6
agosto 2013, Fazendo Media http://www.fazendomedia.com
(Brasil)
Por
Eduardo Sá
Não é nenhuma novidade, são mais de
500 anos de opressão e perpetuação do genocídio indígena. Antes era marcado
pela ocupação bandeirante e a colonização, hoje o agronegócio e os grandes
empreendimentos são os principais agentes desse modelo de desenvolvimento que
aniquila o modo de viver da população nativa brasileira. Os exemplos são muitos,
todos em nome da modernização e o progresso da civilização nacional. Embora a
nossa constituição reconheça em seu artigo 231 a organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, além dos direitos originários sobre suas terras,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens,
não é isso que vemos na prática. O Brasil é também signatário da Convenção dos
Povos Indígenas e Tribais, conhecida como Convenção OIT 169, mas na realidade
vemos que tanto as leis nacionais quanto internacionais não são respeitadas
quando olhamos para a vida dessas populações.
Esse cenário é composto por
práticas centralizadoras, corporativistas, clientelistas, patrimonialistas e
autoritárias que marcam a relação do aparato estatal com esses povos.
Ao mesmo
tempo em que um governo é eleito com uma perspectiva progressista, uma história
de lutas populares, evidenciam-se cada vez mais nesse processo os impasses e
negligências do estado brasileiro com os índios. Nos últimos dez anos do governo
do Partido dos Trabalhadores (PT) os conflitos afloraram mostrando, mais uma
vez, a incapacidade do Estado em lidar com esse segmento da sociedade. A
percepção etnocêntrica de governo ainda impera, com um sistema de direito e
justiça altamente seletivo, no qual apenas as migalhas sobram para essa classe
escandalosamente oprimida. E os meios de comunicações tradicionais reforçam tal
contradição, na medida em que se omitem ao não promover um debate mais profundo
sobre o tema ou abordam suas pautas com um olhar estereotipado e
preconceituoso. Sem falar, é claro, nos seus interesses comerciais com tal
modelo de desenvolvimento.
De acordo com o livro Indígenas
no Brasil – demandas dos povos e percepções da opinião pública, recém
publicado pela editora Fundação Perseu Abramo, habitam hoje no território
brasileiro 305 etnias, que falam 274 línguas, somando 896.917 pessoas
distribuídas em 505 Terras Indígenas e algumas áreas urbanas. É curioso o fato
de a editora ter relação direta com o próprio PT, subsidiando com estudos a
formação política dos filiados de seu partido, pois nas suas pesquisas são
feitas várias denúncias: a devastação potencializada pelo Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC 2) e a aceleração da tristeza na Amazônia; o
fracasso da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a realização de Conferências
Nacionais de Saúde Indígena resultando na criação da Secretaria Especial de
Saúde Indígena (SESAI) em 2010, mostrando mais uma vez na teoria o belo
atendimento público para os índios e inoperante e péssimo na prática; o
descompasso entre a justiça branca e os hábitos e costumes milenares dos
índios, que se tornam reféns de uma linguagem e procedimentos incompatíveis com
suas referências de lei e ordem; dentre outros fatores.
A hidrelétrica Belo Monte, nesse
contexto, é o projeto mais sintomático. O desrespeito aos povos tradicionais do
entorno é gritante, vários direitos foram violados. Movimentos, artistas,
políticos, intelectuais e a mídia do mundo inteiro denunciaram, mas o governo
não recuou. São inúmeros também os casos com a mineração, além do Código
Florestal, a PEC 215, a portaria 303 da AGU, etc. Outro processo conhecido é o
caso do Museu do Índio, ao lado do estádio Maracanã, no Rio de Janeiro. O
edifício carrega toda a história da política indigenista no Brasil, desde seu
patrono Marechal Rondon, que ficou conhecido pelo legado: “morrer se preciso
for, matar nunca”. Na tarde de ontem (06) os índios da Aldeia Maracanã
reocuparam o prédio, alvo de cobiça dos gananciosos empresários da Copa do Mundo.
Foi anunciado um Centro de Referência Cultural pelo governo do Estado, que está
mais desgastado que nunca, atendendo uma reivindicação dos índios. Pode ser uma
excelente oportunidade de reparação histórica e integração dos índios da
floresta à cidade, desde que o olhar comercial e do mercado não prevaleça.
A concentração fundiária é outro
sintoma estrutural do descaso do governo federal. A titulação das terras é um
caos, com direito a bang bang. O Mato Grosso do Sul, estado com a segunda maior
população indígena do país, é um dos maiores em concentração da terra. É lá
onde os Guarani Kaiowá, que geraram uma comoção nacional, estão morrendo de
morte matada ou de suicídio em desespero ao total abandono das políticas
públicas. É essencial que se viabilize mecanismos para eles mesmos criarem suas
condições de sobrevivência e manutenção de costumes. O direito à
autodeterminação dos povos indígenas e a ruptura com o modelo de tutela do
estado há muito ultrapassado é urgente. A Funai, por exemplo, nunca teve um
representante indígena e muitos não se sentem representados pela instituição. A
palavra indígena ainda é violentamente silenciada. Historicamente lhes resta a
miséria e a dependência depois de seu contato com a civilização, que torna seus
ideais de vida cada vez mais inviáveis. Suas referências existenciais vão por
água abaixo, os conduzindo ao extermínio provocado “por um estrutura social
classista devotada à produção mercantil”, segundo o antropólogo Darcy Ribeiro.
Um dos expoentes do pensamento indigenista no Brasil, ele afirmava: “Nenhuma
oportunidade lhes é dada para preservar seu substrato biológico, sua sociedade
e a sua cultura em sua forma original”.
Do ponto de vista antropológico, as
condicionantes que caracterizam esse processo de interação são dramáticas.
Ainda de acordo com Darcy Ribeiro, em sua obra Os índios e a civilização,
a sociedade brasileira avança sobre as terras que consideram suas e veem no
índio, com suas múltiplas etnias, uma ameaça e obstáculo. O ensaísta contrapõe
a visão quase unânime dos historiadores, contrastando o efeito desse modelo de
desaparição das tribos com a tese de absorção na forma de uma aculturação
progressiva que desembocaria numa assimilação plena, através da miscigenação.
Ribeiro defendia o conceito de transfiguração étnica, que pressupõe a
incorporação desses povos sem a perda de suas identidades. Vai do índio tribal
para o índio genérico, e não do indígena ao brasileiro: “… é condenado a
transformar radicalmente seu perfil cultural, porque só pode enfrentar as
compulsões a que é submetido, transfigurando sua indianidade, mas persistindo
como índio”, diz no livro.
Ainda temos muito a aprender com os
saberes indígenas, sobretudo no que diz respeito à sua relação com a natureza.
Não se limita só à questão ambiental e climática, mas também na área social,
educacional e da saúde, por exemplo. Trata-se de ter humildade e reconhecer, de
uma vez por todas, o valor do conhecimento tradicional. Repensar o modelo de
desenvolvimento, garantindo uma relação harmônica entre a ciência e a
sociobiodiversidade indígena. Incorporar novos hábitos e costumes, essa é uma
bandeira importante para os próximos protestos nas ruas. Eles podem apontar um
caminho alternativo ao Brasil, por isso é essencial que a sociedade estabeleça
um novo pacto social com os índios.
Foto: Reprodução da internet.
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