27
agosto 2013, ADITAL Agência Frei Tito para a America
Latina http://www.adital.com.br (Brasil)
Enquanto a
chefia da delegação do primeiro grupo de médicos cubanos que desembarcou no
Brasil nesta segunda-feira, 26 de agosto, exaltava para a imprensa
latino-americana o "caloroso e fraternal” acolhimento do povo brasileiro,
os 96 médicos, sendo 79 cubanos, que chegaram a Fortaleza, capital do Ceará,
por meio do Programa Mais Médicos, tiveram em menos de 24 horas de sua estadia
uma surpresa nada agradável.
Durante o
primeiro dia do curso chamado "Módulo de Acolhimento e Avaliação”, que
terá duração 21 dias, na Escola de Saúde Pública do Ceará, antes de sua efetiva
atuação profissional, os médicos estrangeiros foram alvo de um protesto nada
"fraternal” liderado pelo Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará. Além
dos cubanos, chegaram a Fortaleza sete médicos espanhóis, três portugueses, um
hondurenho, um ucraniano, um italiano e um mexicano, além de oito brasileiros que
se inscreveram no Programa.
Informações e
imagens divulgadas nas redes sociais mostram os médicos saindo do local, após o
curso, e passando por um corredor formado por manifestantes que esperavam os
médicos com vaias e gritos de "escravos” e "revalida”, este último
termo fazendo menção à avaliação que médicos brasileiros graduados no exterior
e estrangeiros precisam fazer para terem seus registros profissionais validados
no Brasil.(Veja vídeo do jornal O Povo).
De acordo com a
assessoria do Ministério da Saúde, ainda durante o curso, os manifestantes
tentaram invadir o local, que precisou ser fechado, bem como o posto de saúde
que funciona anexo à Escola. Os médicos, funcionários e pessoas que estavam
sendo atendidas no posto teriam ficado cerca de três horas impossibilitados de
sair. Em contrapartida, entidades dos movimentos sociais, como o Centro
Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), Levante
Popular da Juventude, Casa José Martí Brasil-Cuba, União da Juventude
Socialista (UJS), União Brasileira de Mulheres (UBM) e o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), realizaram um ato de desagravo ao
protesto dos médicos e em solidariedade aos médicos cubanos nesta terça-feira,
também em frente à Escola de Saúde Pública.
O tumulto tem
gerado ampla repercussão na imprensa nacional e nas redes sociais, prevalecendo
acusações de xenofobia e racismo da população contra os médicos que
participavam do protesto. Ganhou repercussão na Internet um comentário feito
por uma jornalista do Rio Grande do Norte, Micheline Borges, colocando em
dúvida o profissionalismo em especial das médicas cubanas, que teriam
"cara de empregada doméstica”, pois "médico, geralmente, tem postura,
tem cara de médico…”.
O próprio
Ministério da Saúde repudia a atitude nesses termos."Entendemos que essa é
uma posição xenófoba, racista e preconceituosa, uma atitude truculenta e
violenta que não caracteriza o povo brasileiro. Esse tipo de reação não nos
fará retroceder e sim fortalecer o Programa”, declarou, em entrevista a Adital,
o secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, Odorico
Monteiro.
Ele rebate os
questionamentos de entidades de médicas sobre o Programa, ratificando que serão
investidos R$ 15 bilhões até dezembro de 2014, além da contratação de médicos,
na reforma e ampliação de 818 hospitais; na compra de equipamentos para cerca
de 2 mil hospitais; construção de 621 Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) 24
horas e de 6 mil Centros de Saúde da Família (CSF); além da ampliação de 11 mil
CSF, entre outras obras."Não podemos investir tanto em infraestruturas que
virarão "elefantes brancos” se não tivermos médicos para atender à
população”, ressalta Monteiro, enfatizando que o percentual de médicos por mil
habitantes no Brasil, 1,8, é muito baixo se comparado a países próximos como a
Argentina e o Uruguai. Além disso, haveria uma clara resistência à atuação de
médicos estrangeiros no país, representando apenas 1,7% do total, enquanto
países como Inglaterra e Estados Unidos teriam 37% e 25% respectivamente.
No primeiro mês
de inscrições ao Programa Mais Médicos, cerca de 1.700 profissionais aderiram,
sendo 400 cubanos, por meio do que Monteiro chama de "adesão
institucional”. Ou seja, o governo brasileiro pode firmar convênios com os
governos de origem dos médicos. No caso de Cuba, por meio da Organização
Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS). O valor repassado, R$ 10 mil, é o mesmo
concedido aos brasileiros e outros estrangeiros que aderirem ao programa. Até o
fim de agosto, essa primeira leva de médicos deverá chegar ao Brasil. A outra
modalidade de adesão é a individual. As inscrições ainda estão abertas e
deverão ser reabertas a cada mês até que o governo brasileiro consiga sanar o
déficit de cerca de 15 mil médicos, demandados pelos próprios municípios. Vale
ressaltar que os 96 médicos que já aportaram no Ceará suprem apenas 13% da
demanda.
O valor de R$ 10
mil da "bolsa” mensal para os médicos que aderem ao Programa não são
suficientes para as entidades que representam os profissionais brasileiros. Uma
das principais críticas do movimento de médicos, de acordo com o presidente do
Sindicato no Ceará, José Maria Pontes, é que o valor não compensa o
deslocamento para lugares longínquos. "Não é só pelo valor, é que não há
nenhum direito trabalhista garantido”, afirma Pontes, assinalando que, para que
o Programa se torne atrativo, os médicos querem carreira de Estado, concurso
público e melhores condições de trabalho.
Outra crítica
contundente e que motivou o epíteto de "escravos” dado aos médicos cubanos
em Fortaleza durante a manifestação desta segunda-feira, 26, é que o acordo
entre governo brasileiro e a Opas/OMS prevé que dos R$ 10 mil repassados, R$ 7
mil ficam com o governo cubano, R$ 700 com o médico e o restante com a família
do médico. Essa informação não foi confirmada pela assessoria de comunicação do
Ministério. A Adital procurou o escritório da Opas no Brasil, mas não recebeu
retorno até o fim desta edição. "A repercussão negativa que o protesto
está tendo na imprensa é porque nossos objetivos estão sendo deturpados. Quando
chamamos os médicos cubanos de escravos estamos nos referindo ao acordo feito,
que, para nós, trata-se de trabalho escravo e não concordamos com isso no
Brasil e em nenhum lugar do mundo”, disse Pontes em entrevista a Adital.
A vice-ministra
de Saúde de Cuba, Marcia Cobas, afirmou durante a abertura do curso de
treinamento de médicos estrangeiros, em Brasília, que os médicos cubanos que
participam de missões internacionais, como no Brasil, o fazem por solidariedade
e não por salários. "Cuba presta serviços gratuitos ao Haiti e a países da
África. Temos mais de 700 profissionais no Haiti que trabalham de maneira
solidária e internacionalista”, disse.
Há críticas que
também apontam para a falta de preparo dos médicos estrangeiros para lidarem
com a realidade brasileira. A assessoria do Ministério da Saúde rebate
informando que os profissionais passarão obrigatoriamente por uma
especialização em saúde da família enquanto estiverem no Brasil, sem contar
que, pelo menos entre os médicos que chegaram a Fortaleza, todos têm mais de 16
anos de experiência em saúde pública, a maioria com mestrado e experiência em
missões humanitárias internacionais.
O acordo prevê a
vinda de 4 mil médicos cubanos, que devem passar no mínimo seis meses no
Brasil. A validade do acordo é de três anos, renováveis por mais três. Período
suficiente para que as primeiras turmas de medicina após a criação do Programa
Mais Médicos saiam das faculdades brasileiras. A intenção do Ministério da
Saúde é criar 11 mil vagas de medicina nas universidades e 12 mil vagas de
residência até 2017, com foco em áreas pouco valorizadas como clínica geral e
pediatria.
-------------- Relacionada
Brasil/Vinda de
cubanos suprirá ausência de candidatos ao Programa Mais Médicos
23 agosto
2013,
ADITAL Agência Frei Tito para a America Latina http://www.adital.com.br
(Brasil)
Com 1,8
médico por 1 mil habitante, um pouco mais da metade dos percentuais argentino e
uruguaio, o Brasil começa a receber na próxima semana o primeiro grupo de
médicos cubanos, por meio de um acordo formalizado pelo Ministério da Saúde com
Cuba, apesar dos questionamentos corporativistas das entidades que representam
os médicos brasileiros. A grande maioria, 74% dos primeiros 400 profissionais,
começarão a trabalhar nas regiões Norte e Nordeste. "A vantagem dos
acordos bilaterais é que eles estão vindo para aqueles locais onde o Brasil
indica que é preciso um médico", explicou o secretário de Vigilância em
Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, à Agência Brasil. O governo
brasileiro quer elevar o índice para 2,5 médicos por mil habitantes. Para isso,
precisará de mais 168.424 médicos.
Até o fim
de 2013, outros 4 mil profissionais cubanos devem desembarcar no país. O acordo
foi feito depois que 701 municípios não foram escolhidos por nenhum médico na
primeira chamada do Programa Mais Médicos, vagas que serão supridas pelos
cubanos. Um dos objetivos do Programa, lançado em maio deste ano, é convocar
médicos para atuar na atenção básica de periferias de grandes cidades e
municípios do interior do país. As vagas são oferecidas prioritariamente a
médicos brasileiros, mas no caso do não preenchimento de todas as vagas, o
Brasil aceitará candidaturas de estrangeiros, com a intenção de resolver o
problema. O acordo com Cuba é uma das medidas que pode suprir parte dessa
lacuna.
Mesmo com
a ausência de candidatos brasileiros para o preenchimento de vagas em mais de
700 cidades, o Conselho Federal de Medicina (CFM) segue sua cruzada na
tentativa de barrar a medida governamental. O CFM classificou como "eleitoreiro,
irresponsável e desrespeitoso" o anúncio de importação de médicos cubanos.
"O Conselho Federal de Medicina condena de forma veemente a decisão
irresponsável do Ministério da Saúde que, ao promover a vinda de médicos
cubanos sem a devida revalidação de seus diplomas e sem comprovar domínio do
idioma português, desrespeita a legislação, fere os direitos humanos e coloca
em risco a saúde dos brasileiros, especialmente os moradores das áreas mais
pobres e distantes", diz a entidade em nota.
Provocado
pelas entidades médicas, o Ministério Público do Trabalho (MPT) anunciou que
vai investigar se a vinda dos médicos cubanos ao país fere a legislação
trabalhista brasileira. Entre as irregularidades denunciadas estariam: o
desrespeito à jornada de trabalho, as condições de exercício da profissão e a
remuneração abaixo do salário mínimo (R$ 678, atualmente).
O
secretário rebateu a crítica de entidades médicas brasileiras de que esses
profissionais estariam vindo ao país em regime de semiescravidão. "Todos
esses médicos estão vindo voluntariamente. Terão previdência paga pelo
ministério. Alimentação e moradia paga pelo município. Dificilmente isso se
assemelha a qualquer coisa parecida com escravidão", respondeu.
Especificamente sobre os médicos de Cuba, Barbosa reforçou que o Brasil
repassará ao governo cubano a mesma quantia destinada aos demais profissionais,
R$ 10 mil. O repasse será feito por intermédio da Organização Pan-Americana da
Saúde (Opas)”. (Com informações da Agência Brasil)
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