29 agosto 2013, Pátria Latina http://www.patrialatina.com.br
(Brasil)
Gareth
Porter, InterPress Service
http://www.ipsnews.net/2013/08/in-rush-to-strike-syria-u-s-tried-to-derail-u-n-probe/
Depois de
ter insistido, de início, que a Síria desse pleno acesso aos investigadores da
ONU, até os locais onde teria havido um atentado com gás venenoso, o governo do
presidente Barack Obama mudou de conversa no domingo; e passou a tentar, sem
sucesso, que a ONU abortasse sua própria investigação.
Essa
virada repentina, que aconteceu horas depois de Síria e ONU terem acertado os
detalhes da ação dos investigadores, foi noticiada pelo Wall Street Journal na
2ª-feira e confirmada no mesmo dia, mais tarde, por um porta-voz do
Departamento de Estado.
No
encontro com a imprensa na 2ª-feira, o secretário de Estado John Kerry, que
chegou a falar por telefone com o secretário-geral da ONU Ban Ki-Moon, para que
suspendesse a investigação – a qual, segundo Kerry, teria chegado tarde demais
para obter provas válidas do ataque que, para fontes da oposição síria, teria
feito 1.300 vítimas.
A mudança
repentina e a repentina aberta hostilidade contra a investigação da ONU, que
coincidem com indicações de que o governo Obama planeja um grande ataque
militar contra a Síria para os próximos dias, sugere que o governo Obama
entende que a ONU esteja atuando como obstáculo para seus planos de atacar
militarmente.
Na
2ª-feira, Kerry disse
que, na 5ª-feira, havia alertado o ministro Moallem, de
Relações Exteriores da Síria, para que desse acesso imediato à equipe da ONU e
suspendesse os bombardeios naquela área, os quais, disse Kerry, estariam
“sistematicamente destruindo provas”. Disse que o acerto entre Síria e ONU, que
afinal deu pleno acesso aos investigadores, estaria acontecendo “tarde demais
para ter credibilidade”.
Mas logo
depois de o acordo ter sido anunciado no domingo, Kerry já havia telefonado a
Ban, tentando cancelar completamente qualquer investigação.
O Wall
Street Journal noticiou a pressão sobre Ban, mas sem mencionar Kerry.[1]
Publicou que “funcionários não identificados do governo disseram ao
secretário-geral que já não é seguro que os inspetores continuem na Síria e que
a missão deles já não faz sentido.”
Mas Ban,
que sempre foi visto como instrumento dócil das políticas dos EUA, recusou-se a
retirar da Síria a equipe de investigadores e, em vez de obedecer, “manteve-se
firme na defesa dos princípios” – como escreveu o WST. O que se sabe é que Ban
ordenou que a equipe de investigadores da ONU “continue seu trabalho.”
O WST
noticia que “funcionários dos EUA” disseram também ao secretário-geral que os
EUA “não acham que os inspetores conseguirão obter provas aproveitáveis, dado
que já transcorreu muito tempo e bombardeios subsequentes destruíram as provas
que houvesse.
A
porta-voz do Departamento de Estado, Marie Harf, confirmou para jornalistas que
Kerry, sim, falou com Ban durante o fim-de-semana. Também confirmou a mudança
de posição dos EUA sobre as investigações. “Acreditamos que passou tempo demais
e houve tal destruição na mesma área que a investigação não terá credibilidade”
– disse ela.[2]
Essa
mesma ideia apareceu também em declaração de “alto funcionário”, anônimo, no
domingo, para o Washington Post, segundo a qual as provas teriam sido
“significativamente corrompidas” por bombardeios subsequente, pelo regime, na
mesma área.[3]
“Agora já
não cremos que a ONU possa fazer investigação confiável sobre o que aconteceu”
– disse Harf. – “Estamos preocupados, porque o regime sírio está usando a
tática de atrasar as investigações, para continuar a bombardear e destruir
provas na área.”
Mas Harf
não explicou como o cessar-fogo que o governo sírio impôs na área a ser
investigada e a decisão de dar pleno acesso aos investigadores da ONU poderiam
ser interpretados como “continuar a bombardear e destruir provas na área.”
Apesar
dos esforços dos EUA para fazer-crer que a política síria seria política de
“atrasar”, a verdade é que o pedido formal da ONU para que a equipe chegasse ao
local não havia sido encaminhado ao governo sírio, até que Angela Kane, Alta
Representante da ONU para Temas de Desarmamento, chegou a Damasco no sábado;
foi o que informou Farhan Haq, como porta-voz de Ban, em briefing à imprensa,
em New York, na 3ª-feira.
Na
3ª-feira, o ministro sírio de Relações Exteriores Walid al-Muallem disse, em
conferência de imprensa, que ninguém havia pedido à Síria qualquer autorização
para que a ONU tivesse acesso à área de East Ghouta, até que o pedido afinal
apareceu, encaminhado por Angela Kane, no sábado. No dia seguinte, a Síria
informou que o pedido fora a aceito, bem como o cessar-fogo na mesma área.
Haq discordou
frontalmente do que Kerry dissera sobre ser tarde demais para recolher provas
sobre o incidente do dia 21/8. “O gás Sarin deixa rastros que podem ser
detectados meses depois de o gás ser usado”, disse ele, como o New York Times
noticia.[4]
Especialistas
em armas químicas também sugeriram, em entrevistas para nosso InterPress
Service, que a equipe de investigadores da ONU – coordenada pelo renomado
especialista sueco Ake Sellström e reunindo vários especialistas requisitados
da Organização para Prevenção de Armas Químicas – teria meio para confirmar ou
descartar, em apenas alguns poucos dias, a acusação de ataque com gás de efeito
neurológico ou por outra arma química na área investigada.
Ralph
Trapp, consultor para temas relacionados à proliferação de armas químicas e
biológicas, disse que se sentia “razoavelmente confiante” de que a equipe da
ONU conseguirá esclarecer o que houve. “Eles podem oferecer resposta altamente
confiável à questão de saber se houve ataque químico; e eles podem também dizer
qual o produto químico usado como arma” – disse ele –, a partir de exame de
amostras de sangue, urina e cabelo dos mortos e feridos. Há até “alguma chance”
de recolher resíduos químicos, de pedaços de munição ou de cartuchos, nos
locais investigados. E uma análise completa, disse Trapp, exige “vários dias”.
Steve
Johnson, que dirige um programa de investigação forense de armas químicas,
biológicas e radiológicas na Cranfield University na Grã-Bretanha, disse que
até o final da semana a ONU já saberá se “houve mortes provocadas por agente
químico de efeito neurológico”. Johnson disse também que, sendo absolutamente
urgente, a equipe conseguiria produzir “alguma espécie de primeira estimativa
tendencial” sobre a questão, no prazo de 24 a 48 horas.
Dan
Kastesza, veterano que serviu durante 20 anos no Corpo de Armas Químicas do
Exército dos EUA [orig. U.S. Army Chemical Corps] e foi conselheiro da Casa
Branca sobre proliferação de armas químicas e biológicas, disse à InterPress
Service que, de fato, não se procura traços de gás sarin em amostras de sangue,
mas das substâncias químicas que são produzidas quando o gás sarin se decompõe.
Kastesza disse também que, depois de recebidas as amostras, os especialistas
podem saber, “no período de um ou dois dias”, se houve contato com gás sarin ou
outro produto químico dos que se usam como arma.
A
verdadeira razão da hostilidade do governo Obama contra a investigação pela ONU
parece ser o medo de que a decisão do governo sírio, de dar livre acesso aos
especialistas, indique que o governo sírio já sabe que os investigadores não
encontrarão qualquer evidência de uso de gás de efeito neurológico.
Os
esforços do governo dos EUA em 2013 para desacreditar a investigação dos
especialistas fazem lembrar o que fez o governo de George W. Bush contra os
inspetores da ONU, em 2002 e 2003, depois que não encontraram qualquer prova de
que haveria armas de destruição em massa no Iraque; o governo Bush, daquela
vez, recusou-se a dar mais tempo aos inspetores, de modo que não conseguissem
demonstrar cabalmente, por prova irrefutável, que não havia no Iraque nenhum
programa ativo de produção armas de destruição em massa.
Nos dois
casos, o governo dos EUA já decidiu ir à guerra. E não permitirá que se produza
informação que se contraponha à sua decisão.
******
[1]http://online.wsj.com/article/SB10001424127887323407104579036173795495190.html
[2]http://www.scoop.co.nz/stories/WO1308/S00483/us-state-department-daily-press-briefing-august-26-2013.htm
[3]
http://www.washingtonpost.com/blogs/right-turn/wp/2013/08/26/too-little-too-late-in-syria/
[4]http://mobile.nytimes.com/2013/08/28/science/not-easy-to-hide-a-chemical-attack-experts-say.html?from=global.home
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