Fátima Mello*
de Maputo (Moçambique)
Tendo
como referência o Prodecer, implantado no Cerrado brasileiro, o ProSavana seria
mais um caminho para ampliar os lucros das grandes transnacionais do setor
agrícola
Termina em Maputo, capital de
Moçambique, a Conferência Triangular dos Povos frente ao ProSavana. O evento,
realizado nos dias 7 e 8 de agosto, mudou o jogo que até há pouco tempo era
amplamente favorável às corporações do agronegócio brasileiro e às
transnacionais.
Em 2009, os governos do Brasil,
Japão e Moçambique assinaram um Memorando de Entendimento para implantar o
ProSavana, um megaprograma que visa levar o pacote da chamada “Revolução Verde”
para o norte de Moçambique, na área de cerca de 14 milhões de hectares que hoje
é conhecida como Corredor de Nacala.
Para tal, contrataram
a Fundação
Getúlio Vargas (GV Agro), o instituto de pesquisas ligado às grandes
corporações da agricultura industrial, para elaborar o Plano
Diretor que definirá como ocorrerá a exploração daquele rico território. Tudo
parecia se encaminhar para se tornar um grande negócio para as corporações,
chancelado pelas agências de cooperação e por financiamentos de bancos públicos
que alimentam interesses privados. Uma missão de empresários da
Confederação Nacional da Agricultura (CNA), organizada pela Agência Brasileira
de Cooperação (ABC), visitou o território.
Tendo como referência o Prodecer,
implantado no Cerrado brasileiro pela cooperação japonesa nos anos de 1980, o
grande negócio do ProSavana seria a forma de avançar sobre a chamada nova
fronteira agrícola do mundo, a Savana africana, onde os lucros das grandes
transnacionais do setor agrícola poderiam se ampliar ainda mais, associadas ao
agronegócio brasileiro e a empresas japonesas.
Camponeses de Nacala
As empresas envolvidas e as
agências de cooperação e investimentos que as representam não enxergaram porém
o que há de mais fundamental: o chamado Corredor de Nacala é um território que
pertence a mais de quatro milhões de camponeses que ali vivem, produzem e se
organizam.
Passados quatro anos desde a
assinatura do Memorando de Entendimento entre os três governos, podemos afirmar
que estes camponeses e camponesas, e as organizações que os representam,
viraram o jogo.
Ao verem a força de sua ligação com
a terra e seus sistemas de produção de base familiar e camponesa ameaçados,
fortaleceram sua organização e construíram alianças com entidades parceiras
dentro e fora de Moçambique, em especial no Brasil e no Japão. E os governos
finalmente estão sendo obrigados a escutar o que os verdadeiros donos da terra
no norte de Moçambique têm a dizer.
As organizações que representam os
camponeses do norte de Moçambique desencadearam iniciativas em diversas
frentes. Intensificaram diálogos e processos de formação com as comunidades ao
longo do Corredor de Nacala visando socializar informações sobre os riscos dos
planos das corporações. Buscaram alianças com parceiros no Brasil e no Japão
buscando estabelecer ações de pesquisa, monitoramento e incidência comuns.
Visitaram e documentaram a área do Prodecer no Cerrado brasileiro onde
construíram alianças com as organizações que ali fazem a resistência contra os
monocultivos de soja, cana e milho voltados para exportação e envenenados por
agrotóxicos.
Passaram a pressionar os três
governos pelo direito a informação e a serem consultados. Elaboraram uma pauta
comum de lutas e proposições que está expressa na Carta Aberta das Organizações
e Movimentos Sociais Moçambicanas dirigida aos Presidentes de Moçambique,
Brasil e Primeiro-Ministro do Japão, divulgada em maio de 2013.
A mais recente iniciativa foi a
realização desta Conferência Triangular dos Povos, que contou com a
participação de parceiros do Brasil e Japão e com uma ampla representação de
organizações camponesas de diversas províncias de Moçambique que na ocasião fi
zeram manifestações contundentes frente aos AL tos representantes do governo
moçambicano presentes. As propostas das organizações camponesas estão
explicitadas na Carta Aberta de maio de 2013, dentre elas “Que todos os
recursos humanos, materiais e fi nanceiros alocados ao Programa ProSavana sejam
realocados na defi nição e implementação de um Plano Nacional de Apoio a
Agricultura Familiar sustentável (sistema familiar)”.
A carta reivindica também que o
governo moçambicano priorize a soberania alimentar, a agricultura de
conservação e agroecológica como as únicas soluções sustentáveis para a redução
da fome e promoção da alimentação adequada.
*Fátima Mello é diretora da
FASE.
Mais sobre o assunto:
Via
Campesina/GRAIN
Nenhum comentário:
Postar um comentário