Bashar al-Assad aponta extremistas da Al-Qaeda como
peças-chave para compreensão do conflito interno no país e vê caso do pretexto
criado por potências do Ocidente para guerra
de Damasco (Síria)
Na
iminência de um ataque bélico comandado pelos Estados Unidos, o presidente da
Síria Bashar al-Assad fala sobre a delicada situação que vive seu país. Assad
ressalta desde vultoso influxo de “rebeldes” islâmicos que vêm de outros países
– estimados em dezenas de milhares –, até a possibilidade de ter o seu território
atacado por forças da OTAN.
Sobre o
ataque químico em que a mídia ocidental o denuncia como mandante do assassinato
de centenas de civis, ele se defende, pontuando que se trata de uma jogada
política que tenta legitimar uma intervenção militar. “E que país usaria armas
químicas em áreas na qual estão suas próprias forças? É ridículo! São acusações
completamente politizadas e vêm na sequência e como reação contra os avanços
que o Exército Sírio alcançou contra os terroristas”, argumenta Assad. Abaixo a
entrevista.
Sr.
Presidente, a questão mais premente no mundo hoje é a situação atual na Síria.
Que partes do país continuam sob controle dos rebeldes?
Bashar
al-Assad: De nosso
ponto de vista, não se trata de rotular algumas áreas como controladas pelos
terroristas. Não estamos lidando com uma ocupação convencional, que permita que
se contextualizem as coisas desse modo. Estamos combatendo contra terroristas
infiltrados em algumas áreas, cidades, áreas periféricas de cidades. Eles
atacam, vandalizam, destroem infraestrutura e matam civis inocentes,
simplesmente porque a população os denuncia. O exército se mobiliza para essas
áreas com as forças de segurança e agentes policiais para erradicar os
terroristas; os que sobrevivem, mudam-se para outras áreas. Portanto, a
essência de nossa ação é conter terroristas.
Enfrentamos
o desafio, que complica a situação, de um influxo de grande número de
terroristas que vêm de outros países – estimados em dezenas de milhares de
terroristas, pelo menos. Enquanto continuarem a receber ajuda financeira e
militar, nós continuaremos a atacá-los. Posso confirmar que não houve nenhum
caso que o Exército Sírio tenha planejado desalojar terroristas de uma dada
locação, e não tenha sido bem sucedido.
A maioria
dos terroristas que nos atacam são Takfiris, que adotaram a doutrina da
al-Qaeda, além de um pequeno número de bandidos comuns.
Por isso digo que não
se trata de saber quem controla maiores áreas. Em todos os pontos onde os
terroristas ataquem, nós ali estamos, contra eles.
Mas a
grande mídia hegemônica ocidental diz que os terroristas controlam de 40% a 70%
do território sírio. Qual é a verdade?
Nenhum
exército, em nenhum país do mundo, pode estar presente, com todo o armamento,
em todos os pontos de país algum. Os terroristas exploram isso, e violam áreas
nas quais o exército não esteja. Fogem de uma área para outra, e continuamos a
erradicá-los, com sucesso, de todas as áreas onde apareçam. Reitero portanto
que a questão não é a extensão do território no qual se infiltrem, mas o grande
fluxo de terroristas que vêm de fora da Síria.
Critério
significativo para avaliar o sucesso é verificar se o Exército Sírio tem
conseguido chegar a qualquer área infiltrada pelos terroristas e desalojá-los.
Quanto a isso, a resposta é sim, com certeza. O Exército sempre conseguiu
desalojar os terroristas onde os encontrou, e continua a fazê-lo. Mas isso
exige tempo, porque esse tipo de guerra não acaba de um momento para outro, são
guerras longas, que cobram preço muito algo. Mesmo depois que tivermos
erradicado todos os terroristas, teremos pago preço muito alto.
Senhor
presidente, o senhor falou de extremistas Takfiri que entraram na Síria. São
grupos fragmentados que atacam esporadicamente? Ou compõem algum tipo de força
maior que busca destruir a segurança e a estabilidade na Síria e em todo o
Oriente Médio?
Há os
dois tipos. São semelhantes, na medida em que todos partilham a mesma doutrina
Takfiri extremista de indivíduos como Zawahiri; também são semelhantes na
medida em que recebem o mesmo apoio financeiro e o mesmo apoio militar. Mas são
simultaneamente diferentes entre eles, porque são incoerentes e dispersos, com
cada grupo seguindo um líder separado e seguindo sua própria agenda, diferente
das demais. Claro que é bem sabido que países, como a Arábia Saudita, que
controla ‘a bolsa’, pode manejá-los e manipulá-los como mais lhe interesse.
Ideologicamente,
esses países mobilizam terroristas por meios diretos ou indiretos, como
instrumentos de extremismo. Se declararem que os muçulmanos devem fazer Jihad
na Síria, milhares de extremistas responderão. Financeiramente, os que
financiam e armam esses grupos podem instruí-los para que organizem atos de
terrorismo e espalhem a anarquia. A influência que recebem é reforçada, quando
um país como a Arábia Saudita dirige os terroristas, simultaneamente, por meios
financeiros e pela ideologia wahhabista.
O governo
sírio tem denunciado que há ligação estreita entre Israel e os terroristas.
Como o senhor explica isso? A opinião geral é que islamistas extremistas
odiariam Israel e entrariam em surto só de ouvir o nome do país.
Se essa
opinião fosse correta, o que explica que cada vez que atacamos os terroristas
na fronteira, Israel ataca nossos soldados, para reduzir a pressão contra os
terroristas na fronteira? Fosse assim, por que, quando bloqueamos os
terroristas numa área, Israel os deixa escapar pelo lado israelense, para que
possam tentar nos atacar de outra direção? Por que Israel tem atacado, ataques
diretos contra o Exército Sírio, em mais de uma ocasião, nos últimos meses? É
evidente que a opinião geral que o senhor citou é inacurada. Israel já declarou
publicamente que está cooperando com os terroristas e os trata em hospitais em
Israel.
Se os
terroristas fossem de fato hostis a Israel, dados a surtos de histeria à
simples menção do nome, porque lutaram contra a União Soviética, a Síria e o
Egito, mas jamais atacaram Israel, uma única vez? Quem criou esses grupos
terroristas? Foram criados no início dos anos 1980s pelos EUA e pelo ocidente,
com dinheiro dos sauditas, para combater contra a União Soviética no
Afeganistão. Como seria possível, logicamente falando, que esses grupos
fabricados pelos EUA e o Ocidente algum dia atacassem Israel?
Senhor
presidente, essa entrevista será traduzida para várias línguas internacionais e
será lida por líderes em todo o mundo, alguns dos quais podem estar hoje
trabalhando contra o senhor. O que o senhor gostaria de dizer a eles?
Hoje, há
muitos políticos ocidentais, mas bem poucos estadistas. Alguns desses políticos
não leem História nem aprendem dela; outros sequer recordam eventos recentes.
Que lições os políticos ocidentais aprenderam, pelo menos, dos últimos 50 anos?
Não veem que desde a Guerra do Vietnã, falharam todas as guerras criadas por
seus predecessores? Não aprenderam que nada obtiveram daquelas guerras, além da
destruição dos países contra os quais lutaram, que desestabilizaram o Oriente
Médio e outras partes do mundo? Ainda não compreenderam que todas as guerras
deles não os fizeram mais respeitados ou apreciados na região? Que ninguém
aprecia ou crê em suas políticas?
De outro
ponto de vista, esses políticos já deveriam saber que o terrorismo não é carta
que com a qual possam jogar quando bem entendam e possam meter outra vez no bolso,
quando não lhes interessa. O terrorismo é como um escorpião: pode atacar
qualquer um, a qualquer momento. Ninguém pode financiar o terrorismo na Síria
e, ao mesmo tempo, combater o terrorismo no Mali. Vocês não podem apoiar o
terrorismo na Chechnya e combater contra o terrorismo no Afeganistão.
Para ser
muito preciso, refiro-me ao Ocidente e não a todos os líderes mundiais. Se
esses líderes ocidentais esperam alcançar seus interesses, eles têm de ouvir
seus próprios eleitores e têm de ouvir o povo dessa região, em vez de se porem
a tentar implantar aqui governantes ‘fantoches’, na esperança de que sejam
capazes de dar ao ocidente o que o ocidente deseja. Se fizerem o que sugerimos,
a política ocidental nessa região poderá começar a ser mais realista.
Nossa
mensagem ao mundo é clara e direta: a Síria jamais será estado ‘fantoche’ do
ocidente. Somos país independente; combateremos o terrorismo e construiremos
livremente relações com outros países, como melhor interessar ao povo sírio.
Na
quarta-feira, 21 de agosto, os ‘rebeldes’ acusaram o governo sírio de ter usado
armas químicas. Alguns líderes ocidentais aceitaram as acusações. O que o
senhor responde a isso? O senhor autorizará o acesso de inspetores da ONU
naquele local, para investigar o incidente?
Governos
dos EUA, do ocidente e de outros países fizeram declarações desdenhosas de
flagrante desrespeito até contra a opinião pública em seus próprios países. Não
há corpo no mundo, nem alguma superpotência, que possa fazer uma acusação e, na
sequência, pôr-se a recolher provas para confirmar o que eles mesmos tenham
dito. O governo dos EUA fez a acusação na 4ª-feira e dois dias depois já
anunciava que começaria a recolher provas. E que provas encontrariam para
recolher, de tão longe?!
Disseram
que a área em questão estaria sob controle dos ‘rebeldes’ e que o Exército
Sírio teria usado armas químicas. Na verdade, trata-se de área contígua a
posições do Exército Sírio. E que país usaria armas químicas em áreas na qual
estão suas próprias forças? É ridículo! São acusações completamente politizadas
e vêm na sequência e como reação contra os avanços que o Exército Sírio
alcançou contra os terroristas.
Quanto à
Comissão da ONU, nós fomos os primeiros a exigir investigação da ONU, quando
terroristas lançaram ataques com gás tóxico nos arredores de Aleppo. Vários
meses antes do ataque, já se ouviam declarações de norte-americanos e
ocidentais, que começavam a preparar a opinião pública para o ‘possível’ uso de
armas químicas pelo governo sírio. Daí nasceram nossas suspeitas de que o
‘ocidente’ sabia das intenções dos terroristas, de usar armas químicas e, na
sequência, tentar culpar o governo sírio. Depois de contatos com a Rússia,
decidimos requerer que uma comissão investigue o incidente. Mas requeremos uma investigação
baseada em fatos em campo, não em boatos e conversas. EUA, França e
Grã-Bretanha tentaram explorar o incidente, para investigar os boatos, não o
que realmente aconteceu.
Durante
as últimas poucas semanas, trabalhamos com a Comissão e fixamos os parâmetros
para a cooperação. O primeiro desses parâmetros é que a soberania da Síria é
linha vermelha que não poderá ser ultrapassada; portanto, a Comissão deve
reportar diretamente ao governo sírio, durante todo o processo. Segundo, a
questão não é apenas como conduzir a investigação, mas também como os
resultados serão interpretados. Estamos perfeitamente conscientes de que, em
vez de serem interpretados de modo objetivo, os resultados podem ser facilmente
interpretados do modo como mais interesse às agendas de alguns grandes países.
Evidentemente, esperamos que a Rússia bloqueie qualquer interpretação
distorcida para servir aos interesses e às políticas dos EUA e do ocidente. O
mais importante é que distinguimos claramente entre acusações do ocidente, baseadas
em boatos e intrigas, e a nossa solicitação de uma investigação baseada em
fatos e provas concretas.
Declarações
recentes, pelo governo dos EUA e outros governos ocidentais, dizem que os EUA
não descartam a intervenção militar na Síria. À luz dessas declarações, parece
provável que os EUA ajam como agiram no Iraque. Em outras palavras, que
procurem um pretexto para a intervenção militar?
Não é a
primeira vez que se levanta a possibilidade de intervenção militar. Desde o
início, EUA, com França e Grã-Bretanha, anseiam por uma intervenção militar na
Síria. Infelizmente para eles, os eventos tomaram rumo diferente, com a balança
pendendo contra os planos deles, no Conselho de Segurança, apesar das muitas
tentativas que fizeram para seduzir Rússia e China, sem qualquer sucesso. Os
resultados negativos que emergiram na Líbia e no Egito tampouco trabalham a
favor deles. Tudo isso tornou virtualmente impossível convencer os cidadãos
naqueles países e no mundo de que seus governos teriam políticas sólidas e
bem-sucedidas para essa parte do mundo.
A
situação na Líbia também é diferente da do Egito e Tunísia, e a Síria, como eu
disse, é diferente de todos esses países. Cada país tem sua específica
situação. Aplicar o mesmo cenário em diferentes partes do mundo já não é opção
plausível. Claro que podem criar guerras, mas não se pode prever para que lado
elas se espalharão ou como terminarão. Isso os levou a perceber que os cenários
que eles próprios inventaram espiralaram para fora do que eles mesmos possam controlar.
Já é hoje
absolutamente claro para todos que o que está acontecendo na Síria nada tem de
revolução popular que vise à reforma política; trata-se, isso sim, de
terrorismo orientado para destruir o estado sírio. O que dirão ao próprio povo,
argumentando a favor de intervenção militar? Que o estado sírio estaria
apoiando o terrorismo contra o próprio estado sírio?!
O que
acontecerá nos EUA, no caso de decidirem pela intervenção militar, com guerra
contra a Síria?
Acontecerá
o que já aconteceu em todas as guerras norte-americanas, desde o Vietnã...
Fracassarão. Os EUA têm feito muitas guerras, mas nunca conseguiram, pelas suas
guerras, alcançar os seus objetivos políticos. O governo dos EUA não conseguirá
convencer o povo norte-americano de algum benefício dessa guerra. Tampouco
conseguirão convencer o povo de nossa região, sobre as políticas e planos dos
EUA. As grandes potências globais têm poder para fazer guerras. Mas conseguem
vencer as suas próprias guerras?
Senhor
presidente, como é sua relação com o presidente Vladimir Putin? Falam-se pelo
telefone? E o que discutem?
Tenho
fortes relações com o presidente Putin, desde muitos anos antes do início da
crise. Nos falamos de tempos em tempos, mas a complexidade dos eventos na Síria
não se pode discutir por telefone. Nossos contatos dão facilitado graças a
visitas de funcionários russos e sírios. A maior parte dessas reuniões acontece
fora dos holofotes da mídia.
Senhor
presidente, o senhor tem planos de visitar a Rússia, ou de convidar o presidente
Putin para visitar a Síria?
É
possível, é claro. Mas atualmente as prioridades são trabalhar para reduzir a
violência na Síria, porque há vítimas todos os dias. Tão logo melhorem as
circunstância, será necessária uma visita. Por hora, nossos funcionários estão
conduzindo muito bem os nossos trabalhos em conjunto.
Senhor
presidente, a Rússia tem-se oposto a políticas de EUA e da União Europeia,
sobretudo as que tenham a ver com a Síria. E se a Rússia fizer alguma
concessão? É um cenário possível?
As relações
entre EUA e Rússia não podem ser analisadas exclusivamente pelo contexto da
crise síria; é preciso analisá-las de modo mais amplo e compreensivo. Os EUA
supuseram que, depois do colapso da União Soviética, a Rússia estaria destruída
para sempre. Depois que o presidente Putin assumiu o governo no final dos anos
90s, a Rússia começou a recuperar-se gradualmente e reconquistou sua posição
internacional. Então, recomeçou a Guerra Fria, embora de modo diferente, mais
sutil.
Os EUA
insistem em muitos fronts: querem conter os interesses russos pelo mundo,
querem influenciar a mentalidade dos cidadãos russos para aproximá-los do
ocidente, em termos de cultura e de aspirações. E trabalharam muito para
eliminar o papel potente e vital da Rússia em vários fronts, um dos quais é a
Síria.
Você deve
estar pensando, como muitos russos, por que a Rússia continua a apoiar a Síria.
E é importante explicar isso ao grande público. A Rússia não está defendendo o
presidente Bashar al-Assad ou o governo sírio, porque cabe ao povo sírio
decidir que presidente quer ter e o sistema político que mais interesse ao povo
sírio. Não se trata disso.
A Rússia
está defendendo princípios fundamentais que o país abraçou há mais de 100 anos,
o primeiro dos quais é a independência e a política de não interferir em
assuntos internos de outros países. A própria Rússia já sofreu e continua a
sofrer, por esse tipo de interferência.
Adicionalmente,
a Rússia defende também seus legítimos interesses na região. Alguns analistas
superficiais reduzem esses interesses ao porto de Tartus, mas a verdade é que a
Rússia tem interessem muito mais amplos e significativos. Politicamente
falando, quando o terrorismo ataca a Síria, pais chave nessa região, o ataque
tem impacto direto na estabilidade de todo o Oriente Médio, o que também afeta
a Rússia. Diferente de muitos governos ocidentais, o governo russo sabe ver com
perfeita clareza essa realidade. E de uma perspectiva social e cultural, não
podemos esquecer as dezenas de milhares de famílias sírio-russas, que
construíram uma ponte social, cultural e humanitária entre nossos dois países.
Se a
Rússia vier a fazer concessões, como você disse, já teria acontecido há um ou
dois anos, quando esse quadro ainda não era perfeitamente claro, mesmo para
altos funcionários russos. Hoje, o quadro está absolutamente claro. Se a Rússia
cedeu naquele momento, agora, com certeza, não cederá.
Senhor
presidente, há negociações em curso com a Rússia, para fornecer combustível ou
equipamento militar à Síria? Sobre o contrato para o sistema de defesa S-300,
especificamente, o senhor já o recebeu?
Não
posso, evidentemente, e nenhum país poderia, comentar sobre armas e contratos
para compra de armas. É informação secreta, restrita das Forças Armadas.
Importante é declarar que todos os contratos assinados com a Rússia serão
cumpridos, e nem a crise ou a pressão por EUA, países europeus ou do Golfo
afetaram o cumprimento dos contratos. A Rússia continua a fornecer à Síria o
necessário para que o país defenda-se e defenda seu povo.
Senhor
presidente, com que forma de ajuda da Rússia a Síria conta hoje? Financeira,
talvez equipamento militar? Por exemplo, a Síria pediria à Rússia um
empréstimo?
Na falta
de segurança em campo, é impossível ter economia estável e em funcionamento.
Assim, em primeiro lugar, a Rússia nos tem garantido apoio mediante contratos
militares para ajudar os sírios a nos defendermos, o que levará a melhor
segurança, a qual, por sua vez, facilitará a recuperação da economia. Em
segundo lugar, o apoio político da Rússia ao nosso direito à independência e à
soberania, também tem tido papel significativo. Muitos outros países
voltaram-se contra nós politicamente, e traduziram essa política em cortes nos
laços econômicos e no fechamento de seus mercados. A Rússia fez exatamente o
contrário disso e mantém boas relações de comércio conosco, o que nos ajudou a
manter funcionando a nossa economia. Portanto, em resposta à sua pergunta, o
apoio político da Rússia e seu compromisso em honrar os contratos militares firmados,
sem se render à pressão dos EUA, muito tem ajudado nossa economia, apesar do
impacto negativo que teve, na vida do povo sírio, o embargo econômico que
outros países impuseram.
De um
ponto de vista puramente econômico, há vários acordos entre Síria e Rússia para
vários bens e produtos. Quanto a um empréstimo dos russos, deve-se ver como
benéfico para os dois lados: para a Rússia, como oportunidade para suas
indústrias e empresas nacionais, que expandem seus negócios para novos
mercados; e para a Síria, porque nos supre dos fundos necessários para
reconstruir nossa infraestrutura e estimular nossa economia. Repito que a
posição política da Rússia e o apoio que dá à Síria são instrumento importante
para restaurar a segurança e prover as necessidades básicas do povo sírio.
Senhor
presidente, esses contratos têm a ver com combustível ou alimentos básicos?
Os
cidadãos sírios estão sendo atacados em suas necessidades básicas de comida,
remédios e combustível. O governo da Síria trabalha para garantir que esses
itens básicos sejam acessíveis para todos os cidadãos, mediante acordos
comerciais com a Rússia e com outros países amigos.
Voltando
à situação na Síria, na atual crise. Sabe-se que o senhor já assinou várias
anistias, várias vezes. Essas anistias incluem rebeldes? Há casos de rebeldes
que abandonam aquele campo, para lutar ao lado do Exército Sírio?
É
exatamente o que está acontecendo. Recentemente, começamos a perceber mudança
significativa no quadro, sobretudo depois que a situação foi-se tornando mais
clara para muitos, que começaram a convencer-se de que a Síria enfrenta, de
fato, ataque do terrorismo. Muitos da oposição voltaram à vida civil, depuseram
as armas, e esses foram anistiados, para ajudá-los na retomada da vida normal.
Há também, importante, certos grupos que mudaram de lado: de lutar contra o
Exército, passaram a lutar ao lado do Exército. São pessoas que se deixaram
influenciar pela propaganda distribuída pela mídia hegemônica ocidental, ou que
se haviam militarizado sob coação dos próprios terroristas. Por essa razão,
desde o início da crise, o governo sírio adotou uma política de portas abertas
para acolher os que desejassem abandonar a via que abraçaram no início, de
lutarem contra o próprio país. Apesar de muitos na Síria terem-se oposto a essa
política, ela se provou efetiva e ajudou a aliviar parte da tensão gerada pela
crise.
Senhor
presidente, as relações da Síria com vários estados estão consecutivamente
entrando em colapso, como com o Qatar, Arábia Saudita e Turquia. Quem são seus
reais aliados e quem são seus inimigos?
Os países
que nos apoiam são bem conhecidos de todos: internacionalmente – Rússia e
China. Regionalmente – Irã. Mas começamos a ver uma deriva positiva na arena
internacional. Alguns países que se haviam posicionado fortemente contra a
Síria, começaram a mudar seu posicionamento; outros começam a reiniciar
relações conosco. Claro, a mudança no posicionamento desses países não
constitui apoio direto.
Em
contraste, há alguns específicos países que mobilizaram e deram amparo ao
terrorismo na Síria. De modo especial, o Qatar e a Turquia nos primeiros dois
anos. O Qatar financiou e a Turquia garantiu apoio logístico, treinando
terroristas e os infiltrando na Síria. Recentemente, a Arábia Saudita
substituiu o Qatar, na função de financiador. Para ser completamente claro e
transparente, a Arábia Saudita nada tem além de dinheiro. Quem só tenha
dinheiro não é capaz de construir nem de alimentar uma civilização. A Arábia
Saudita implementa sua agenda gastando dinheiro, tanto dinheiro quanto
necessário.
A Turquia
é caso diferente. É uma lástima ver que um grande país, como a Turquia, com
sociedade liberal e localização estratégica, manipulado por um punhado de
dólares que recebe de um estado do Golfo, de mentalidade tão atrasada. A
responsabilidade, é claro, pesa sobre os ombros do primeiro-ministro turco, não
do povo turco, com o qual os sírios partilhamos muitas tradições e uma rica
herança.
Senhor
presidente, o que torna tão fortes as relações russo-sírias? São os interesses
geopolíticos? Ou o fato de que as duas nações lutam juntas contra o terrorismo?
Há mais
de um fator que forjam com tanta força as relações sírio-russas. A primeira, é
que a Rússia sofreu sob ocupação durante a 2ª Guerra Mundial e a Síria também
foi ocupada, mais de uma vez. Em segundo lugar, desde a era soviética, a Rússia
sofreu repetidas tentativas de intervenção estrangeira em seus assuntos
internos; e o mesmo também aconteceu com a Síria.
Em
terceiro lugar, mas não menos importante, é o terrorismo. Na Síria, entendemos
bem o que significa quando extremistas da Chechnya matam civis inocentes, o que
significa manter sob sítio alunos e professores em Beslan, ou sequestrar
inocentes num teatro em Moscou. E o povo russo entende quando nós, na Síria,
denunciamos atos de terrorismo semelhantes aos que os russos sofreram. Por essa
razão, o povo russo rejeita a narrativa ocidental, que inventa que haveria
“bons terroristas e maus terroristas”.
Além
disso tudo, há também laços familiares entre sírios e russos, que já mencionei,
que não se teriam desenvolvido se não houvesse características culturais,
sociais e intelectuais comuns, além dos interesses geopolíticos dos quais já
falamos. A Rússia, diferente dos europeus e do ocidente, está bem consciente das
consequências de desestabilizar-se a Síria e a região e dos efeitos que isso
terá no alastramento inexorável do terrorismo.
Todos
esses fatores modelam coletivamente a posição política de um grande país como a
Rússia. A posição dos russos não se baseia em um ou dos elementos, mas numa
perspectiva histórica, cultural e intelectual ampla.
Senhor
presidente, o que acontecerá em Genebra-2? Quais suas expectativas dessa
conferência?
O
objetivo da conferência de Genebra é apoiar o processo político e facilitar uma
solução política para a crise. Mas isso não será alcançado antes de que tenha
fim o apoio externo ao terrorismo. Esperamos que a conferência de Genebra
comece por pressionar os países que hoje apoiam o terrorismo contra a Síria,
que ponha fim ao contrabando de armas e ao ininterrupto processo de se
infiltrarem terroristas no país. Quando isso for alcançado, os passos políticos
serão mais fáceis, o mais imperativo dos quais é iniciarmos um diálogo entre os
sírios, para discutir o futuro sistema político, a Constituição, várias leis e
outros pontos.
Originalmente publicada em www.isvestia.ru.
Tradução: Coletivo Vila Vudu
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