quinta-feira, 29 de agosto de 2013

«QUÍMICOS» PASSAM PELAS BRECHAS DO «EIXO» OCIDENTAL CONTRA A SÍRIA



29 agosto 2013, ODiário.info http://www.odiario.info (Portugal)

Finian Cunningham*

«O resultado de investigações independentes e o que se descobre nelas sobre massacres na Síria, jamais chegam às primeiras páginas dos veículos da imprensa-empresa ocidental. A névoa inicial criada pelas manchetes pejorativas e vastíssima desinformação «midiática» deixa, como planejado, uma impressão residual de culpa contra o governo de Assad.

O suposto ataque, semana passada, com armas químicas, em três subúrbios de Damasco segue o mesmo padrão. Washington capitaneou o ocidente na condenação do governo sírio, sem contudo oferecer qualquer prova. Mas a pergunta realmente interessante, agora, é: qual o contexto político significativo, desta vez?»

Padrão recorrente ao longo da crise síria é a coincidência entre massacres de origem suspeita e momentos em que há mudança no contexto político. É importante ter isso em mente ao avaliar relatos publicados semana passada de um massacre, com uso de armas químicas,
que teria acontecido próximo de Damasco, e teria feito, segundo alguns relatos, mais de 1.100 mortos. O governo sírio já negou veementemente qualquer responsabilidade sobre o incidente e chegou a questionar se houve, de fato, emprego de armas químicas.

Antes, quando o Conselho de Segurança das Nações Unidas estava reunido para votar sanções mais duras contra o governo do presidente Bashar al-Assad, teria ocorrido outro massacre ou explosão de bomba, como no caso notório da vila de Houla em maio de 2012, quando mais de 100 civis foram massacrados…

Em todos os casos, o governo de Assad sempre foi unanimemente condenado pela imprensa-empresa ocidental, e seus aliados externos, Rússia, China e Irã, igualmente execrados por apoiarem um «regime despótico». Nas semanas subsequentes, contudo, descobriu-se que o massacre de Houla havia sido, como vários outros dessas matanças em massa, ação de mercenários financiados e armados pelo ocidente.

O resultado de investigações independentes e o que se descobre nelas sobre massacres na Síria, jamais chegam às primeiras páginas dos veículos da imprensa-empresa ocidental. A névoa inicial criada pelas manchetes pejorativas e vastíssima desinformação «midiática» deixa, como planejado, uma impressão residual de culpa contra o governo de Assad.
O suposto ataque, semana passada, com armas químicas, em três subúrbios de Damasco segue o mesmo padrão. Washington capitaneou o ocidente na condenação do governo sírio, sem contudo oferecer qualquer prova. Mas a pergunta realmente interessante, agora, é: qual o contexto político significativo, desta vez?

Já há quase dois anos e meio, a Síria é alvo de guerra clandestina de agressão que visa a desestabilizar o país e instigar a «mudança de regime».

O eixo ocidental que está patrocinando a guerra clandestina contra a Síria visa, ao mesmo tempo, a obter e manter o controlo sobre a possibilidade de uma mudança de regime, como conseguiu na Líbia, depois da derrubada e do assassínio de Muammar Gaddafi no final de 2011.

Mas na Síria, por várias razões, o equilíbrio estratégico da guerra pendeu a favor do governo de Assad, cuja permanência no poder parece hoje ainda mais assegurada, com as forças militares oficiais conseguindo avançar significativamente, desalojando os mercenários pagos pelo ocidente.

O que se vê de facto é que a agenda ocidental para forçar mudança de regime na Síria já se pode considerar derrotada – pelo menos no campo militar. O ponto de viragem foi a vitória do exército sírio contra os mercenários ocidentais na região chave de Qusayr, na primeira semana de junho. A partir daí, as milícias apoiadas por interesses estrangeiros entraram em debandada ou gravitaram de volta às áreas que ainda controlam, em Aleppo, no norte, e na província de Deir al-Zour, a leste.

Essa nova dinâmica gerou tensões internas entre as forças do eixo ocidental. Esse eixo é constituído das principais potências ocidentais, EUA, Grã-Bretanha e França, unidos aos aliados regionais de Israel, Turquia e as monarquias árabes do Golfo Persa, basicamente Arábia Saudita, Qatar e os Emirados Árabes Unidos.

Novas tensões sem precedentes surgiram também entre EUA e Arábia Saudita. Os dois países mantiveram uma sólida aliança estratégica desde 1945, quando o então rei Abdulaziz Ibn Saud jurou dar prioridade para os EUA sobre a vasta riqueza de petróleo do país que acabava de ser descoberta. Essas tensões entre os EUA e a Arábia Saudita são desenvolvimento novo e muito raro. E não podem ser analisadas exclusivamente em relação à Síria: também incidem sobre eventos recentes no Egito.

Quanto à Síria, por sua vez, parece ter-se criado um campo de discussão mais realista, liderado por Washington, que já aceitaria descartar a opção militar e segundo a qual, para que haja mudança de regime em Damasco, deve-se buscar uma tática política mais sofisticada, a começar talvez pelas chamadas negociações de Genebra-2.

Mas persiste a pressão, pelo campo militarista, que insiste em buscar a mudança de regime na Síria pela via da violência. Nesse campo move-se a Arábia Saudita; e praticamente só ela, além dos mercenários que permanecem na Síria sustentados pelo reino saudita. Considere-se que o Qatar foi recentemente deslocado do papel que desempenhava na Síria, resultado também da rivalidade com os sauditas. O mais provável é que os dissimulados qataris tenham optado por retirar-se da liça, para apreciar de camarote o envolvimento dos sauditas no imbróglio sírio.
Também chama a atenção que o governo turco de Recep Tayyip Erdogan, o qual, com sauditas e qataris, teve papel importante, embora clandestino, na coordenação do fornecimento de armas para milícias «rebeldes» na Síria, também se tenha afastado da agenda militar para mudança de regime na Síria. Já se noticiou também que Ancara tentava distanciar-se também dos extremistas da Frente al Nusra, a principal brigada mercenária, responsável por atentados letais com carros-bomba e outros problemas que estariam respingando no território turco, como consequência da campanha desses terroristas na Síria.

O surgimento de tensões no «eixo» liderado pelo ocidente, entre EUA e sauditas explica também o uso de armas químicas perto de Damasco essa semana, em atentado no qual pode ter havido algo entre 500 e 1.500 vítimas, de pessoas que teriam sido expostas ao gás Sarin. A grande imprensa-empresa ocidental, é claro, não se cansa de repetir que o ataque químico seria da responsabilidade de forças leais ao presidente Assad.

O mais provável contudo é que o ataque – se se comprovar o uso de arma química – tenha sido obra de militantes apoiados pelo ocidente, que ainda tentam derrubar o governo de Assad. Outros eventos que envolveram emprego de armas químicas, como o ataque a Khan al Assal, próximo de Aleppo, dia 19 de março desse ano, quando morreram mais de 25 pessoas, como adiante se comprovou, foi obra de mercenários anti-Assad. Relatório oficial do governo russo, divulgado mês passado, comprova a acusação aos mercenários, no ataque a vila de Khan al Assal.

No mais recente caso de uso alegado de armas químicas, é significativo que os primeiros relatos tenham surgido em veículos da imprensa-empresa de propriedade dos sauditas, na 4ª-feira. Dali, a versão de que o governo sírio seria responsável pelo ataque espalhou-se rapidamente para toda a imprensa-empresa ocidental. No mesmo dia, o ministro do Exterior da Arábia Saudita, príncipe Saud al-Faisal exigiu que o Conselho de Segurança da ONU se reunisse, em movimento que teve todos os indícios de ser campanha para condenação «preventiva» do governo de Damasco, mesmo sem qualquer prova. No mesmo momento surgiram também denúncias de que teriam sido empregadas armas químicas, vindas da Coligação Nacional Síria, mais um grupo apoiado pelos sauditas.

Paradoxalmente, na mesma medida em que governos ocidentais afastam-se do apoio material que sempre deram às milícias da oposição armada na Síria, vê-se acentuada escalada no número e na violência dos massacres e outros crimes de ódio. Carros-bomba em ou nos arredores de Damasco mataram dúzias de civis no mês passado; sequestros e execução a sangue-frio de reféns aconteceram na província de Latakia, no noroeste do país; massacres de vilas inteiras, como em Al Ain, em Deir al Zour, também no nordeste; novamente em Khan al Assal, perto de Aleppo; e, muito eloquentemente, tem havido massacres também entre grupos de mercenários rivais.

Essa avançada nas ações de terror é obra sobretudo de milícias ligadas à Al Qaeda, como a Frente al Nusra e o Estado Islâmico do Iraque e Levante. Esses grupos, de extremistas wahhabistas, são pesadamente financiados pela Arábia Saudita (cerca de 60% das armas sauditas são entregues a eles), e eles mantêm antigos laços de relacionamento com a inteligência militar do reino saudita.

É plausível que o aumento na ação dos terroristas e os recentes massacres – inclusive o uso de armas químicas – seja indício de desespero, com os grupos wahhabistas e seu patrocinador saudita começando a suspeitar de que estejam sendo abandonados no campo de operações na Síria, desertados pelas potências ocidentais.

O que se vê, nesse quadro, é o isolamento da Arábia Saudita dentro do «eixo» ocidental. Dada a inerente insegurança psicológica de que padecem os governantes sauditas, que sabem que mantêm controlo precário sobre o próprio poder, qualquer impressão de isolamento na Síria alimenta a paranoia saudita e sua desconfiança quanto às intenções geopolíticas do ocidente na Síria.

A mudança na posição do ocidente em relação à Síria foi tacitamente admitida mês passado pelo secretário de Estado John Kerry, em reunião com membros da chamada Coligação Nacional Síria em New York. A delegação do CNS, apesar do apoio dos sauditas, sequer foi recebida em Washington; e Kerry disse declaradamente aos seus convidados que «não houve solução militar» na Síria. Como se não bastasse, Kerry insistiu que o CNS se engajasse em negociações políticas com o governo do presidente Bashar al-Assad.

Por menos que a imprensa-empresa ocidental tenha cuidado de explicar, houve ali uma mudança seminal na tática dos EUA. Já nada se via de Washington a repetir que «Assad tem de sair» sem condições, como tanto clamaram seus aliados ocidentais até há pouco tempo, ad nauseam. A política de Washington já era de dar uma chance à política. Não que tenha desistido para sempre de tentar derrubar Assad. Mas, agora, usando método alternativo – dado que a opção militar fracassou.

Chama a atenção também o relativo silêncio de Londres e Paris sobre a Síria nas últimas semanas. Em meses anteriores, as duas ex-potências coloniais vociferavam suas exigências de que Assad «saísse» da Síria. Essas exigências calaram agora, como que alinhadas à abordagem menos vociferante de Washington ante o «problema sírio».

Esta aparente «retirada», da opção militarista para a «mudança de regime» na Síria reflete-se também no já longo adiamento da entrega de mais armas ocidentais para as milícias «rebeldes». Embora EUA, Grã-Bretanha e França tenham dado luz verde para o envio de armas para milícias na Síria no início de junho, até hoje essas armas não viajaram.

A reticência na entrega de mais armamento pelos estados ocidentais reflete o reconhecimento implícito de que a opção militar para mudança de regime foi derrotada. Com o Exército Nacional Sírio ganhando impulso, as potências ocidentais afinal se dão contas de que nada ganham com chicotear cavalo manco. Depois de mais de 100 mil mortes, milhões de refugiados e com o governo de Damasco ainda mantendo amplo apoio popular, os patrocinadores ocidentais da ‘mudança de regime’ concluíram, até bem cinicamente, que suas ambições militares entraram num beco sem saída.

A mudança tática na agenda ocidental para a Síria – do militarismo para a discussão política – levou, segundo vários especialistas, a aumentar o ressentimento contra os EUA entre os militantes na Síria, e também entre os sauditas que apoiam as milícias.
Quando Kerry disse à delegação da CNS em New York, mês passado, que não haveria solução militar e que eles que tratassem de se entender politicamente com o governo em Damasco, a reação contra Washington foi de indignação praticamente às claras. A delegação viajara aos EUA esperando voltar com um novo carregamento de armas. Depois da reunião com Kerry, o recém indicado presidente da CNS, Ahmad al Jarba, muito ligado à inteligência saudita, disse: «Negar-nos o direito de autodefesa é correr o risco de deixar sobreviver o regime. Haverá milhares de execuções, a repressão continuará sem fim».

E não só os exilados da CNS ficaram aborrecidos com a nova posição política de Washington. Funcionários sauditas também estavam pressionando os EUA sobre por que as armas prometidas estavam demorando tanto. O que se sabe é que os sauditas já haviam sentido que os EUA não lhes davam resposta convincente para o adiamento na entrega das armas.

Além da lástima dos sauditas, há o fato de que recentemente assumiram a posição, que sempre foi do Qatar, de principal ator regional a comandar os mercenários na Síria. O que agora se vê é que Washington também minou o comando dos sauditas, ao não enviar as armas prometidas. Claro que a Arábia Saudita pode, ela mesma, fornecer armas, sem apoio dos EUA ou de qualquer outra força ocidental. O reino recebe armas de EUA e Grã-Bretanha há anos e sabe-se que, no início do mês, comprou $50 milhões em armamentos de Israel, para enviar aos mercenários anti-Assad na Síria.

Mesmo assim, a nova atitude de Washington perturbou gravemente Riad. É como se os EUA tivessem deixado os sauditas sem chão, por sua conta e risco, mergulhados até o pescoço no movediço cenário sírio. (…) Do ponto de vista dos sauditas, os EUA são responsáveis também pela ascensão política da Fraternidade Muçulmana e pela desestabilização do Egito – mesmo que os EUA tenham apoiado a derrubada de Mursi. O discurso do rei saudita, contra os patrões norte-americanos indica que as tensões só aumentaram entre os dois tradicionais aliados.

Essas tensões podem também explicar as atrocidades da semana passada e o «caso» do uso de armas químicas na Síria. Os sauditas podem estar flexionando seus músculos locais, subindo as apostas na Síria, para forçar Washington e as demais potências ocidentais a reverterem ao modo militarista. Afinal, o presidente Obama «demarcou» o emprego de armas químicas com a tal «linha vermelha» que, se ultrapassada, dispararia a intervenção militar ocidental na Síria. Hoje, de fato, parece que alguém matreiramente, e temerariamente, traçou nova escandalosa linha vermelha, para pressionar Obama.

* Finian Cunningham natural de Belfast, Irlanda, com pós-graduação em Química Agrícola, é comentador de política internacional, tendo sido expulso do Bahrein em 2011 (um país amigo do consenso de Washington), pelas suas críticas às violações dos direitos humanos.

Título da responsabilidade de odiário.info


Tradução de Vila Vudu 

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