8 agosto 2013
Carta Capital http://www.cartacapital.com.br (Brasil)
Enquanto o Brasil for ocupado
ideologicamente, não conseguirá fazer política soberana em temas como o
programa espacial
O Estadão (29 de julho,
p. A6) diz que o “Brasil volta a negociar uso de base de Alcântara com os
EUA.” Há, no título o primeiro erro, pois não se trata de uso de "base
de Alcântara", que não existe, mas de cessão de território estratégico
brasileiro, para que nele os EUA e, mais tarde, "europeus e
japoneses", continua o jornal, instalem bases para lançamentos de
satélites, suprindo assim suas (deles) atuais carências, exatamente aquelas que
hoje tornam concorrencialmente viável o projeto espacial brasileiro – o qual
tem (ou deveria ter) objetivos estratégicos determinantes e fins comerciais
secundários.
Os europeus não devem ter interesse
na empreitada, pois já possuem, em pleno funcionamento, a base de Kourou, na
Guiana Francesa, cuja localização geográfica, a 5,0º ao Norte da linha do
Equador, preserva algumas das muitas vantagens oferecidas pela península de
Alcântara, no Maranhão. Ela poderia interessar aos russos, pois suas atuais
bases de lançamento, como a de Baikonur, mediterrâneas, exigem o sobrevoo do
satélite sobre áreas habitadas; mas eles estão associados aos franceses em
Kourou, de onde serão lançados os foguetes Soyuz,
e com ucranianos, noruegueses
e norte-americanos da Boeing trabalham o lançamento de satélites a partir
de um navio lançador, o Sea Launch, fundeado na linha
do Equador. Coisa que até aqui, felizmente, não se revelou
comercialmente viável. Por enquanto, portanto, a abertura de Alcântara é o seu
fechamento para a exploração dos EUA, e o anunciado réquiem de nosso projeto de
programa espacial autônomo.
A matéria diz que as discussões são
levadas a cabo pelo Itamaraty, “que espera ter um acordo pronto para ser
assinado na visita da presidente Dilma Rousseff a Washington, em outubro”.
Como se vê, ou a coisa vem de longe ou é levada a toque-de-caixa. A primeira
hipótese é a mais provável, é o que deduzo de mais uma informação do jornal,
aquela que diz que “o assunto é ainda classificado como secreto pelo governo”.
Mas eu me pergunto: como é secreta informação à qual o jornal tem
acesso? E me pergunto, ainda: por que matéria de tal relevância é tratada de
forma secreta? Em qualquer hipótese, não sabemos a opinião da Agência Espacial
Brasileira - AEB, autarquia brasileira encarregada legalmente de monitorar o
programa espacial brasileiro (Qual sua parte nesse negócio? Foi tudo feito à
sua revelia?). Não se conhece a opinião do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais- INPE (responsável pelo programa brasileiro de satélites). Não se
sabe, tampouco, a opinião da Alcântara Cyclone Space-ACS (a bi-nacional
resultante da associação do Brasil com a Ucrânia, responsável pela
construção, em andamento, em Alcântara, de uma base habilitada ao lançamento do
foguete, médio, Cyclone-4). Não se sabe, a opinião do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação, a cuja jurisdição estão subordinadas essas instituições.
E não se conhece a opinião da SBPC, tão fogosa e falante nos idos de 2003. Se
alguém sabe de alguma coisa, a reportagem sonegou aos leitores essas
informações.
E a cidadania não sabe, nem lhe é
dado saber, qual a importância, para seu cotidiano, de um programa espacial,
que controla desde o espaço aéreo de nosso país à prospecção de nosso
território, passando pelo controle das comunicações e das condições
meteorológicas e de nossas safras.
Mas voltemos ao Estadão.
A mesma matéria, assinada por
Lisandra Paraguassu, diz que “O governo vê a localização de Alcântara
– que, segundo especialistas, reduz em até 30% o custo de um lançamento – como
um ativo que deve ser explorado, inclusive para financiar o próprio programa
espacial brasileiro”. Esse é raciocínio típico de contador, passando ao
largo de todas as questões estratégicas.
Expliquemos.
Nossa única vantagem, posto que não
dominamos a tecnologia de lançamentos (dependente do êxito da ACS) é
geográfica, isto é, deriva da proximidade de nosso litoral Norte-Nordeste em
relação à linha do Equador: o município de Alcântara está a 2,2º e o Nordeste
brasileiro a 3,2º Sul do Equador, e Kourou, vimos, a 5,0º ao Norte.
São duas as vantagens nossas daí
consequentes. Primeiro de tudo, essas condições nos possibilitam
realizar, a partir de um único centro, lançamentos em todas as direções de
órbitas utilizadas para os satélites e outras espaçonaves. Os EUA são obrigados
a ter bases nas suas costas Leste e Oeste, e a Rússia em várias áreas de seu
território e mesmo em outro país, o Cazaquistão.
Às vantagens decorrentes da
proximidade com o Equador, somam-se, ainda no caso brasileiro, condições
favoráveis de segurança, pois, além de evitar sobrevoos sobre regiões
habitadas, dispomos de todo o mar como área para retombamento dos estágios e
coifas (‘narizes’ de foguetes, onde armazenam-se cargas) que são ejetados
durante o voo. E essas vantagens fazem cair as despesas com seguro, baixando
ainda mais os custos de quaisquer lançamentos a partir de Alcântara. Enquanto
isso, para evitar acidentes e invasão de territórios estrangeiros, os veículos
que partem dos cosmódromos russos são obrigados a proceder a grandes e custosas
manobras em voo, determinantes de maior consumo de combustível e de perda de
capacidade de colocação de carga útil em órbita. Os lançamentos a partir das
bases dos EUA também precisam efetuar manobras – custosas – para entrar em
órbita no Equador.
A grande vantagem geográfica
brasileira é, além do litoral aberto, a proximidade com o Equador.
Como vemos, por estarem localizados
no hemisfério Norte, os veículos da maioria dos países do clube espacial, para
entrar em órbita equatorial, têm de fazer uma manobra (denominada em
inglês dog leg) para injetar seus foguetes em órbitas equatoriais,
o que exige muito mais combustível, em comparação a lançamentos realizados na
proximidade da linha do Equador, como é o caso do Centro Espacial de Kourou e
será o do futuro Centro de Lançamentos da ACS, o nosso, o qual não requer a
manobra adicional. De acordo com as leis da mecânica espacial,
quando um lançamento é realizado em direção ao Leste, e o mais proximamente
possível do Equador, conta com a vantagem total da rotação da terra, com o
chamado “efeito catapulta” maximizando a carga útil e, em consequência,
minimizando o custo de lançamento.
Qual é o nosso patrimônio, único? A
localização, que torna os lançamentos a partir de Alcântara altamente
competitivos, ao proporcionar uma redução, reconhece o jornal, de até 30% do
custo (estimado entre 25 e 30 milhões de dólares) ou um acréscimo de 30% no
peso da carga transportada, em face, por exemplo, de um lançamento dos EUA ou
da Rússia. Insisto: somente esta vantagem geográfica nos torna
competitivos em face dos EUA, da Europa, da Rússia, da China e do Japão.
Qual a proposta comercial de nossa
única base de lançamentos, a futura ACS? Disputar o mercado internacional de
satélites, a começar pelo maior de todos, o dos EUA,
oferecendo-lhe lançamentos mais baratos. E o que anuncia o jornal?
Que vamos jogar fora essa vantagem competitiva. Quando os EUA e os demais
concorrentes puderem fazer seus lançamentos a partir de Alcântara,
transferiremos para eles a economia dos 30%, e os nossos lançamentos e os deles
passarão competir no mercado com o mesmo preço, donde o total desinteresse de
proceder a lançamentos a partir de nossa base. O que sobrará para o
Brasil? De player, nosso projeto original, seremos, a partir da
concretização dessa nova política, mero agente imobiliário.
Eis um caso ilustrativo de como,
quando não se tem estratégia própria, adota-se a estratégia do outro – julgando
aproveitar, assim, maravilhosas vantagens. Ou, dito de outro modo: é difícil,
impossível quase, fazer política soberana em país ocupado ideologicamente.
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