sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Brasil/A NECESSIDADE DE UM NOVO PACTO SOCIAL COM OS ÍNDIOS





Não é nenhuma novidade, são mais de 500 anos de opressão e perpetuação do genocídio indígena. Antes era marcado pela ocupação bandeirante e a colonização, hoje o agronegócio e os grandes empreendimentos são os principais agentes desse modelo de desenvolvimento que aniquila o modo de viver da população nativa brasileira. Os exemplos são muitos, todos em nome da modernização e o progresso da civilização nacional. Embora a nossa constituição reconheça em seu artigo 231 a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, além dos direitos originários sobre suas terras, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens, não é isso que vemos na prática. O Brasil é também signatário da Convenção dos Povos Indígenas e Tribais, conhecida como Convenção OIT 169, mas na realidade vemos que tanto as leis nacionais quanto internacionais não são respeitadas quando olhamos para a vida dessas populações.

Esse cenário é composto por práticas centralizadoras, corporativistas, clientelistas, patrimonialistas e autoritárias que marcam a relação do aparato estatal com esses povos.
Ao mesmo tempo em que um governo é eleito com uma perspectiva progressista, uma história de lutas populares, evidenciam-se cada vez mais nesse processo os impasses e negligências do estado brasileiro com os índios. Nos últimos dez anos do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) os conflitos afloraram mostrando, mais uma vez, a incapacidade do Estado em lidar com esse segmento da sociedade. A percepção etnocêntrica de governo ainda impera, com um sistema de direito e justiça altamente seletivo, no qual apenas as migalhas sobram para essa classe escandalosamente oprimida. E os meios de comunicações tradicionais reforçam tal contradição, na medida em que se omitem ao não promover um debate mais profundo sobre o tema ou abordam suas pautas com um olhar estereotipado e preconceituoso. Sem falar, é claro, nos seus interesses comerciais com tal modelo de desenvolvimento.

De acordo com o livro Indígenas no Brasil – demandas dos povos e percepções da opinião pública, recém publicado pela editora Fundação Perseu Abramo, habitam hoje no território brasileiro 305 etnias, que falam 274 línguas, somando 896.917 pessoas distribuídas em 505 Terras Indígenas e algumas áreas urbanas. É curioso o fato de a editora ter relação direta com o próprio PT, subsidiando com estudos a formação política dos filiados de seu partido, pois nas suas pesquisas são feitas várias denúncias: a devastação potencializada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2) e a aceleração da tristeza na Amazônia; o fracasso da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a realização de Conferências Nacionais de Saúde Indígena resultando na criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) em 2010, mostrando  mais uma vez na teoria o belo atendimento público para os índios e inoperante e péssimo na prática; o descompasso entre a justiça branca e os hábitos e costumes milenares dos índios, que se tornam reféns de uma linguagem e procedimentos incompatíveis com suas referências de lei e ordem; dentre outros fatores.

A hidrelétrica Belo Monte, nesse contexto, é o projeto mais sintomático. O desrespeito aos povos tradicionais do entorno é gritante, vários direitos foram violados. Movimentos, artistas, políticos, intelectuais e a mídia do mundo inteiro denunciaram, mas o governo não recuou. São inúmeros também os casos com a mineração, além do Código Florestal, a PEC 215, a portaria 303 da AGU, etc. Outro processo conhecido é o caso do Museu do Índio, ao lado do estádio Maracanã, no Rio de Janeiro. O edifício carrega toda a história da política indigenista no Brasil, desde seu patrono Marechal Rondon, que ficou conhecido pelo legado: “morrer se preciso for, matar nunca”. Na tarde de ontem (06) os índios da Aldeia Maracanã reocuparam o prédio, alvo de cobiça dos gananciosos empresários da Copa do Mundo. Foi anunciado um Centro de Referência Cultural pelo governo do Estado, que está mais desgastado que nunca, atendendo uma reivindicação dos índios. Pode ser uma excelente oportunidade de reparação histórica e integração dos índios da floresta à cidade, desde que o olhar comercial e do mercado não prevaleça.

A concentração fundiária é outro sintoma estrutural do descaso do governo federal. A titulação das terras é um caos, com direito a bang bang. O Mato Grosso do Sul, estado com a segunda maior população indígena do país, é um dos maiores em concentração da terra. É lá onde os Guarani Kaiowá, que geraram uma comoção nacional, estão morrendo de morte matada ou de suicídio em desespero ao total abandono das políticas públicas. É essencial que se viabilize mecanismos para eles mesmos criarem suas condições de sobrevivência e manutenção de costumes. O direito à autodeterminação dos povos indígenas e a ruptura com o modelo de tutela do estado há muito ultrapassado é urgente.  A Funai, por exemplo, nunca teve um representante indígena e muitos não se sentem representados pela instituição. A palavra indígena ainda é violentamente silenciada. Historicamente lhes resta a miséria e a dependência depois de seu contato com a civilização, que torna seus ideais de vida cada vez mais inviáveis. Suas referências existenciais vão por água abaixo, os conduzindo ao extermínio provocado “por um estrutura social classista devotada à produção mercantil”, segundo o antropólogo Darcy Ribeiro. Um dos expoentes do pensamento indigenista no Brasil, ele afirmava: “Nenhuma oportunidade lhes é dada para preservar seu substrato biológico, sua sociedade e a sua cultura em sua forma original”.

Do ponto de vista antropológico, as condicionantes que caracterizam esse processo de interação são dramáticas. Ainda de acordo com Darcy Ribeiro, em sua obra Os índios e a civilização, a sociedade brasileira avança sobre as terras que consideram suas e veem no índio, com suas múltiplas etnias, uma ameaça e obstáculo. O ensaísta contrapõe a visão quase unânime dos historiadores, contrastando o efeito desse modelo de desaparição das tribos com a tese de absorção na forma de uma aculturação progressiva que desembocaria numa assimilação plena, através da miscigenação. Ribeiro defendia o conceito de transfiguração étnica, que pressupõe a incorporação desses povos sem a perda de suas identidades. Vai do índio tribal para o índio genérico, e não do indígena ao brasileiro: “… é condenado a transformar radicalmente seu perfil cultural, porque só pode enfrentar as compulsões a que é submetido, transfigurando sua indianidade, mas persistindo como índio”, diz no livro.

Ainda temos muito a aprender com os saberes indígenas, sobretudo no que diz respeito à sua relação com a natureza. Não se limita só à questão ambiental e climática, mas também na área social, educacional e da saúde, por exemplo. Trata-se de ter humildade e reconhecer, de uma vez por todas, o valor do conhecimento tradicional. Repensar o modelo de desenvolvimento, garantindo uma relação harmônica entre a ciência e a sociobiodiversidade indígena. Incorporar novos hábitos e costumes, essa é uma bandeira importante para os próximos protestos nas ruas. Eles podem apontar um caminho alternativo ao Brasil, por isso é essencial que a sociedade estabeleça um novo pacto social com os índios.

Foto: Reprodução da internet.
 

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