21
agosto 2013, Instituto Lula http://www.institutolula.org
(Brasil)
Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil
A lenta retomada da economia global
e os seus enormes custos sociais, especialmente nos países desenvolvidos exigem
uma corajosa mudança de atitude. É preciso identificar com clareza a raiz da
crise de 2008, que em muitos aspectos se prolonga até hoje, para que os líderes
políticos e os órgãos multilaterais façam o que deve ser feito para superá-la.
A verdade é que, no dia 15 de
setembro de 2008, quando o banco Lehman Brothers pediu concordata, o mundo não
se viu apenas mergulhado na maior crise financeira desde a quebra da Bolsa de
Nova York em 1929. Viu-se também diante da crise de um paradigma.
Outros grandes bancos especuladores
nos Estados Unidos e na Europa só não tiveram o mesmo destino porque foram
socorridos com gigantescas injeções de dinheiro público. Ficou evidente que a
crise não era localizada, mas sistêmica. O fracasso não era somente desta ou
daquela instituição financeira, mas do próprio modelo econômico (e político)
predominante nas décadas recentes. Um modelo baseado na ideia insensata de que
o mercado não precisa estar subordinado a regras, de que qualquer fiscalização
o prejudica e de que os governos não tem nenhum papel na economia, a não ser
quando o mercado entra em crise.
Segundo este paradigma, os governos
deveriam transferir a sua autoridade democrática, oriunda do voto – ou seja, a
sua responsabilidade moral e política perante os cidadãos – a técnicos e
organismos cujo principal objetivo era o de facilitar o livre trânsito dos
capitais especulativos.
Cinco anos de crise, com gravíssimo
impacto econômico e sofrimento popular, não bastaram para que esse modelo fosse
repensado. Infelizmente, muitos países ainda não conseguiram romper com os
dogmas que levaram ao descolamento entre a economia real e o dinheiro fictício,
e ao círculo vicioso do baixo crescimento combinado com alto desemprego e
concentração de renda nas mãos de poucos.
O mercado financeiro expandiu-se de
modo vertiginoso sem a simultânea sustentação do crescimento das atividades
produtivas. Entre 1980 e 2006, o PIB mundial cresceu 314%, enquanto a riqueza
financeira aumentou 1.291%, segundo dados do McKinseys Global Institute e do
FMI. Isso, sem incluir os derivativos. E, de acordo com o Banco Mundial, no
mesmo período, para um total de US$ 200 trilhões em ativos financeiros não
derivados, existiam US$ 674 trilhões em derivativos.
Todos sabemos que os períodos de
maior progresso econômico, social e político dos países ricos durante o século
XX não tem nada a ver com a omissão do Estado nem com a atrofia da política.
A decisão política de Franklin
Roosevelt, de intervir fortemente na economia norte-americana devastada pela
crise de 1929, recuperou o país justamente por meio da regulação financeira, o
investimento produtivo, a criação de empregos e o consumo interno. O Plano
Marshall, financiado pelo governo norte-americano na Europa, além de sua
motivação geopolítica, foi o reconhecimento de que os EUA não eram uma ilha e
não poderiam prosperar de modo consistente num mundo empobrecido. Por mais de
trinta anos, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, o Welfare State foi não
apenas o resultado do desenvolvimento mas também o seu motor.
Nas últimas décadas, porém, o
extremismo neoliberal provocou um forte retrocesso. Basta dizer que, de 2002 a
2007, 65% do aumento de renda dos EUA foram absorvidos pelos 1% mais ricos. Em
quase todos os países desenvolvidos há um crescente número de pobres. A Europa
já atingiu taxas de desemprego de 12,1% e os EUA, no seu pior momento, de mais
de 10%.
O brutal ajuste imposto à maioria
dos países europeus – que já foi chamado de austericidio – retarda
desnecessariamente a solução da crise. O continente vai precisar de um
crescimento vigoroso para recuperar as dramáticas perdas dos últimos cinco
anos. Alguns países da região parecem estar saindo da recessão, mas a retomada
será muito mais lenta e dolorosa se forem mantidas as atuais políticas
contracionistas. Além de sacrificar a população europeia, esse caminho
prejudica inclusive as economias que souberam resistir criativamente ao crack
de 2008, como os EUA, os BRICS e grande parte dos países em desenvolvimento.
O mundo não precisa e não deve
continuar nesse rumo, que tem um grande custo humano e risco político. A
redução drástica de direitos trabalhistas e sociais, o arrocho salarial e os
elevados níveis de desemprego criam um ambiente perigosamente instável em
sociedades democráticas.
Está na hora de resgatar o papel da
política na condução da economia global. Insistir no paradigma econômico
fracassado também é uma opção política, a de transferir a conta da especulação
para os pobres, os trabalhadores e a classe média.
A crise atual pode ter uma saída
economicamente mais rápida e socialmente mais justa. Mas isso exige dos líderes
políticos a mesma audácia e visão de futuro que prevaleceu na década de 1930,
no New Deal, e após a II Guerra Mundial.
É importante que os EUA de Obama e
o Japão de Shinzo Abe estejam adotando medidas heterodoxas de estímulo ao
crescimento. Também é importante que muitos países em desenvolvimento tenham
investido, e sigam investindo, na distribuição de renda como estratégia de
avanço econômico, apostando na inclusão social e na ampliação do mercado
interno. O aumento de renda das classes populares e a expansão responsável do crédito
mantiveram empregos e neutralizaram parte dos efeitos da crise internacional no
Brasil e na América Latina. Investimentos públicos na modernização da
infraestrutura também foram fundamentais para manter as economias aquecidas.
Mas para promover o crescimento
sustentado da economia mundial isso não é suficiente. É preciso ir além.
Necessitamos hoje de um verdadeiro pacto global pelo desenvolvimento, e de
ações coordenadas nesse sentido, que envolvam o conjunto dos países, inclusive
os da Europa.
Políticas articuladas em escala
mundial que incrementem o investimento público e privado, o combate à pobreza e
à desigualdade e a geração de empregos podem acelerar a retomada do crescimento,
fazendo a roda da economia mundial girar mais rapidamente.
Elas podem garantir não só o
crescimento, mas também bons resultados fiscais, pois a aceleração do
crescimento leva à redução do déficit público no médio prazo. Para isso, é
imprescindível a coordenação entre as principais economias do mundo, com
iniciativas mais ousadas do G-20. Todos os países serão beneficiados com essa
atuação conjunta, aumentando a corrente de comércio internacional e evitando
recaídas protecionistas.
A economia do mundo tem uma larga
avenida de crescimento a ser explorada: de um lado pela inclusão de milhões de
pessoas na economia formal e no mercado de consumo – na Ásia, na África e na
América Latina – e de outro com a recuperação do poder aquisitivo e das
condições de vida dos trabalhadores e da classe média nos países desenvolvidos.
Isso pode constituir uma fonte de expansão para a produção e o investimentos
mundiais por muitas décadas.
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