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agosto 2013, Instituto João Goulart
http://www.institutojoaogoulart.org.br (Brasil)
A falta de “explicações sólidas” sobre a morte do ex-presidente João Goulart, fez dele o “político mais injustiçado da história do Brasil”, assinala Lucília de Almeida Neves Delgado em entrevista concedida à IHU On-Line, após comentar o documentário Dossiê Jango, dirigido por Paulo Henrique Fontenelle. Ao analisar o filme à luz da História, Lucília, que há anos dedica-se à pesquisa sobre os fatos políticos do período militar, enfatiza que ele “reforça exatamente a construção de mais evidências sobre o possível assassinato de João Goulart”. Segundo ela, “de todas as pessoas que se envolveram na procura de provas e evidências sobre a morte de Jango, 18 morreram. Entre elas os políticos uruguaios Zelmar Michelini e Gutierrez Ruiz, que eram amigos do Jango e estavam investigando a morte dele. Também o empresário Enrique Foch Diaz, que mais conseguiu reunir muitas informações sobre a morte de Jango e escreveu um livro intitulado Jango: um crime perfeito, faleceu pouco tempo depois de publicado o livro”. E dispara: “Ficamos pensando: o que aconteceu para que todas essas pessoas, de uma forma ou de outra, fossem falecendo? A maioria por problemas cardíacos e alguns em decorrência de acidentes de carro. São coincidências muito estranhas, e as indagações sobre a morte de Jango só aumentam”.
Que leitura o “Dossiê Jango” apresenta sobre a história do ex-presidente Jango?
O “Dossiê Jango” não apresenta uma nova leitura sobre a história do ex-presidente João Goulart porque as questões levantadas pelo documentário falam de um assunto que já é abordado há muitos anos, e que se tornou mais forte quando começou a se falar da Operação Condor. O filme reforça exatamente a construção de mais evidências sobre o possível assassinato de João Goulart. Os depoimentos são muito contundentes, com exceção do depoimento de Muniz Bandeira, historiador, que afirma que Jango sofreu um problema cardíaco natural. As demais pessoas que se manifestam no filme, de uma forma ou de outra, dão declarações que reforçam a possibilidade de Jango ter sido assassinado. Duas coincidências importantes, para analisar o contexto de atuação da Operação Condor, tendo Jango como foco, foram as mortes de dois políticos da Frente Ampla, o ex-presidente Juscelino Kubitschek, e Carlos Lacerda, além de João Goulart. Mortes ocorridas num período inferior há um ano, de 1976 a 1977. De todas as pessoas que se envolveram na procura de provas e evidências sobre a morte de Jango, 18 morreram. Entre elas os políticos uruguaios Zelmar Michelini e Gutierrez Ruiz, que eram amigos do Jango e estavam investigando a morte dele. Também o empresário Enrique Foch Diaz, que mais conseguiu reunir muitas informações sobre a morte de Jango e escreveu um livro intitulado Jango: um crime perfeito, faleceu pouco tempo depois de publicado o livro. Diaz foi o último dos 18 a morrer. O filme também apresenta o depoimento de Mário Neira, que participou da Operação Escorpião que, segundo suas palavras, tinha como objetivo assassinar Jango.
E a exumação do corpo?
Há outros fatos que não têm explicações sólidas. O mais relevante diz respeito a não realização de biópsia no corpo do ex-presidente. Muitos perguntam por que a família não pediu a exumação do corpo, na verdade, a esposa dele, Maria Teresa Goulart, fez o pedido. Entretanto, um mês depois voltou atrás. A sensação que temos é de que ela sofreu uma pressão muito grande para retirar o pedido. Caso o presidente Goulart tenha morrido por causas naturais não havia razão alguma para evitar a necropsia de seu corpo. Ao contrário, seria uma ação favorável ao governo militar. Todas as dúvidas estariam resolvidas.
João Goulart foi o único presidente do Brasil que morreu no exílio. Em 1976, muito longamente, começava-se a falar em liberalização do regime. O filme mostra isso. E havia um temor do governo de que lideranças excluídas em 1964 e que estavam no exílio voltassem para o Brasil com uma força muito grande. Esse temor era maior especialmente no caso dos ex-presidentes João Goulart e Juscelino Kubitschek, ambos mortos em 1976.
O filme registra também, e isso é muito interessante, que em 1974, o prazo de cassação, por dez anos, dos direitos políticos de Jango, já estava superado. Portanto, não havia mais razão legal para que ele continuasse no exílio e excluído da vida pública nacional. Uma interpretação que tem ganhado força é a de que com a distensão do regime, seguida de possíveis pleitos eleitorais, João Goularte outros líderes políticos do pré 1964 poderiam se candidatar a algum cargo público. Como o governo militar não assimilava seu retorno à ativa, a opção teria sido a de eliminá-los.
Jango poderia ter retornado ao Brasil dois anos antes da sua morte?
Na verdade, mesmo tendo passado os dez anos de sua cassação, se retornasse ao Brasil, com certeza, João Goulart seria preso. As evidências são de que os militares desconsideravam o próprio tempo de punição que estabeleceram anteriormente. Jango, inúmeras vezes, tentou negociar seu retorno ao Brasil, mas não teve êxito. Quando de sua morte não houve sequer autorização para que seu velório fosse realizado em caixão aberto. Ao contrário, o caixão estava lacrado.
Essa foi a condição estabelecida pelo governo federal para que ele pudesse ser enterrado em sua terra, São Borja (RS) e não na Argentina, onde faleceu. Tal fato reforça a ideia de que o regime militar usou de todos os recursos possíveis para fazer prevalecer uma memória de esquecimento sobre o presidente Jango. É lógico que há uma questão ideológica e estratégica nessa orientação. Creio que, no contexto de construção do esquecimento, tudo foi feito para impedir a visibilidade da imagem do presidente morto, o que poderia causar uma comoção muito grande. A visão de um corpo inerte e sem vida é forte, mas a de um rosto atrás de um pequeno vidro, por mais reverência que se tenha, não causa o mesmo impacto.
A morte dele e de Juscelino foram relegadas, mesmo depois da redemocratização?
A redemocratização do Brasil, embora pressionada pela sociedade civil e por expressivo movimento social, só aconteceu mediante uma negociação que garantiu uma transição pacífica. Nesse contexto os acontecimentos referentes às mortes de João Goulart e Juscelino Kubitschek foram relegados ao esquecimento. No caso da morte de Juscelino, pouco se pode fazer, pois ele faleceu num acidente de carro. Teria de se investigar se houve algum problema no carro, mas é quase impossível provar algo. No caso do Jango havia a possibilidade de fazer uma investigação porque era possível exumar o corpo para esclarecer a causa de sua morte. Mas, de uma forma ou de outra, é preciso que se busque esclarecimentos mais detalhados sobre as morte dos ex-presidentes Jango e Juscelino. Essa é uma condição essencial de registro da verdade histórica. E o direito à História é uma das condições de exercício da cidadania plena. Não podemos construir uma história com sombras nebulosas, ainda mais sobre o episódio da morte de um ex-presidente, que após sua deposição amargou um exílio de mais de 12 anos.
Se Jango de fato morreu de um problema cardíaco, por que não se fez a exumação e a biopsia? Por que essa resistência tão grande de anos e anos para se analisar seus restos mortais? A ausência de autópsia é mais um dado que sugere que sua morte não foi natural, porque se tivesse sido natural, para o respaldo do próprio governo militar à época, deveria ter sido feita a exumação de seu corpo.
• Leia entrevista completa em www.adital.org.br
Tribuna do Norte- Natal
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