3 agosto
2016, Brasil 247 http://www.brasil247.com (Brasil)
Leonardo
Boff*
A plutocracia brasileira (os 71.440 mil milhardários segundo o IPEA)
possui pouca fantasia. Usa os mesmos métodos, a mesma linguagem, o mesmo
recurso farisaico do moralismo e do combate à corrupção para ocultar a própria
corrupção e dar um golpe na democracia e assim salvaguardar seus privilégios.
Sempre que emerge uma democracia com abertura ao social se enchem de medo.
Organizam um concluio de forças que envolve setores da política, do judiciário,
do MPF, da PF e principalmente da imprensa conservadora e até reacionária como
é o caso do conglomerado de O Globo. Assim fizeram com Vargas, com Jango e
agora com Lula-Dilma.
Numa entrevista
à Folha de São Paulo(24/04/2016) escreveu
acertamente Jessé Souza, autor de um livro que merece ser lido, também com
certa crítica, “A tolice da inteligência brasileira”(Leya 2015):”Nossa
elite do dinheiro nunca sentiu compromisso com os destinos do país. O
Brasil é palco de uma disputa entre esses dois projetos: o sonho de um país
grande e pujante para a maioria; e a realidade de uma elite da rapina que quer
drenar o trabalho de todos e saquear as riquezas do país para o bolso de meia
dúzia. A elite do dinheiromanda pelo simples fato de poder "comprar"
todas as outras elites”(Quem deu o golpe e contra quem).
No atual processo de impeachment à Presidenta Dilma contam com um aliado
poderoso: o complexo jurídico-policial do Estado que substitui as baionetas. O
vice Presidente usurpou o título de Presidente e montou um ministério de
pantomima com vários ministros corruptos e reduzindo os ministérios da cultura,
da comunicação e da secretaria dos direitos humanos, dos negros e das mulheres,
cortando de forma criminosa verbas da saúde, da educação, atacando os direitos
dos trabalhadores, o salário mínimo, a legislação trabalhista, as
aposentadorias e outros benefícios sociais, inagurados pelos dois mandatos
anteriores.
Por trás do golpe parlamentar estão estas forças citadas por Jessé
Souza. Bem disse o Papa Francisco à Letícia Sabatella quando junto com uma
famosa jurista teve, há dois meses, um encontro com o Papa em Roma,
relatando a ameaça que corre a democracia brasileira. O Papa comentou:”esse
golpe vem dos capitalistas”.
O fato é que estamos todos cansados de tanta corrupção, justamente
denunciada e das delongas no processo do impeachment.
Ninguém sabe para onde estamos indo. Algo parece ficar claro que o design social,
montado a partir do colonialismo e do escravagismo com as castas de
endinheirados que se firmaram no poder seja na sociedade seja nos aparatos do
Estado está chegando ao seu fim.
Em momentos de obscuridade como os atuais precisamos de uma grelha
teórica mínima que nos traga luz e alguma esperança. Para mim serve como
orientação Arnold Toynbee, o ultimo historiador inglês a escrever dez volumes
sobre a história das civilizações. Para explicar o nascimento, o
desenvolvimento, a maturação e a decadência de uma civilização usa uma chave
extremamente simples mas esclarecedora:”o desafio e a resposta”(challenge
and response).
Diz Toynbee: sempre há crises fundamentais no interior das civilizações.
São desafios que exigem uma resposta. Se o desafio for maior do que a
capacidade de resposta, a civilização entra num processo de colapso. Se a
resposta for excessiva face ao desafio, surge a arrogância e o uso abusivo do
poder. O ideal é encontrar uma equação de equilíbrio entre o desafio e a
resposta de forma que a civilização mantenha a sua coesão, enfrente
positivamente novos desafios e prospere.
Voltando ao caso do Brasil. Os grupos do dinheiro e do poder não conseguem
dar uma resposta ao desafio que vem das bases que nos últimos anos cresceram
enormemente em consciência e em reclamos de direitos. Eles, por mais que
manipulem dados, sabem que dificilmente voltarão ao poder central pela via da
eleição. Daí a razão do golpe. Desmoralizados, não têm nada a oferecer ao novo
Brasil que escapa de seu controle.
O legado da atual crise será provavelmente o surgimento de um outro tipo
de Brasil, de democracia, de Estado, de formas de participação popular.
A dores do tempo presente não são as dores de um moribundo nas vascas da
morte, mas as dores de um parto de um outro tipo de Brasil, mais democrático,
mais participativo e mais sensível para superar a pior chaga que nos
envergonha: a abissal desigualdade social. Um Brasil finalmente mais humano
onde podemos ser singelamente felizes.
*Leonardo Boff é filósofo, teólogo e professor aposentado de
Ética da UERJ.
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