. Porém, em sua opinião, Hillary Clinton também
deveria ser motivo de preocupação. Tem-na descrito como “a rainha do caos”. Por
quê?
Trump consegue manchete por que é uma novidade, um homem midiático que
diz coisas polêmicas. É visto como um intruso em um espetáculo eleitoral
desenhado para transformar Clinton na “primeira mulher presidenta dos Estados
Unidos”. Por que a chamo de rainha do caos? Em primeiro lugar, por causa da
Líbia. Hillary foi, em grande medida, responsável pela guerra que afundou a
Líbia no caos, um caos que se estende até
o resto da África e, inclusive, da
Europa. Tem defendido mais guerra ao Oriente Médio.
Minha opinião não é que Hillary Clinton “também deveria” ser motivo de
preocupação. Ela é o principal motivo para preocupação. Clinton promete apoiar
mais a Israel contra os palestinos. Está totalmente comprometida com a aliança
de fato entre Arábia Saudita e Israel que tem como objetivo derrocar Assad,
fragmentar Síria e destruir a aliança xiita entre Irã, Assad e o Hezbollah.
Isto aumenta o risco de confronto militar com Rússia e Oriente Médio. Ao mesmo
tempo, Hillary Clinton defende uma política beligerante contra Rússia na
fronteira com a Ucrânia. Os meios de comunicação de massas no Ocidente se negam
a dar conta que muitos observadores sérios, como, por exemplo, John Pilger e
Ralph Nader, temem que Hillary Clinton nos conduza, sem adverti-los, à Terceira
Guerra Mundial.
Trump não se ajusta a este modelo. Com seus comentários grosseiros,
Trump se desvia, radicalmente, do padrão dos lugares comuns que ouvimos dos
políticos estadunidenses. Porém, os meios de comunicação estabelecidos têm sido
lentos em reconhecer que o povo estadunidense está completamente cansado de
políticos que se ajustam ao padrão. Esse padrão está personificado por Hillary
Clinton. Os meios de comunicação europeus têm apresentado Hillary Clinton como
a alternativa sensata e moderada ao bárbaro de Trump. No entanto, Trump, o
“bárbaro”, está a favor de reconstruir a infraestrutura do país em vez de
gastar o dinheiro em guerras no estrangeiro. É um empresário, não um idealista.
Trump afirmou, claramente, sua intenção de por fim à perigosa
demonização de Putin para desenvolver relações comerciais com Rússia, o que
seria positivo para os Estados Unidos, para a Europa e para a paz mundial.
Estranhamente, antes de decidir apresentar-se como republicano, para
consternação dos líderes do Partido Republicano, Trump era conhecido como
democrata e era a favor de políticas sociais relativamente progressistas, a
esquerda dos atuais republicanos ou, inclusive, Hillary Clinton.
Trump é imprescindível. Seu recente discurso em AIPAC, o principal lobby
pró-israelense, foi excessivamente hostil com o Irã, e em 2011 caiu na
propaganda que conduziu à guerra contra a Líbia, inclusive, sim, agora,
retrospectivamente, à crítica. É um lobo solitário e ninguém sabe quem são seus
assessores políticos, porém, há esperança de que lance fora da política aos
neoconservadores e intervencionistas liberais que têm dominado a política
exterior estadunidense nos últimos quinze anos.
Os assessores de Clinton destacam sua experiência, em particular, como
secretária de Estado. Muito se tem escrito acerca desta experiência e nem
sempre de maneira positiva. Qual foi seu papel na Líbia, Síria e Honduras?
Há duas coisas para dizer sobre a famosa experiência de Hillary Clinton.
A primeira é observar que sua experiência não é o motivo de sua candidatura,
mas, sim, a candidatura é o motivo de sua experiência. Em outras palavras,
Hillary não é candidata devido a que sua experiência maravilhosa tenha
inspirado ao povo escolhê-la como aspirante à presidência. É mais correto dizer
que acumulou esse currículo justamente para qualificar-se como presidente.
Durante aproximadamente 20 anos, a máquina clintonita que domina o
Partido Democrata planejou para que Hillary se transformasse na “Primeira
mulher presidenta dos Estados Unidos” e sua carreira foi desenhada com esse
propósito: em primeiro lugar, senadora de Nova Iorque, depois, secretária de
Estado.
O segundo diz respeito ao conteúdo e à qualidade dessa famosa
experiência. Tem se obstinado em demonstrar que é forte, que tem potencial para
ser presidenta. No Senado votou a favor da guerra do Iraque. Desenvolveu uma
relação muito próxima com o intervencionista mais radical de seus colegas, o
senador republicano pelo Arizona, John McCain. Uniu-se aos chauvinistas
religiosos republicanos para apoiar medidas para fazer com que queimar a
bandeira estadunidense fosse um crime federal. Como secretária de Estado
trabalhou com “neoconservadores” e, essencialmente, adotou uma política
neoconservadora utilizando o poder dos Estados Unidos para redesenhar o mundo.
No que diz respeito a Honduras, sua primeira importante tarefa como
secretária de Estado foi proporcionar cobertura diplomática para o golpe
militar de direitas que derrubou o presidente Manuel Zelaya. Desde então,
Honduras se transformou na capital com mais assassinatos do mundo. Com relação
à Líbia, persuadiu ao presidente Obama para derrubar o regime de Gaddafi
utilizando a doutrina de “responsabilidade para proteger” (R2P) como pretexto,
baseando-se em falsas informações. Bloqueou ativamente os esforços de governos
latino-americanos e africanos para mediar, e, inclusive previu os esforços da
inteligência militar estadunidense para negociar um compromisso que
possibilitasse a Gaddafi ceder o poder pacificamente.
Continuou essa mesma linha agressiva com a Síria, pressionando ao
presidente Obama para que incrementasse o apoio aos rebeldes anti-Assad e
inclusive para impor uma “zona de exclusão aérea” baseada no modelo líbio,
arriscando-se a uma guerra com a Rússia. Caso se examine com atenção, sua
“experiência” mais que qualifica-la ao posto de presidenta, desqualifica-a.
Como secretária de Estado, Clinton anunciou em 2012 uma “articulação” à
Ásia oriental na política exterior estadunidense. Que tipo de política nós
poderíamos esperar de Clinton em relação à China?
Basicamente, esta “articulação” significa um deslocamento do poder
militar estadunidense, em particular, naval, desde Europa e Oriente Médio ao
pacífico Ocidental. Supostamente, porque devido ao seu crescente poder
econômico, a China há de ser uma “ameaça” potencial em termos militares. A
“articulação” implica a criação de alianças antichinesas entre outros Estados
da região, o que com toda probabilidade incrementará as tensões, e cercando a
China com uma política militar agressiva a empurra efetivamente para uma
corrida armamentista. Hillary Clinton aposta em sua política e se chegasse à
presidência, a intensificaria.
Clinton disse em 2008 que Vladimir Putin não “tem alma”. Robert Kagan e
outros “intervencionistas liberais” que desempenharam um papel destacado na
crise da Ucrânia a apoiam. Sua política em direção a Rússia seria de um maior
enfrentamento que a dos outros candidatos?
Sua política seria claramente de um maior confronto em relação à Rússia
que as de Donald Trump. O oponente republicano de Trump, Ted Cruz, é um
fanático evangélico de extrema direita que seria tão prejudicial como Clinton,
ou, talvez, pior. Compartilha da mesma ideia semirreligiosa de Clinton no papel
“excepcional” dos Estados Unidos para modelar o mundo à sua imagem. Por outra
parte, Bernie Sanders se opôs à guerra do Iraque. Não tem falado muito de
política internacional, porém seu caráter razoável sugere que seria mais
sensato que qualquer dos demais.
Os assessores de Clinton tratam de destacar seu intento de reformar o
sistema sanitário estadunidense. Foi essa a intenção de reforma realmente um
avanço e tão importante como dizem que foi?
Em janeiro de 1993, poucos dias depois de assumir a presidência, Bill
Clinton mostrou sua intenção de promover a carreira política de sua esposa
nomeando-a presidenta de uma comissão especial para a reforma do sistema
nacional de saúde. O objetivo era levar a cabo um plano de cobertura sanitária,
baseado no que se denominou de “competitividade gestora” entre empresas
privadas. O diretor dessa comissão, Ira Magaziner, um assessor muito próximo de
Clinton, foi quem desenhou o plano. O papel de Hillary era vender politicamente
o plano, especialmente ao Congresso. E nisso fracassou por inteiro. O “plano
Clinton” de umas 1.342 páginas foi considerado demasiado complicado de entender
e a mediado de 1994 perdeu praticamente todo o apoio político. Finalmente,
encerrou-se no Congresso.
Respondendo à pregunta, o plano basicamente não era seu, mas de Ira
Magaziner. Como havia de depender das seguradoras particulares voltadas para o
benefício, como ocorre com o Obama Care, certamente não era um avanço, como é o
sistema universal que Bernie Sanders defende.
A campanha de Clinton recebeu notoriamente dinheiro de vários fundos de
rede. Como acredita que poderia determinar sua política econômica se consegue
chegar à Presidência?
Quando os Clinton abandonaram a Casa Branca, em janeiro de 2001, Hillary
Clinton lamentou estar “não somente quebrado, mas em dívida”. Isso mudou logo.
Falando figuradamente, os Clinton se mudaram da Casa Branca a Wall Street, da
presidência ao mundo das finanças. Os banqueiros de Wall Street compraram uma
segunda mansão para os Clinton no Estado de Nova Iorque (que se somou à que têm
em Washington DC) emprestando-lhes primeiro o dinheiro e, depois, pagando-lhes
milhões de dólares para dar palestras.
Suas amizades no setor bancário lhes permitiram criar uma fundação
familiar agora valorada em dois bilhões de dólares. Os fundos da campanha
procedem de fundos de investimento amigos que colaboraram de bom agrado. Sua
filha, Chelsea, trabalhou para um fundo de investimento antes de se casar com
Marc Mezvinsky, quem criou seu próprio fundo de investimento depois de
trabalhar para Goldman Sachs.
Em poucas palavras, os Clinton se submergiram por completo no mundo das
finanças, que se converteu em parte de sua família. É difícil imaginar que
Hillary se mostrasse tão ingrata como para levar a cabo políticas contrárias
aos interesses de sua família adotiva.
Diz-se que a política de identidade é outro dos pilares de sua campanha.
Quem apoia Clinton afirma que votando nela se quebrará o teto de vidro e
que, pela primeira vez na história, uma mulher entrará na Casa Branca. A partir
de vários meios, tens protestado contra esta interpretação.
Uma razão fundamental para que se desse a aliança de Wall Street com os
Clinton é que os autoproclamados “novos democratas” encabeçados por Bill
Clinton conseguiram mudar a ideologia do Partido democrata da identidade social
à igualdade de oportunidades. Em vez de lutar pelas políticas tradicionais do
novo acordo que tinham como objetivo incrementar os estandartes de vida da
maioria, os Clinton lutam pelos direitos das mulheres e das minorias a “ter
sucesso” individualmente, a “quebrar tetos de vidro”, avançar em suas carreiras
e enriquecer-se. Esta “política de identidade” quebrou a solidariedade da
classe trabalhadora, fazendo com que as pessoas se centrassem na identidade
étnica, racial ou sexual. É uma forma de política do “divida e vencerás”.
Hillary busca persuadir as mulheres mostrando-lhes que sua ambição é a
de todas elas e que votando nela, estão votando por elas mesmas e pelo sucesso
futuro. Este argumento parece funcionar melhor entre as mulheres de sua geração
que se identificaram com Hillary e simpatizaram com o apoio leal a seu marido,
apesar de seus flertes. Porém, a maioria das jovens estadunidenses não se deixa
levar por este argumento e busca motivos mais sólidos na hora de votar. As mulheres
deveriam trabalhar juntas pelas causas das mulheres, como, por exemplo, pelo
mesmo salário e pelo mesmo trabalho, ou a disponibilidade de orfanatos para as
mulheres trabalhadoras. Mas Hillary é uma pessoa, não uma causa, Não há nenhuma
prova de que as mulheres, em geral, tenham se beneficiado no passado por terem
uma rainha ou uma presidenta. E mais, ainda que a eleição de Barack Obama tenha
deixado os afro-americanos felizes por motivos simbólicos, a situação da
população afro-americana tem piorado.
Mulheres jovens, como Tulsi Gabbard ou Rosario Dawson, consideram que
colocar fim a um regime de guerras e mudanças de regime e proporcionar a todo o
mundo uma boa educação e saúde são critérios muito mais significativos na hora
de escolher um candidato.
Por que as minorias seguem apoiando Clinton em vez de apoiar a Sanders?
Está mudando. Hillary Clinton ganhou o voto negro nas primárias nos
Estados do sul profundo. Foi no começo da campanha, antes que Bernie fosse
conhecido. No sul profundo, muitos afro-americanos estavam desencantados porque
muitos deles estavam na prisão ou haviam estado na prisão, e a maioria de
votantes é de mulheres mais velhas que vão regularmente à igreja, onde escuta
os pregadores pró-Clinton, não o que se diz na internet.
No norte as coisas são diferentes, e a mensagem de Sanders está
conseguindo estender-se. O apoia a maior parte de intelectuais afro-americanos
e de afro-americanos do mundo do entretenimento. Esta é a primeira eleição
presidencial onde a internet desempenha papel chave. Especialmente a população
jovem que não confia nos meios de comunicação estabelecidos. É suficiente ler
os comentários dos leitores estadunidenses na internet para dar-se conta de que
Hillary Clinton é considerada amplamente como uma mentirosa, uma hipócrita, uma
belicista e um instrumento de Wall Street.
Como vês a campanha de Bernie Sanders? É vista como a esperança da
esquerda, porém, após a presidência de Obama também há certo ceticismo. Alguns
comentaristas sinalizaram seu apoio a intervenções militares estadunidenses no
passado.
À diferença de Obama, quem prometeu uma “mudança” vaga, Bernie Sanders é
bem concreto na hora de falar das mudanças que se tem que fazer na política
doméstica. E insiste em que ele sozinho não pode fazê-lo. Sua insistência no
fato de que se precisa de uma revolução política para conseguir suas metas está
realmente inspirando o movimento de massas que necessitaria. É suficientemente
experiente e teimoso para evitar que o partido o rapte como ocorreu com Obama.
Enquanto à política exterior, Sanders se opôs firmemente e, de maneira
racional, à guerra de 2003 no Iraque, porém como a maior parte da esquerda se
deixou levar pelos argumentos a favor das “guerras humanitárias”, como a
desastrosa destruição da Líbia.
Mas, este tipo de desastre tem começado a educar as pessoas e, talvez,
tenha servido de lição para o próprio Sanders. As pessoas podem aprender. Podem
ouvir entre os que lhe apoiam, a antibelicistas como a congressista Tulsi
Gabbard do Havaí, que apresentou sua demissão no Comitê Nacional Democrata para
apoiar Sanders. Há uma contradição óbvia entre o gasto militar e o programa de
Sanders para reconstruir EEUU. Sanders oferece uma maior esperança porque vem
com um movimento novo, jovem e entusiasta, enquanto Hillary vem com o complexo
militar-industrial e Trump vem com ele mesmo.
Atualmente vive na França. Como vê a situação no país? Que explica a
subida da Frente Nacional, paralelamente a outras forças da nova direita (ou
nacional-conservadoras)?
Os partidos estabelecidos seguem as mesmas políticas impopulares na
Europa e nos EUA e isso, naturalmente, leva o povo a buscar algo diferente. O
controle local dos serviços sociais se sacrifica a necessidade de “atrair
investidores”, em outras palavras, a dar ao capital financeiro a liberdade de
modelar sociedades, dependendo de suas opções de investimento. A desculpa é que
atraindo investidores se criarão empregos, porém isso não ocorre. Posto que a
chave destas políticas é romper com as barreiras nacionais para permitir ao capital
financeiro ganhar acesso, é normal que o povo vá aos chamados partidos
“nacionalistas” que asseguram querer restaurar a soberania nacional. Como na
Europa sobrevivem os fantasmas do nazismo, “soberania nacional” se confunde com
“nacionalismo”, e “nacionalismo” se equipara com guerra. Estas suposições fazem
com que o debate na esquerda seja impossível e termine favorecendo aos partidos
de direita, que não sofrem deste ódio ao Estado nacional.
Em vez de atuar com horror à direita, a esquerda necessita ver as
questões que afetam realmente o povo, com clareza.
No passado, tem criticado à esquerda (ou a uma parte considerável dela)
por apoiar as chamadas “intervenções humanitárias”. Que opina da “nova
esquerda” ou “nova nova esquerda” em países como Grécia e Espanha?
A propaganda neoliberal dominante justifica a intervenção militar por
motivos humanitários, para “proteger” o povo de “ditadores”. Esta propaganda
teve muito êxito, especialmente, na esquerda, onde, com frequência, se aceita
como uma versão contemporânea do “internacionalismo” da velha esquerda, quando
na realidade é todo o oposto: não se trata das brigas internacionais e seu
idealismo combatendo por uma causa progressista, mas do Exército estadunidense
bombardeando países em nome de alguma minoria que pode acabar revelando-se como
um grupo mafioso, ou terroristas islâmicos.
Honestamente, acredito que este livro é um aporte à crítica da política
intervencionista liberal, e lamento que não esteja disponível em espanhol,
ainda que existam edições em inglês, francês, italiano, português, alemão e
sueco.
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