quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Síria/“O QUE DIRÃO AO PRÓPRIO POVO SOBRE A INTERVENÇÃO MILITAR?”



27 agosto 2013, Brasil de Fato http://www.brasildefato.com.br

Bashar al-Assad aponta extremistas da Al-Qaeda como peças-chave para compreensão do conflito interno no país e vê caso do pretexto criado por potências do Ocidente para guerra

de Damasco (Síria)

Na iminência de um ataque bélico comandado pelos Estados Unidos, o presidente da Síria Bashar al-Assad fala sobre a delicada situação que vive seu país. Assad ressalta desde vultoso influxo de “rebeldes” islâmicos que vêm de outros países – estimados em dezenas de milhares –, até a possibilidade de ter o seu território atacado por forças da OTAN.

Sobre o ataque químico em que a mídia ocidental o denuncia como mandante do assassinato de centenas de civis, ele se defende, pontuando que se trata de uma jogada política que tenta legitimar uma intervenção militar. “E que país usaria armas químicas em áreas na qual estão suas próprias forças? É ridículo! São acusações completamente politizadas e vêm na sequência e como reação contra os avanços que o Exército Sírio alcançou contra os terroristas”, argumenta Assad. Abaixo a entrevista.

Sr. Presidente, a questão mais premente no mundo hoje é a situação atual na Síria. Que partes do país continuam sob controle dos rebeldes?
Bashar al-Assad: De nosso ponto de vista, não se trata de rotular algumas áreas como controladas pelos terroristas. Não estamos lidando com uma ocupação convencional, que permita que se contextualizem as coisas desse modo. Estamos combatendo contra terroristas infiltrados em algumas áreas, cidades, áreas periféricas de cidades. Eles atacam, vandalizam, destroem infraestrutura e matam civis inocentes, simplesmente porque a população os denuncia. O exército se mobiliza para essas áreas com as forças de segurança e agentes policiais para erradicar os terroristas; os que sobrevivem, mudam-se para outras áreas. Portanto, a essência de nossa ação é conter terroristas.

Enfrentamos o desafio, que complica a situação, de um influxo de grande número de terroristas que vêm de outros países – estimados em dezenas de milhares de terroristas, pelo menos. Enquanto continuarem a receber ajuda financeira e militar, nós continuaremos a atacá-los. Posso confirmar que não houve nenhum caso que o Exército Sírio tenha planejado desalojar terroristas de uma dada locação, e não tenha sido bem sucedido.

A maioria dos terroristas que nos atacam são Takfiris, que adotaram a doutrina da al-Qaeda, além de um pequeno número de bandidos comuns.
Por isso digo que não se trata de saber quem controla maiores áreas. Em todos os pontos onde os terroristas ataquem, nós ali estamos, contra eles.

Mas a grande mídia hegemônica ocidental diz que os terroristas controlam de 40% a 70% do território sírio. Qual é a verdade?
Nenhum exército, em nenhum país do mundo, pode estar presente, com todo o armamento, em todos os pontos de país algum. Os terroristas exploram isso, e violam áreas nas quais o exército não esteja. Fogem de uma área para outra, e continuamos a erradicá-los, com sucesso, de todas as áreas onde apareçam. Reitero portanto que a questão não é a extensão do território no qual se infiltrem, mas o grande fluxo de terroristas que vêm de fora da Síria.

Critério significativo para avaliar o sucesso é verificar se o Exército Sírio tem conseguido chegar a qualquer área infiltrada pelos terroristas e desalojá-los. Quanto a isso, a resposta é sim, com certeza. O Exército sempre conseguiu desalojar os terroristas onde os encontrou, e continua a fazê-lo. Mas isso exige tempo, porque esse tipo de guerra não acaba de um momento para outro, são guerras longas, que cobram preço muito algo. Mesmo depois que tivermos erradicado todos os terroristas, teremos pago preço muito alto.

Senhor presidente, o senhor falou de extremistas Takfiri que entraram na Síria. São grupos fragmentados que atacam esporadicamente? Ou compõem algum tipo de força maior que busca destruir a segurança e a estabilidade na Síria e em todo o Oriente Médio?
Há os dois tipos. São semelhantes, na medida em que todos partilham a mesma doutrina Takfiri extremista de indivíduos como Zawahiri; também são semelhantes na medida em que recebem o mesmo apoio financeiro e o mesmo apoio militar. Mas são simultaneamente diferentes entre eles, porque são incoerentes e dispersos, com cada grupo seguindo um líder separado e seguindo sua própria agenda, diferente das demais. Claro que é bem sabido que países, como a Arábia Saudita, que controla ‘a bolsa’, pode manejá-los e manipulá-los como mais lhe interesse.

Ideologicamente, esses países mobilizam terroristas por meios diretos ou indiretos, como instrumentos de extremismo. Se declararem que os muçulmanos devem fazer Jihad na Síria, milhares de extremistas responderão. Financeiramente, os que financiam e armam esses grupos podem instruí-los para que organizem atos de terrorismo e espalhem a anarquia. A influência que recebem é reforçada, quando um país como a Arábia Saudita dirige os terroristas, simultaneamente, por meios financeiros e pela ideologia wahhabista.

O governo sírio tem denunciado que há ligação estreita entre Israel e os terroristas. Como o senhor explica isso? A opinião geral é que islamistas extremistas odiariam Israel e entrariam em surto só de ouvir o nome do país.
Se essa opinião fosse correta, o que explica que cada vez que atacamos os terroristas na fronteira, Israel ataca nossos soldados, para reduzir a pressão contra os terroristas na fronteira? Fosse assim, por que, quando bloqueamos os terroristas numa área, Israel os deixa escapar pelo lado israelense, para que possam tentar nos atacar de outra direção? Por que Israel tem atacado, ataques diretos contra o Exército Sírio, em mais de uma ocasião, nos últimos meses? É evidente que a opinião geral que o senhor citou é inacurada. Israel já declarou publicamente que está cooperando com os terroristas e os trata em hospitais em Israel.

Se os terroristas fossem de fato hostis a Israel, dados a surtos de histeria à simples menção do nome, porque lutaram contra a União Soviética, a Síria e o Egito, mas jamais atacaram Israel, uma única vez? Quem criou esses grupos terroristas? Foram criados no início dos anos 1980s pelos EUA e pelo ocidente, com dinheiro dos sauditas, para combater contra a União Soviética no Afeganistão. Como seria possível, logicamente falando, que esses grupos fabricados pelos EUA e o Ocidente algum dia atacassem Israel?

Senhor presidente, essa entrevista será traduzida para várias línguas internacionais e será lida por líderes em todo o mundo, alguns dos quais podem estar hoje trabalhando contra o senhor. O que o senhor gostaria de dizer a eles?
Hoje, há muitos políticos ocidentais, mas bem poucos estadistas. Alguns desses políticos não leem História nem aprendem dela; outros sequer recordam eventos recentes. Que lições os políticos ocidentais aprenderam, pelo menos, dos últimos 50 anos? Não veem que desde a Guerra do Vietnã, falharam todas as guerras criadas por seus predecessores? Não aprenderam que nada obtiveram daquelas guerras, além da destruição dos países contra os quais lutaram, que desestabilizaram o Oriente Médio e outras partes do mundo? Ainda não compreenderam que todas as guerras deles não os fizeram mais respeitados ou apreciados na região? Que ninguém aprecia ou crê em suas políticas?

De outro ponto de vista, esses políticos já deveriam saber que o terrorismo não é carta que com a qual possam jogar quando bem entendam e possam meter outra vez no bolso, quando não lhes interessa. O terrorismo é como um escorpião: pode atacar qualquer um, a qualquer momento. Ninguém pode financiar o terrorismo na Síria e, ao mesmo tempo, combater o terrorismo no Mali. Vocês não podem apoiar o terrorismo na Chechnya e combater contra o terrorismo no Afeganistão.

Para ser muito preciso, refiro-me ao Ocidente e não a todos os líderes mundiais. Se esses líderes ocidentais esperam alcançar seus interesses, eles têm de ouvir seus próprios eleitores e têm de ouvir o povo dessa região, em vez de se porem a tentar implantar aqui governantes ‘fantoches’, na esperança de que sejam capazes de dar ao ocidente o que o ocidente deseja. Se fizerem o que sugerimos, a política ocidental nessa região poderá começar a ser mais realista.

Nossa mensagem ao mundo é clara e direta: a Síria jamais será estado ‘fantoche’ do ocidente. Somos país independente; combateremos o terrorismo e construiremos livremente relações com outros países, como melhor interessar ao povo sírio.

Na quarta-feira, 21 de agosto, os ‘rebeldes’ acusaram o governo sírio de ter usado armas químicas. Alguns líderes ocidentais aceitaram as acusações. O que o senhor responde a isso? O senhor autorizará o acesso de inspetores da ONU naquele local, para investigar o incidente?
Governos dos EUA, do ocidente e de outros países fizeram declarações desdenhosas de flagrante desrespeito até contra a opinião pública em seus próprios países. Não há corpo no mundo, nem alguma superpotência, que possa fazer uma acusação e, na sequência, pôr-se a recolher provas para confirmar o que eles mesmos tenham dito. O governo dos EUA fez a acusação na 4ª-feira e dois dias depois já anunciava que começaria a recolher provas. E que provas encontrariam para recolher, de tão longe?!
Disseram que a área em questão estaria sob controle dos ‘rebeldes’ e que o Exército Sírio teria usado armas químicas. Na verdade, trata-se de área contígua a posições do Exército Sírio. E que país usaria armas químicas em áreas na qual estão suas próprias forças? É ridículo! São acusações completamente politizadas e vêm na sequência e como reação contra os avanços que o Exército Sírio alcançou contra os terroristas.

Quanto à Comissão da ONU, nós fomos os primeiros a exigir investigação da ONU, quando terroristas lançaram ataques com gás tóxico nos arredores de Aleppo. Vários meses antes do ataque, já se ouviam declarações de norte-americanos e ocidentais, que começavam a preparar a opinião pública para o ‘possível’ uso de armas químicas pelo governo sírio. Daí nasceram nossas suspeitas de que o ‘ocidente’ sabia das intenções dos terroristas, de usar armas químicas e, na sequência, tentar culpar o governo sírio. Depois de contatos com a Rússia, decidimos requerer que uma comissão investigue o incidente. Mas requeremos uma investigação baseada em fatos em campo, não em boatos e conversas. EUA, França e Grã-Bretanha tentaram explorar o incidente, para investigar os boatos, não o que realmente aconteceu.

Durante as últimas poucas semanas, trabalhamos com a Comissão e fixamos os parâmetros para a cooperação. O primeiro desses parâmetros é que a soberania da Síria é linha vermelha que não poderá ser ultrapassada; portanto, a Comissão deve reportar diretamente ao governo sírio, durante todo o processo. Segundo, a questão não é apenas como conduzir a investigação, mas também como os resultados serão interpretados. Estamos perfeitamente conscientes de que, em vez de serem interpretados de modo objetivo, os resultados podem ser facilmente interpretados do modo como mais interesse às agendas de alguns grandes países. Evidentemente, esperamos que a Rússia bloqueie qualquer interpretação distorcida para servir aos interesses e às políticas dos EUA e do ocidente. O mais importante é que distinguimos claramente entre acusações do ocidente, baseadas em boatos e intrigas, e a nossa solicitação de uma investigação baseada em fatos e provas concretas.

Declarações recentes, pelo governo dos EUA e outros governos ocidentais, dizem que os EUA não descartam a intervenção militar na Síria. À luz dessas declarações, parece provável que os EUA ajam como agiram no Iraque. Em outras palavras, que procurem um pretexto para a intervenção militar?
Não é a primeira vez que se levanta a possibilidade de intervenção militar. Desde o início, EUA, com França e Grã-Bretanha, anseiam por uma intervenção militar na Síria. Infelizmente para eles, os eventos tomaram rumo diferente, com a balança pendendo contra os planos deles, no Conselho de Segurança, apesar das muitas tentativas que fizeram para seduzir Rússia e China, sem qualquer sucesso. Os resultados negativos que emergiram na Líbia e no Egito tampouco trabalham a favor deles. Tudo isso tornou virtualmente impossível convencer os cidadãos naqueles países e no mundo de que seus governos teriam políticas sólidas e bem-sucedidas para essa parte do mundo.

A situação na Líbia também é diferente da do Egito e Tunísia, e a Síria, como eu disse, é diferente de todos esses países. Cada país tem sua específica situação. Aplicar o mesmo cenário em diferentes partes do mundo já não é opção plausível. Claro que podem criar guerras, mas não se pode prever para que lado elas se espalharão ou como terminarão. Isso os levou a perceber que os cenários que eles próprios inventaram espiralaram para fora do que eles mesmos possam controlar.

Já é hoje absolutamente claro para todos que o que está acontecendo na Síria nada tem de revolução popular que vise à reforma política; trata-se, isso sim, de terrorismo orientado para destruir o estado sírio. O que dirão ao próprio povo, argumentando a favor de intervenção militar? Que o estado sírio estaria apoiando o terrorismo contra o próprio estado sírio?!

O que acontecerá nos EUA, no caso de decidirem pela intervenção militar, com guerra contra a Síria?
Acontecerá o que já aconteceu em todas as guerras norte-americanas, desde o Vietnã... Fracassarão. Os EUA têm feito muitas guerras, mas nunca conseguiram, pelas suas guerras, alcançar os seus objetivos políticos. O governo dos EUA não conseguirá convencer o povo norte-americano de algum benefício dessa guerra. Tampouco conseguirão convencer o povo de nossa região, sobre as políticas e planos dos EUA. As grandes potências globais têm poder para fazer guerras. Mas conseguem vencer as suas próprias guerras?

Senhor presidente, como é sua relação com o presidente Vladimir Putin? Falam-se pelo telefone? E o que discutem?
Tenho fortes relações com o presidente Putin, desde muitos anos antes do início da crise. Nos falamos de tempos em tempos, mas a complexidade dos eventos na Síria não se pode discutir por telefone. Nossos contatos dão facilitado graças a visitas de funcionários russos e sírios. A maior parte dessas reuniões acontece fora dos holofotes da mídia.

Senhor presidente, o senhor tem planos de visitar a Rússia, ou de convidar o presidente Putin para visitar a Síria?
É possível, é claro. Mas atualmente as prioridades são trabalhar para reduzir a violência na Síria, porque há vítimas todos os dias. Tão logo melhorem as circunstância, será necessária uma visita. Por hora, nossos funcionários estão conduzindo muito bem os nossos trabalhos em conjunto.

Senhor presidente, a Rússia tem-se oposto a políticas de EUA e da União Europeia, sobretudo as que tenham a ver com a Síria. E se a Rússia fizer alguma concessão? É um cenário possível?
As relações entre EUA e Rússia não podem ser analisadas exclusivamente pelo contexto da crise síria; é preciso analisá-las de modo mais amplo e compreensivo. Os EUA supuseram que, depois do colapso da União Soviética, a Rússia estaria destruída para sempre. Depois que o presidente Putin assumiu o governo no final dos anos 90s, a Rússia começou a recuperar-se gradualmente e reconquistou sua posição internacional. Então, recomeçou a Guerra Fria, embora de modo diferente, mais sutil.

Os EUA insistem em muitos fronts: querem conter os interesses russos pelo mundo, querem influenciar a mentalidade dos cidadãos russos para aproximá-los do ocidente, em termos de cultura e de aspirações. E trabalharam muito para eliminar o papel potente e vital da Rússia em vários fronts, um dos quais é a Síria.

Você deve estar pensando, como muitos russos, por que a Rússia continua a apoiar a Síria. E é importante explicar isso ao grande público. A Rússia não está defendendo o presidente Bashar al-Assad ou o governo sírio, porque cabe ao povo sírio decidir que presidente quer ter e o sistema político que mais interesse ao povo sírio. Não se trata disso.

A Rússia está defendendo princípios fundamentais que o país abraçou há mais de 100 anos, o primeiro dos quais é a independência e a política de não interferir em assuntos internos de outros países. A própria Rússia já sofreu e continua a sofrer, por esse tipo de interferência.

Adicionalmente, a Rússia defende também seus legítimos interesses na região. Alguns analistas superficiais reduzem esses interesses ao porto de Tartus, mas a verdade é que a Rússia tem interessem muito mais amplos e significativos. Politicamente falando, quando o terrorismo ataca a Síria, pais chave nessa região, o ataque tem impacto direto na estabilidade de todo o Oriente Médio, o que também afeta a Rússia. Diferente de muitos governos ocidentais, o governo russo sabe ver com perfeita clareza essa realidade. E de uma perspectiva social e cultural, não podemos esquecer as dezenas de milhares de famílias sírio-russas, que construíram uma ponte social, cultural e humanitária entre nossos dois países.

Se a Rússia vier a fazer concessões, como você disse, já teria acontecido há um ou dois anos, quando esse quadro ainda não era perfeitamente claro, mesmo para altos funcionários russos. Hoje, o quadro está absolutamente claro. Se a Rússia cedeu naquele momento, agora, com certeza, não cederá.

Senhor presidente, há negociações em curso com a Rússia, para fornecer combustível ou equipamento militar à Síria? Sobre o contrato para o sistema de defesa S-300, especificamente, o senhor já o recebeu?
Não posso, evidentemente, e nenhum país poderia, comentar sobre armas e contratos para compra de armas. É informação secreta, restrita das Forças Armadas. Importante é declarar que todos os contratos assinados com a Rússia serão cumpridos, e nem a crise ou a pressão por EUA, países europeus ou do Golfo afetaram o cumprimento dos contratos. A Rússia continua a fornecer à Síria o necessário para que o país defenda-se e defenda seu povo.

Senhor presidente, com que forma de ajuda da Rússia a Síria conta hoje? Financeira, talvez equipamento militar? Por exemplo, a Síria pediria à Rússia um empréstimo?
Na falta de segurança em campo, é impossível ter economia estável e em funcionamento. Assim, em primeiro lugar, a Rússia nos tem garantido apoio mediante contratos militares para ajudar os sírios a nos defendermos, o que levará a melhor segurança, a qual, por sua vez, facilitará a recuperação da economia. Em segundo lugar, o apoio político da Rússia ao nosso direito à independência e à soberania, também tem tido papel significativo. Muitos outros países voltaram-se contra nós politicamente, e traduziram essa política em cortes nos laços econômicos e no fechamento de seus mercados. A Rússia fez exatamente o contrário disso e mantém boas relações de comércio conosco, o que nos ajudou a manter funcionando a nossa economia. Portanto, em resposta à sua pergunta, o apoio político da Rússia e seu compromisso em honrar os contratos militares firmados, sem se render à pressão dos EUA, muito tem ajudado nossa economia, apesar do impacto negativo que teve, na vida do povo sírio, o embargo econômico que outros países impuseram.

De um ponto de vista puramente econômico, há vários acordos entre Síria e Rússia para vários bens e produtos. Quanto a um empréstimo dos russos, deve-se ver como benéfico para os dois lados: para a Rússia, como oportunidade para suas indústrias e empresas nacionais, que expandem seus negócios para novos mercados; e para a Síria, porque nos supre dos fundos necessários para reconstruir nossa infraestrutura e estimular nossa economia. Repito que a posição política da Rússia e o apoio que dá à Síria são instrumento importante para restaurar a segurança e prover as necessidades básicas do povo sírio.

Senhor presidente, esses contratos têm a ver com combustível ou alimentos básicos?
Os cidadãos sírios estão sendo atacados em suas necessidades básicas de comida, remédios e combustível. O governo da Síria trabalha para garantir que esses itens básicos sejam acessíveis para todos os cidadãos, mediante acordos comerciais com a Rússia e com outros países amigos.

Voltando à situação na Síria, na atual crise. Sabe-se que o senhor já assinou várias anistias, várias vezes. Essas anistias incluem rebeldes? Há casos de rebeldes que abandonam aquele campo, para lutar ao lado do Exército Sírio?
É exatamente o que está acontecendo. Recentemente, começamos a perceber mudança significativa no quadro, sobretudo depois que a situação foi-se tornando mais clara para muitos, que começaram a convencer-se de que a Síria enfrenta, de fato, ataque do terrorismo. Muitos da oposição voltaram à vida civil, depuseram as armas, e esses foram anistiados, para ajudá-los na retomada da vida normal. Há também, importante, certos grupos que mudaram de lado: de lutar contra o Exército, passaram a lutar ao lado do Exército. São pessoas que se deixaram influenciar pela propaganda distribuída pela mídia hegemônica ocidental, ou que se haviam militarizado sob coação dos próprios terroristas. Por essa razão, desde o início da crise, o governo sírio adotou uma política de portas abertas para acolher os que desejassem abandonar a via que abraçaram no início, de lutarem contra o próprio país. Apesar de muitos na Síria terem-se oposto a essa política, ela se provou efetiva e ajudou a aliviar parte da tensão gerada pela crise.

Senhor presidente, as relações da Síria com vários estados estão consecutivamente entrando em colapso, como com o Qatar, Arábia Saudita e Turquia. Quem são seus reais aliados e quem são seus inimigos?
Os países que nos apoiam são bem conhecidos de todos: internacionalmente – Rússia e China. Regionalmente – Irã. Mas começamos a ver uma deriva positiva na arena internacional. Alguns países que se haviam posicionado fortemente contra a Síria, começaram a mudar seu posicionamento; outros começam a reiniciar relações conosco. Claro, a mudança no posicionamento desses países não constitui apoio direto.

Em contraste, há alguns específicos países que mobilizaram e deram amparo ao terrorismo na Síria. De modo especial, o Qatar e a Turquia nos primeiros dois anos. O Qatar financiou e a Turquia garantiu apoio logístico, treinando terroristas e os infiltrando na Síria. Recentemente, a Arábia Saudita substituiu o Qatar, na função de financiador. Para ser completamente claro e transparente, a Arábia Saudita nada tem além de dinheiro. Quem só tenha dinheiro não é capaz de construir nem de alimentar uma civilização. A Arábia Saudita implementa sua agenda gastando dinheiro, tanto dinheiro quanto necessário.

A Turquia é caso diferente. É uma lástima ver que um grande país, como a Turquia, com sociedade liberal e localização estratégica, manipulado por um punhado de dólares que recebe de um estado do Golfo, de mentalidade tão atrasada. A responsabilidade, é claro, pesa sobre os ombros do primeiro-ministro turco, não do povo turco, com o qual os sírios partilhamos muitas tradições e uma rica herança.

Senhor presidente, o que torna tão fortes as relações russo-sírias? São os interesses geopolíticos? Ou o fato de que as duas nações lutam juntas contra o terrorismo?
Há mais de um fator que forjam com tanta força as relações sírio-russas. A primeira, é que a Rússia sofreu sob ocupação durante a 2ª Guerra Mundial e a Síria também foi ocupada, mais de uma vez. Em segundo lugar, desde a era soviética, a Rússia sofreu repetidas tentativas de intervenção estrangeira em seus assuntos internos; e o mesmo também aconteceu com a Síria.

Em terceiro lugar, mas não menos importante, é o terrorismo. Na Síria, entendemos bem o que significa quando extremistas da Chechnya matam civis inocentes, o que significa manter sob sítio alunos e professores em Beslan, ou sequestrar inocentes num teatro em Moscou. E o povo russo entende quando nós, na Síria, denunciamos atos de terrorismo semelhantes aos que os russos sofreram. Por essa razão, o povo russo rejeita a narrativa ocidental, que inventa que haveria “bons terroristas e maus terroristas”.

Além disso tudo, há também laços familiares entre sírios e russos, que já mencionei, que não se teriam desenvolvido se não houvesse características culturais, sociais e intelectuais comuns, além dos interesses geopolíticos dos quais já falamos. A Rússia, diferente dos europeus e do ocidente, está bem consciente das consequências de desestabilizar-se a Síria e a região e dos efeitos que isso terá no alastramento inexorável do terrorismo.

Todos esses fatores modelam coletivamente a posição política de um grande país como a Rússia. A posição dos russos não se baseia em um ou dos elementos, mas numa perspectiva histórica, cultural e intelectual ampla.

Senhor presidente, o que acontecerá em Genebra-2? Quais suas expectativas dessa conferência?
O objetivo da conferência de Genebra é apoiar o processo político e facilitar uma solução política para a crise. Mas isso não será alcançado antes de que tenha fim o apoio externo ao terrorismo. Esperamos que a conferência de Genebra comece por pressionar os países que hoje apoiam o terrorismo contra a Síria, que ponha fim ao contrabando de armas e ao ininterrupto processo de se infiltrarem terroristas no país. Quando isso for alcançado, os passos políticos serão mais fáceis, o mais imperativo dos quais é iniciarmos um diálogo entre os sírios, para discutir o futuro sistema político, a Constituição, várias leis e outros pontos.

Originalmente publicada em www.isvestia.ru.
Tradução: Coletivo Vila Vudu
  

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