18 agosto, ODiário.info http://www.odiario.info (Portugal)
Extractos
do discurso do presidente boliviano na reunião de chefes de Estado da União
Europeia
Evo Morales
O facto de Evo Morales ter sido impedido de
sobrevoar países europeus lançou uma cortina de humo sobre o discurso que
pronunciou na reunião de chefes de Estado, que foi o objecto da sua viagem.
Para perplexidade dos seus anfitriões, a intervenção situa nos seus verdadeiros
termos, com implacável e irónica argumentação, as relações entre a Europa e a
Indoamérica.
Exposição do presidente boliviano
na reunião de chefes de Estado da Comunidade Europeia (30-VI-13). Com linguagem
simples, que era transmitida em tradução simultânea a mais de uma centena de
chefes de Estado e outros dignatários, o presidente Evo Morales conseguiu
inquietar a sua audiência quando disse:
“Aqui pois eu, Evo Morales, vim
encontrar os que celebram o encontro.
“Aqui pois eu, descendente dos que
povoaram a América há 40 mil anos, vim encontrar os que a encontraram há apenas
500 anos.
“Aqui pois, nos encontramos todos.
Sabemos o que somos, e é suficiente.
“Nunca teremos outra coisa.
“O irmão aduaneiro europeu pede-me
papel escrito com visto para poder descobrir os que me descobriram. O irmão
usurário europeu pede-me o pagamento de uma dívida contraída por Judas, a quem
nunca autorizei a vender-me.
“O irmão legiferador europeu
explica-me que toda a dívida se paga com juros ainda que seja vendendo seres
humanos e países inteiros sem lhes pedir consentimento.
“Eu vou-os descobrindo. Também eu
posso reclamar pagamentos e também posso reclamar juros. Consta no Arquivo de
Índias, papel sobre papel, recibo sobre recibo e assinatura sobre assinatura, que
somente entre o ano 1503 e 1660 chegaram a San Lucas de Barrameda 185 mil
quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes de América.
“¿Saque? ¡Não o poderia acreditar!
Porque seria pensar que os irmãos cristãos faltaram ao seu sétimo mandamento.
¿Espoliação? ¡ Tanatzin me guarde de supor que os europeus, como Caim, matam e
negam o sangue do seu irmão!
“¿Genocídio? Isso seria dar crédito
aos caluniadores, como Bartolomé de las Casas, que qualificam o encontro como
de destruição das Índias, ou a exagerados como Arturo Uslar Pietri, que afirma
que o arranque do capitalismo e a actual civilização europeia se devem à
inundação de metais preciosos.
“¡Não! Esses 185 mil quilos de ouro
e 16 milhões de quilos de prata devem ser considerados como o primeiro de
muitos outros empréstimos amigáveis de América, destinados ao desenvolvimento
da Europa. O contrário seria presumir a existência de crimes de guerra, o que
daria direito não apenas a exigir a devolução imediata, mas também a
indemnização por perdas e danos.
“Eu, Evo Morales, prefiro pensar na
menos ofensiva destas hipóteses.
“Tão fabulosa exportação de
capitais não foi mais do que o início de um plano Marshalltesuma, para garantir
a reconstrução da bárbara Europa, arruinada pelas suas deploráveis guerras
contra os cultos muçulmanos, criadores da álgebra, da poligamia, do banho
quotidiano e de outros triunfos superiores da civilização.
“Por isso, ao celebrar o Quinto
Centenário do Empréstimo, poderemos perguntar-nos: ¿Fizeram os irmãos europeus
um uso racional, responsável ou pelo menos produtivo dos fundos tão
generosamente adiantados pelo Fundo Indoamericano Internacional? Lamentamos
dizer que não.
“No aspecto estratégico,
dilapidaram-no nas batalhas de Lepanto, em armadas invencíveis, em terceiros
reichs e outras formas de extermínio mútuo, sem outro destino do que terminar
ocupados pelas tropas gringas da OTAN, como em Panamá, mas sem canal.
“No aspecto financeiro, foram
incapazes, após uma moratória de 500 anos, tanto de cancelar o capital e os
seus juros, quanto de se tornar independentes das rendas líquidas, das
matérias-primas e da energia barata que lhes exporta e proporciona todo o
terceiro mundo.
“Este deplorável quadro corrobora a
afirmação de Milton Friedman segundo a qual uma economia subsidiada jamais
poderá funcionar e obriga-nos a reclamar-lhes, para seu próprio bem, o
pagamento do capital e dos juros que tão generosamente temos demorado todos
estes séculos a cobrar.
“Ao dizer esto, esclarecemos que
não nos rebaixaremos a cobrar aos nossos irmãos europeus as vis e sanguinárias
taxas de 20 e até de 30 por cento de juro, que os irmãos europeus cobram aos
povos do terceiro mundo. Limitar-nos-emos a exigir a devolução dos metais
preciosos adiantados, mais o módico juro fixo de 10 por cento, acumulado apenas
durante os últimos 300 anos, com 200 anos de perdão.
“Sobre esta base, e aplicando a
fórmula europeia de juro composto, informamos os descobridores que nos devem,
como primeiro pagamento da sua dívida, uma massa de 185 mil quilos de ouro e 16
milhões de prata, ambos os números elevados à potência de 300.
“Quer dizer, um número para cuja
expressão total seriam necessários mais de 300 algarismos, e que supera
amplamente o peso total do planeta Terra.
“Muito pesadas são essas moles de ouro e prata. ¿Quanto pesariam, calculadas em sangue?
“Aduzir que a Europa, em meio
milénio, não conseguiu gerar riquezas suficientes para cancelar esse módico
juro, seria o mesmo que admitir o seu absoluto fracasso financeiro e/ou la
demencial irracionalidade dos pressupostos do capitalismo.
“Tais questões metafísicas, desde logo, não nos inquietam a nós, indoamericanos.
“Mas exigimos, isso sim, a
assinatura de uma Carta de Intenções que discipline os povos devedores do Velho
Continente, e que os obrigue a cumprir o seu compromisso mediante uma pronta
privatização ou reconversão da Europa que lhes permita entregar-no-la inteira,
como primeiro pagamento da dívida histórica”.
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