Portal
São Francisco http://www.portalsaofrancisco.com.br (Brasil)
O texto completo encontra-se em PARTILHA DA ÁFRICA http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/africa-do-sul/partilha-da-africa.php
A que pese o esgotamento e as
conseqüências nefastas dos quais foram vítimas os povos africanos, diante do
tráfico internacional de trabalhadores escravizados, longe ainda estava o
território negro, ao longo do século XIX, de ter esgotado sua participação como
continente vitimado por ações espoliativas, para a construção e a prosperidade
dos atuais estados europeus, ditos civilizados.
O solo e o subsolo africanos eram
um atrativo por demais poderosos à ganância imperialista das potências
ocidentais, ávidas por aumentar seus domínios mundo a fora - o que hoje
chamaríamos de globalização da economia.
O expansionismo europeu pode muito
bem ser traduzido através do pensamento de Cecil Rhodes [Conquistador, político
inglês, organizador da anexação por parte da Grã-Bretanha de extenso território
na África do Sul, dono de grande fortuna conseguida através da exploração de
diamantes e ouro na região do Transvaal.]. “... essas estrelas... esses vastos
mundos que nunca poderemos atingir.”
E afirmava:
“Se eu pudesse, anexaria os planetas.” A conquista ou partilha da África
(1884/1885) não se deu, contudo, sem resistência, em que pese a superioridade
bélica dos Estados espoliadores.
De todas as formas
tentaram os africanos resistir à investida colonialista:
lutando de forma aberta, criando sociedades secretas, realizando pactos, ou
ainda individualmente. Os povos negros não deram tréguas aos conquistadores
que,
aproveitando-se das rivalidades locais, faziam, muitas vezes, alianças com
algumas etnias para subjugar determinadas regiões. Entretanto nem mesmo nos
aliados a confiança poderia ser total, pois mesmo entre estes, sempre houve
focos de resistência.
A queda de Napoleão Bonaparte e a
conseqüente “pacificação” da Europa abriram as portas à expansão das nações
industrializadas ou em via de industrialização para ampliarem seus lucros. A
nova ordem econômica mundial necessitava, entretanto, de uma acomodação de
mercados, caso contrário o choque de interesses entre os novos países
capitalistas que estavam emergindo acenderia novos confrontos.
Nesse contexto geopolítico e
econômico, surgiu o Congresso de Viena (1815). As decisões tomadas neste
Congresso influíram, de maneira significativa, nos destinos da África,
colocando-a como um dos pólos de suas deliberações, agora não mais para
estimular o tráfico, mas pelo contrário, seguindo os novos rumos da economia.
Principalmente sob a orientação da Inglaterra, começaram as tentativas para restringir
o comércio negreiro transatlântico, proibindo sua consecução acima da linha do
equador.
Ao continente negro seria atribuída
uma nova função. O outrora exportador de seres humanos reduzidos ao cativeiro
passaria agora a ser fornecedor de matérias primas e riquezas naturais aos
Estados ‘industrializados’. Para tanto era necessário aos Estados colonialistas
possuírem o controle das fontes produtivas, plantações, minas, etc.
À nova ordem econômica ocidental,
que se tornaria hegemônica, não era mais interessante o êxodo de africanos,
pois estes poderiam atender, em seu próprio território, as necessidades
imperialistas ocidentais, servindo ao mundo “civilizado” como mão de obra
barata e consumidores dos produtos manufaturados. Nessa perspectiva, a África
sofreu um processo de partilha, pelo qual os países mais industrializados
abocanharam a maior parte das colônias africanas. Como disse Leopoldo II “(...)
Os lucros coloniais não eram o glacê do bolo, mas o próprio bolo.” O território
negro era uma das soluções ao imperialismo monopolista das nações européias,
mas, para tanto, seria necessário colonizar as terras africanas. Tal medida foi
adotada até pela Inglaterra, país que, devido à sua tradição comercial,
defendia o livre comércio. Grandes potências do século XIX, tais como França,
Alemanha e Grã-Bretanha, lançaram-se na conquista de novas colônias nas terras
africanas.
O Continente passou a ser a ser
alvo de cobiça por parte dos países ocidentais, ávidos por conseguirem colônias
como fonte de aumentar seus lucros na corrida imperialista deflagrada, assim
como para solucionarem seus problemas sociais de desemprego e marginalização
social.
As terras habitadas pelos negros já
haviam mostrado seu potencial econômico, séculos atrás, quando abasteciam de
ouro a Europa. Segundo Mário Curtis Giordani, até a descoberta “da América o
reino de Gana teria sido o principal fornecedor de ouro do mundo mediterrâneo”.
Como também se destacou na produção de artigos agrícolas, a exemplo do que
ocorreu no século XIX, quando devido à crise da Guerra de Secessão
estadunidense que causou o desabastecimento de algodão no mercado, coube ao
Egito suprir a carência dessa matéria prima.
“Na década de 1860, o algodão
egípcio expandiu-se em seguida à interrupção da concorrência americana durante
a Guerra Civil (1861/1865) daí em diante ficou valendo para a economia de
exportação egípcia o slogan americano ‘algodão é rei’. O algodão correspondia a
75% de todas as exportações egípcias. Para os proprietários de terra maiores,
representou a promessa de comércio lucrativo; para os menores, em contra
posição foi uma fonte de insegurança, dívida e por fim bancarrota”. 1
Os produtos minerais, encontrados
principalmente na África do Sul, tornaram-se fonte de conflitos entre os países
colonialistas, haja vista a guerra entre ingleses e bôeres, os quais estavam na
região desde o século XVII. Entretanto, devido ao Congresso de Viena, a região
foi posta sob domínio britânico o que forçou os boêres a partirem para o norte,
onde fundaram a República Independente do Transvaal e Orange, rica em diamante,
ouro e ferro. Os ingleses que viam a região como um importante ponto
estratégico, por ser um local de passagem quase obrigatório para as Índias,
sentiram-se ameaçados com a presença dos batavos no território, assim como mais
tarde dos alemães, pois eles poderiam obstaculizar seus projetos expansionistas.
Era um sonho, britânico unir a colônia do Cabo, sul da África ao norte, Cairo,
onde possuíam também interesses estratégicos. A região sul-africana gerou uma
disputa de interesses entre os europeus, resultando na chamada “Guerra dos
Bôeres”, entre 1899-1902.
A guerra Bôer foi a maior de todas
as guerras coloniais travadas na era imperialista moderna. Durou mais de dois
anos e meio (11 de outubro de 1899 a 31 de maio de 1902).
A Grã-Bretanha forneceu
aproximadamente meio milhão de soldados, dos quais 22 mil foram enterrados na
África do Sul. O número total de perdas britânicas – mortos, feridos e
desaparecidos – foi de mais de 100 mil185. Os próprios bôeres mobilizaram quase
100 mil homens.
Perderam mais de 7 mil combatentes
e quase 30 mil pessoas nos campos de concentração. Um número não especificados
de africanos lutou dos dois lados. Não se registram suas perdas, mas
provavelmente atingiram dezenas de milhares.2
Para aumentar os lucros e dominarem
mercados, os capitalistas associaram-se em cartéis, sindicatos, trustes e
partiram para “novas conquistas”. A ocupação do território negro que
limitava-se à costa já não satisfazia as novas necessidades, era preciso
interiorizar as conquistas para retirar o maior lucro possível. Isto
desencadeou uma disputa inevitável do controle das vias de acesso africanas,
dentre as quais a bacias do Congo e do Níger, que eram consideradas de livre
comércio internacional.
Segundo Joseph
Ki-zerbo, historiador africano, natural do Alto Volta, diplomado, em Paris, pelo
Institut d’Études Politiques, em sua história da África Negra afirma que:
(...) O bluff e os
extorquidos alternam com a liquidação de qualquer resistência e, se necessário,
com chacinas. Impossível descrever por miúdo esta febre destruidora, cujos
grandes, foram incontestavelmente a Grã- Bretanha, a França, o
rei dos Belgas Leopoldo II e por último a Alemanha de Bismarck3.
As disputas imperialistas,
principalmente na África, intensificaramse a partir da década de 70 do século
XIX, quando da unificação da Itália e da Alemanha. Esta logo viria a
reivindicar seu espaço no cenário internacional de concorrência imperialista.
Diante desse quadro de competitividade entre as nações capitalistas, os países,
de acordo com suas conveniências, procuraram aliados, no intuito de ganharem
espaço e barrarem seus principais concorrentes.
“Finalmente é preciso destacar que
o monopólio nasceu da política colonial. Aos numerosos “velhos” motivos da
política colonial, o capital financeiro acrescentou a luta pelas fontes de
matériasprimas, pela exportação de capitais, pelas ‘esferas de influência’,
isto é, as esferas de transações lucrativas, de concessões, de lucros
monopolistas, etc. e, finalmente, pelo território econômico em geral. Por
exemplo, quando as colônias das potências européias na África representavam a
décima parte desse continente, como acontecia ainda em 1876, a política
colonial podia desenvolver-se de uma forma não monopolista, pela “livre
conquista” de territórios. Mas quando 9/10 da África já estavam ocupados (por
volta de 1900), quando todo o mundo estava já repartido, começou
inevitavelmente a era da posse de monopolista das colônias e, por conseguinte,
de luta particularmente aguda pela divisão e pela nova partilha do mundo”.
Na busca por espaços, ocorreram
diversos embates colonialistas entre as grandes potências como forma de se
manterem mais competitivas e se auto- projetarem, elas terminaram por
estabelecer pactos entre si e assim se formou a “Tríplice Aliança” (1882). Esta
foi uma união militar entre a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Itália. Esse
acordo realizado no século XIX já era o prenúncio do clima de hostilidade,
gerado pela busca e controle de mercado, que marcaria a I Grande Guerra.
Todavia no século anterior ao
primeiro grande conflito mundial, ainda havia margens para negociação, pois
existiam áreas a serem conquistadas, que poderiam evitar, pelo menos no
momento, um embate entre as grandes potências em suas ações por novos mercados.
O mundo em geral e a África em particular tornaram-se vítimas do imperialismo
europeu. Segundo o reverendo Müller
Por exemplo, as
seguintes palavras do reverendo padre Müller, transcritas por um católico
defensor do imperialismo francês. J.Folliet, doutor em filosofia tomista:
“A humanidade não deve, nem pode aceitar mais que a incapacidade, a
negligência, a preguiça dos povos selvagens deixem indefinidamente sem emprego
as riquezas que Deus lhes confiou, com a missão de utilizálas para o bem de
todos. Se forem encontrados territórios mal-administrados por seus
proprietários, é direito das sociedades – prejudicadas por esta administração
defeituosa – tomar o lugar destes administradores incapazes e explorar, em
benefício de todos, os bens dos quais eles não sabem tirar partido.”
Percebendo a nova conjuntura e o
avanço dos povos europeus, alguns grupos africanos, como no passado, tentaram
amenizar ou tirar proveito da situação e procuraram firmar acordos com os
conquistadores. Este foi o caso dos Mareales e Kibangas, que fizeram um tratado
com os alemães, na expectativa de derrotar seus inimigos locais. Outro exemplo
significativo, narrado por Leila Hernandes, foi a aliança firmada entre os
franceses e Ahmadou Seku para manter o controle dos Bambaras, Mandingas e
Fulanis em troca do fornecimento de armas.6 Entretanto quando os “acordos” ou
tratados fracassavam, os imperialistas não titubeavam em utilizar métodos
violentos para subjugar os povos do continente e lhes impor seu domínio, não
vacilavam em fazer uso da força e praticar ou estimular verdadeiras chacinas.
Em 1905, a rebelião maji-maji
(assim chamado porque o feiticeiro que estava na sua origem dera uma água
mágica da qual as pessoas acabaram por dizer que devia transformar as balas em
água) traduziu-se na pilhagem dos centros administrativos do Sul do Tanganhica
e na exterminação dos funcionários e missionários alemães.
Juntaram-se a ela os Ngonis. O
governo alemão, colhido de improviso, reuniu um grande exército, que, partido
da costa, tudo devastou e queimou à passagem (cubatas, campos e colheitas).
Perderam a vida 120 mil pessoas neste genocídio, até ao momento em que, com
base em documentos fornecidos por missionários, a questão foi levantada no
Reichstag por deputados socialistas (1906).
A Conferência de Berlim
A conjuntura que forçou a partilha
da África já é por todos conhecida, entretanto os bastidores que envolveram os
acordos entre as grandes potências, da divisão do continente são ainda obscuros
à luz da história.
Da Conferência
participaram os seguintes governos: França, Alemanha,
Ástria-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Grã- Bretanha,
Itália, Países Baixos, Portugal, Rússia, Suécia, Noruega e Turquia.
A ata geral deixa nítido que os
interesses do Tratado de Berlim ficaram centralizados na necessidade de
estabelecer as melhores condições para o favorecimento do comércio e “da
civilização em certas regiões da África”, assim como assegurar a todos os povos
a livre navegação nos dois principais rios africanos que deságuam no oceano
Atlântico, o Congo e o Níger.
A menção a estes rios não poderia
deixar de constar, visto que eles poderiam ser motivo de conflitos, bem como a
conquista de possessões pelos europeus, no território negro e a preocupação dos
ocidentais em relação aos “meios de crescimento do bem estar moral e material
das populações aborígenes”. Com esses objetivos sob a presidência da Alemanha,
através de Bismark, traçou-se o destino da África, sem a participação de nenhum
africano.
Leopoldo II, rei da Bélgica,
conquistador visionário que tudo fizera para tornar o Congo sua possessão, viu
recompensado seu esforço.
De todas as regiões
africanas, a bacia do Congo passou a ser o centro das atenções do Congresso,
pois foi o primeiro assunto a ser posto na ata final, assim como o mais discutido,
conforme as decisões constadas na mesma, haja vista os títulos dos capítulos
acordados na Conferência de Berlim: Capítulo I – Declaração
referente ao comércio na bacia do Congo, suas embocaduras e regiões
circunvizinhas, e disposição conexas Capítulo II – Declaração concernente ao
tráfico de escravos Capítulo III – Declaração referente à neutralidade dos
territórios compreendidos na bacia convencional do Congo Capítulo IV – Ata de
navegação do Congo Capítulo V – Ata de navegação do Níger Capítulo VI –
Declaração referente às condições essenciais a serem preenchidas para que
ocupações novas na costa do continente africano sejam consideradas como
efetivas.
Disposições gerais
Dos sete capítulos transcritos pela
Conferência, três referem-se diretamente ao Congo, sem que com isto o exclua
dos demais, a exemplo do capítulo II, que trata do tráfico de escravos. A
atenção dispensada à região não foi, porém, aleatória. Alguns fatores fizeram
com que esta se tornasse o centro dos debates entre os países competidores.
[...] E não era para menos. Apenas
um dos afluentes do Congo, o Kasai, tem um volume de água semelhante ao do
Volga, e é quase duas vezes mais comprido que o Reno.
Um outro, o Ugangi, é ainda mais
longo. Stanley percebeu imediatamente que barcos, nessa rede fluvial, poderiam
viajar longas distâncias. Era como se tivesse encontrado o equivalente a
milhares de quilômetros de linhas férreas já prontas. ‘A potência que tomar
posse do Congo [...]’, escreveu, ‘absorverá o comércio de toda a imensa bacia que
há em volta. Este rio é e será a grande estrada comercial do Centro-Oeste da
África.8
Desde a tomada de Ceuta pelos
portugueses, em 1415, a África adquiriu importância cada vez maior para os
lusitanos. Através dos anos, sempre com maior freqüência, eles passaram a
costear e a fundar feitorias no continente negro até chegar às Índias, fonte
das tão decantadas especiarias. Para chegar às Índias, tiveram, porém, que
percorrer um longo caminho e ao longo do tempo, cada vez mais, travavam contato
com os povos africanos. Suas relações comerciais intensificaram-se a tal ponto
que tornaram essas terras fornecedoras de mercadorias, como também as maiores
exportadoras de trabalhadores escravizados dos tempos modernos, impulsionando
com seus lucros a acumulação primitiva de capitais, de vários países europeus.
A região onde se situava o reino de
Angola e Congo foi uma das maiores fornecedoras de homens escravizados
principalmente para o Brasil. Foram os portugueses, os primeiros europeus a
travar contato com o reino do Congo (1482/1483).
Embora, mais tarde, tenham sofrido
reveses militares frente a outras nações, na maior parte do tempo a região
ficou sob domínio dos lusitanos. Eles se achavam com direito histórico sobre
estas terras, onde pretendiam estabelecer uma interligação entre os oceanos
Atlântico e Índico, através da unificação, em nome do rei português, dos
territórios de Angola e Moçambique, em uma província “Angolamoçambicana”,
abrangendo quase toda a Zâmbia e o Zimbábue, teoricamente denominada mapa cor
de rosa.
Todavia os interesses imperialistas
na África, a partir da segunda metade do século XIX, já não admitiam esse tipo
de argumentação. Agora a posse não mais se daria pela presença de um pequeno
contingente militar, seria necessário ter condições efetivas de manter a
ocupação militarmente ou populacionalmente, o que não era o caso do Estado
Luso. Outrora poderoso Portugal agora não passava de um país fraco, como mostra
o fato de que, apesar de ser um dos maiores interessados nos debates sobre o
território negro, principalmente na região onde se situa o rio Congo, foi ele o
último a ser convidado para a Conferência de Bruxelas (1876).
Os lusitanos não tinham
mais força política e condições de fato para manterem seus privilégios em
terras africanas, salvo acordos políticos como o da Conferência de Berlim.
Sobre a presença dos portugueses no território negro, afirma Wesseling:
Em Angola, as
atividades portuguesas restringiam-se a poucas cidades: Ambriz
e Luanda no Norte, Benguela e Moçâmedes, no Sul. Luanda, a capital de Angola,
vivia de sua antiga reputação de ser a mais bela cidade da costa ocidental da
África, mas sua antiga prosperidade, baseada no tráfico de escravos, deixara de
existir e suas perspectivas econômicas eram sombrias. Daí que, não importava
quão terríveis fossem as condições em seu próprio país, dificilmente um
português ia voluntariamente para as possessões africanas, e a maior parte dos
mil habitantes brancos de Luanda eram, na realidade, criminosos.
Este era o contexto internacional
em que a África, mais especificamente a região ao sul do Equador, onde se
localiza a bacia do Congo, foi alvo das reivindicações portuguesas; das
manobras de Leopoldo II; do expansionismo francês; do interesse britânico de
manter o livre comércio e seu sonho de construir uma estrada de ferro, ligando
Cabo ao Cairo; da investida alemã de 24 de abril de 1884, que proclamava como
seu protetorado a área desde o sudoeste, do rio Orange ao rio Cunene. Nada mais
restava a fazer, nesta conjuntura, do que uma grande negociação que resultou na
ata de 23 de fevereiro de 1885, da Conferência de Berlim, conseqüência das
ações imperialistas ocidentais na África.
A conferência presidida
por Bismark regulamentou o livre comércio, assim como tentou proibir o
protecionismo nas duas principais bacias africanas como demonstra o documento
final, em seu capítulo I, artigo 2:
Todos os pavilhões, sem distinção
de nacionalidade, terão livre acesso a todo o litoral dos territórios
enumerados acima, aos rios que aí se lançam no mar, a todas as águas do Congo e
de seus afluentes, inclusive aos lagos, a todos os portos situados nas margens
dessas águas, assim como a todos os canais que possam futuramente ser abertos
com a finalidade de ligar entre eles os cursos das águas ou os lagos
compreendidos cm toda a extensão dos territórios descritos no artigo 1. Eles
poderão realizar qualquer espécie de transporte e exercer a navegação costeira
fluvial e marítima, assim como toda a navegação fluvial em pé de igualdade com
os nacionais.10
No mesmo capítulo, “ironicamente” o
artigo 6 reporta-se à proteção aos aborígenes “...Todas as Potências que
exercem direitos de soberania ou uma influência nos referidos territórios,
comprometem-se a velar pela conservação das populações aborígines e pela
melhoria de suas condições morais e materiais de existência e em cooperar na
supressão da escravatura e principalmente no tráfico dos negros;...” Ora esse
capítulo seria cômico, se não fossem tão trágicos seus resultados sofridos
pelas populações nativas. Basta vermos os métodos utilizados pelos ocidentais
no processo de consolidação das cobiçadas colônias.
O capítulo II, possui um só artigo
e proíbe definitivamente o tráfico de escravos. Vale a pena lembrar que o
Brasil, maior país escravista das Américas já havia proibido o tráfico
transatlântico desde 1850, mas permanecia com o trafico interno, tão cruel
quanto o transatlântico, que só findaria, em 1888, com o ato de Abolição da
escravatura.
O capítulo III refere-se à
neutralidade que deve ser exercida, mesmo em caso de guerra, para a manutenção
do livre comércio.
ARTIGO 11: Caso
uma Potência que exerça direitos de soberania ou de protetorado nas regiões
mencionadas no artigo 1 e colocados sob o regime de liberdade comercial, for
implicada numa guerra, as Grandes Partes signatárias da presente Ata e as que
vierem posteriormente a aderir a ela, se comprometem a: prestar seus bons
serviços para que os territórios pertencentes a essa Potência e compreendidos
na zona convencional de liberdade comercial sejam colocados, durante a guerra,
com o consentimento unânime dessa e da outra Potência, ou das outras partes
beligerantes, sob regime de neutralidade e sejam consideradas como pertencentes
a um Estado não beligerante; as partes beligerantes renunciariam desde então a
estender as hostilidades aos territórios dessa maneira neutralizados, como
também a fazê-los servir de base para operações de guerra.
É crível que as potências
signatárias já sabiam que o Tratado apenas adiava um conflito inevitável, que
se concretizaria em 1914, pois nem mesmo a sangria do continente negro
conseguiria pôr fim aos conflitos inerentes ao próprio imperialismo.
Como observa Catani:
Dessa maneira, as
alianças interimperialistas ou ultraimperialistas no mundo capitalista – seja
qual for a sua forma: uma coligação imperialista contra outra
coligação imperialista, ou uma aliança geral de todas as potências
imperialistas – só podem ser inevitavelmente, “tréguas” entre guerras. As
alianças pacíficas preparam as guerras e por sua vez surgem das guerras,
conciliando-se mutuamente, gerando uma sucessão de formas de luta pacífica e
não pacífica sobre uma mesma base de vínculos imperialistas e de relações
recíprocas entre a economia e a política mundiais.
O capítulo seguinte IV, reforça o
livre comércio entre as nações proibindo atos de restrição à navegação.
A navegação do Congo não poderá
sujeitar-se a nenhum entrave ou encargo que não estejam exatamente estipulados
no presente ato. Ela não será sobrecarregada de nenhuma obrigação de escala, de
etapa, de depósito, de violação de carga ou de retenção forçada. Em toda a
extensão do Congo, os navios e as mercadorias que transitam no rio não serão
submetidos a nenhum direito de trânsito, qualquer que seja sua proveniência ou
sua destinação.
Conforme o capítulo V, no que se
refere ao Níger, área direta de interesse dos britânicos, ficam estes
encarregados de manter e assegurar o livre comércio.
ARTIGO 30. A Grã-Bretanha se
compromete a aplicar os princípios da liberdade de navegação enunciados nos
artigos 26, 27, 28, 29 já que as águas do Níger, de seus afluentes,
ramificações e saídas estão ou ficarão sob sua soberania ou seu protetorado. Os
regulamentos que estabelecerá para a segurança e o controle da navegação serão
concebidos de maneira a facilitar tanto quanto possível a circulação dos navios
mercantes. Fica entendido que nada nos compromissos assim assumidos poderia ser
interpretado como impedindo ou podendo impedir a Grã- Bretanha de fazer
qualquer regulamento de navegação contrário ao espírito desses engajamentos.
O direito de possessão do
continente pelas forças soberanas imperialistas fica nítido no Capítulo VI,
artigos 34 e 35.
ARTIGO 34. A Potência que de agora
em diante tomar posse de um território nas costas do continente africano
situado fora de suas possessões atuais, ou que, não os tendo tido até então,
vier a adquirir algum, e no mesmo caso a Potência que aí assumir um
protetorado, fará acompanhar a Ata respectiva de uma notificação dirigida às
outras Potências signatárias da presente Ata, a fim de lhes dar os meios de
fazer valer, se for oportuno, suas reclamações.
ARTIGO 35. As Potências signatárias
da presente Ata reconhecem a obrigação de assegurar, nos territórios ocupados
por elas, nas costas do Continente africano, a existência de unia autoridade
capaz de fazer respeitar os direitos adquiridos e, eventualmente, a liberdade
do comércio e do trânsito nas condições em que for estipulada.
Os dispositivos do capítulo VII
versam sobre as disposições gerais, pela quais as potências signatárias
comprometem-se a cumprir os acordos firmados no pacto que davam direito aos
europeus de domínio sobre o território africano. Somente os Estados da Etiópia
e da Libéria conseguiram “escapar” do domínio colonial, permanecendo
independentes, sem serem colônia ou protetorados de qualquer potência
estrangeira.
O Tratado de Berlim é um marco nas
relações internacionais imperialistas, porém, após ele, foram fixados vários
outros acordos entre as potências dominantes. Muito mais do que a divisão da
África, 1885 marcou uma tentativa de estabelecer normas de convivências e
regras entre os dominadores.
Sobre o assunto
escreveu Wessling:
Mais do que definir a partilha da
África, a Conferência serviu como símbolo dela. Colocara-se a partilha da
África na agenda de diplomatas europeus e ela se recusou a ir embora durante
algum tempo. A conferência talvez tenha sido uma ‘operação de holding’, mas uma
operação que falhou, pois, ao mesmo tempo em que os delegados mediam suas
palavras, assinavam-se acordos reconhecendo o Estado Livre e fixando suas
fronteiras, e acelerou-se enormemente o jogo africano”.
Pan-africanismo: um ato
de resistência afro-descendente
Um dos mais destacados movimentos
de denúncia e combate ao colonialismo foi o Pan-africanismo. Este propunha a
união dos africanos em suas lutas pelos direitos civis, a independência e no
combate à discriminação. Nascido no exterior, oriundo de uma elite negra que
estudou na Europa e nos EUA, o Pan-africanismo foi um instrumento de denúncia
das chacinas e barbáries que estavam acontecendo nas colônias africanas.
Embora servisse de porta-voz às
reivindicações desses povos, ele tornouse, todavia, mais conhecido fora da
África do que dentro dela.
O Pan-africanismo teve caráter
político, filosófico e social, porém não era uma organização homogênea. Pregou
a unidade do continente africano em um âmbito único e nisto pecou, pois não
entendeu as diversidades ali existentes nem suas complexidades.
Talvez pelo fato de ter sito
gestado por uma elite intelectual, que residia no exterior, suas ações
restringiram-se principalmente aos grandes centros urbanos europeus e
estadunidenses. Nos EUA, provavelmente devido às condições dos negros neste
país, adquiriu certo grau de radicalização. Embora, em seu estágio inicial, a
agremiação tenha tido mero caráter de apoio e solidariedade aos
afro-descendentes, entre si, e aos povos africanos de maneira geral, acabou por
ampliar seus rumos e modificar-se ao longo do processo, o que influenciou o
curso das independências que agitaram o território negro.
O Pan-africanismo que tem, segundo
alguns autores, sua paternidade atribuída a W.E.Burghardt Du Bois, não foi a
primeira tentativa de criação de uma entidade voltada aos interesses africanos.
No século XIX, já havia sido criada, em 1897, a “Associação Africana”, com
cerca de 20 mil negros que tinham o objetivo de “... proteger os interesses de
todos os africanos e seus descendentes tanto no império britânico como em
outras partes do mundo”. Para tanto, foi redigido um documento apresentado, em
1900, por um grupo de intelectuais, destacando a necessidade da “solidariedade
com seus irmãos africanos menos favorecidos”.
Esta organização de caráter
reformista sequer pensou em questionar o domínio colonial, limitando-se a
criticar os excessos cometidos pelos conquistadores. Julgavam ser benéficas
para os africanos a associação e a colaboração com os europeus. Todavia, teve a
agremiação o mérito de preparar a Conferência Pan-africana, ocorrida em Londres
(1900).
Os quatro primeiros congressos
Pan-africanos realizados em 1919, 1921, 1923, 1927, não avançaram em suas
propostas, ficando basicamente com uma pauta denuncista e reivindicatória sobre
as condições de vida dos povos colonizados na África e sobre os abusos
cometidos pelos europeus. Quanto aos trabalhos forçados, prática do
colonialismo, foi solicitado seu abrandamento. Isto demonstra que esses
congressos foram eminentemente reformistas, tal como a “Associação Africana”.
O quinto congresso Pan-africano
foi, no entanto, marcado pela maior radicalização de suas propostas e pelo
debate político mais aprofundado.
Desta feita, com alguns dos
principais líderes convertidos ao marxismo, houve a condenação ao capitalismo
empregado no território negro; à discriminação racial; à segregação racial
assim como um chamamento à união dos africanos na luta contra os opressores.
Era uma virada de mesa.
Deste Congresso
participaram líderes africanos que, mais tarde, após a independência,
tornaram-se notórias personalidades em seus países, entre outros: Agustinho
Neto, Samora Machel, Amilcar Cabral, Kwame Nkrumah.
Um dos desmembramentos do
Pan-africanismo foi a criação pelo senegalês Lamine Senghor, filiado ao partido
comunista, de uma organização que abrigasse todos os negros oriundos das
colônias francesas, independente de suas filiações partidárias, a qual deu
origem ao “comitê de Défense de La Race Nègre”, visando à valorização dos
negros africanos e antilhanos – a “serem negros com letra maiúscula”.
O comitê ultrapassou,
em suas reivindicações, as questões raciais, como podemos perceber através das
palavras do próprio Senghor:
Não há distinção entre os negros,
submetidos ao jugo de um outro imperialismo... Nós somos todos irmãos unidos
pela mesma raça. Sofremos o mesmo destino (sob formas diferentes, bem
entendido) escravagista, dominado pelo imperialismo internaciona18 ...
A opressão imperialista
que nós chamamos de colonização e que chamais aqui de imperialismo é a mesma
coisa: tudo isso não é senão capitalismo, é ele quem produz
imperialismo nos povos metropolitanos.
Em conseqüência, os que nos nossos
países sofrem a opressão colonial dem da-se Seria em dar-se as mãos, ajudar-se
mutuamente e juntar-se aos que sofrem dos malefícios do imperialismo
metropolitano, usar as mesmas armar e destruir o mal universal que é o
imperialismo mundial. É preciso destruí-lo e substituí-lo pela união dos povos
livres. Basta de escravos!
Em âmbito mais cultural, deve-se
dar destaque à Negritude.
Embora o termo tenha sido criado
por Aimé Césaire, da Martinica, ele foi usado de maneira singular por Leopoldo
Senghor, que utilizou o movimento para redescobrir a África e sua cultura. Ele
pregava o resgate dos valores negros, combinados com os valores franceses, no
que foi criticado por “ser francês demais”.
Leopold - Sédar Senghor (1906-2001)
nasceu em Dakar, a 9 de outubro de 1906, filho de pais ricos, estudou em Paris,
onde conheceu Aimé Césaire com quem instituiu as bases do “Negritude”. Poeta,
deputado eleito em 1945, foi o primeiro presidente da república do Senegal.
Intelectual, deixou uma vastíssima obra literária.
O principal opositor de Senghor,
dentro do movimento, foi o historiador egiptólogo, também senegalês, Cheikh
Anta Diop, autor do livro “Nações Negras e culturas”. Ele defendia a retomada
dos valores da África pré-colonial, no sentido de resgatar a auto-estima dos
povos negros.
Nascido em 29 de dezembro de 1923,
estudou em Paris, teve sua tese de doutorado rejeitada em 1951, na Sorbonne, e
aceita, em 1960, com ressalvas, o que o impediu de lecionar na França. Nos anos
70, fundou jornais de oposição ao regime de Leopold - Sédar Senghor. Diop e
Senghor foram os dois maiores símbolos do “Negritude”, movimento que se
difundiu e perpetua-se até os dias de hoje.
A luta contra o invasor
Mesmo antes da partilha da África,
os confrontos com os europeus já eram freqüentes. Várias foram as formas de
luta empreendidas pelos povos subjugados, que muitas vezes resultaram em
verdadeiros massacres.
Sempre existiu, no entanto, por
parte dos povos negros, resistência às ações dominadoras, com exceção daqueles
que, para vencer seus inimigos locais ou conseguirem algumas vantagens,
uniram-se aos conquistadores.
Contudo, muito mais que a
cooperação, prevaleceu a aversão, que se manifestou por todo o território. Como
exemplo podemos citar o Império Zulu,fundado por Chaka, que entrou em batalha
contra bôeres e britânicos, na África meridional e a Argélia ao norte, ocupado
pela França desde 1830, que teve sua resistência como um dos símbolos das lutas
anti-colonial, tão marcante, que chegou a ser transformadas em filme (A batalha
de Argel).
Embora não tão conhecidas, mas não
menos importantes e sangrentas, ocorreram várias outras ações anti-coloniais,
dentre as quais podemos aludir o movimento Mau-Mau, contra o domínio inglês no
Quênia. Essa região era composta, antes da chegada do invasor britânico, por
mais de 50 grupos, divididos entre sete etnias. Entre os vários povos
destacavam-se os Nandis, Wangas, Akambas, Bangada, Massais, Luos, Abaluyias.
Usando sua estratégia de expansão
imperialista apoiada principalmente no comércio, os ingleses, desde sua chegada
ao continente, tentaram interliga-lo através de ferrovias, assim construíram a
estrada de ferro de Uganda que se unia ao interior do Quênia. Este fato
provocou, de imediato, a reação dos Mandis, que, na primeira década do século
XX, opuseram-se à chegada dos invasores.
No intuito de promover a conquista
da região, os britânicos confiscaram as melhores áreas propícias à agricultura.
As concessões de terras fornecidas aos invasores, através da legislação agrária
de 1915, possuíam validade de 999 anos. Outro fato a ser destacado refere-se à
proibição de serem os imigrantes indianos proprietários de terras. Desta forma,
a concentração fundiária foi sendo sacramentada através da discriminação
racial.
Como descreve Leila
Hernandes:
Paradoxalmente, a propriedade
fundiária não era direito legal da minoria européia, foi só com a Land
Apportionment Act, uma lei agrária aplicada desde abril de 1931, que foi
consagrada a concentração de terras em mãos dos europeus em detrimento da grande
maioria africana.
Essa lei tornava
legítima a divisão do solo do Quênia em quatro categorias: as
‘reservas indígenas’ (22,4%), nas quais a ocupação da terra seguia o direito
consuetudinário dos povos africanos; a ‘zona de compra para indígenas’ (8,4%),
que tornava disponível a aquisição individual de terras pelos africanos, isto
é, uma espécie de compensação pelo fato de eles não poderem comprar terras em
algumas partes da Rodésia do Sul; a ‘zona européia’ (50,8%), terras já ocupadas
pelos europeus às quais ainda se somavam 7.700 hectares, reservados para ser
mais tarde explorados ou adquiridos por eles. Só não eram incluídos 18,4% das
terras pobres e inóspitas, que poderiam ser distribuídas a qualquer uma das
três categorias.
Somando-se a esses fatos
temos outro agravante: o trabalho compulsório, largamente
utilizado pelo sistema colonialista, e a proibição do cultivo do café por
africanos, devido ao fato de ser este produto o mais lucrativo no país, o que
não deixa dúvidas sobre o caráter racista e monopolista da administração
britânica.
Esses atos somente aumentaram o
quadro de insatisfação geral dos diversos povos da região. Assim começou a
germinar o nacionalismo africano, reforçado por uma elite negra
intelectualizada que estudara no exterior, o que possibilitou a formação de
vários grupos de resistência.
Em meio aos povos que habitaram o
Quênia, talvez tenham sido os Kikuyus os que mais se destacaram por não dar
tréguas aos invasores, negando radicalmente a dominação européia e seu racismo
etnocêntrico.
Não aceitaram suas leis de
exclusão, em geral, e, em especial, a que proibia a plantação de café e
algodão, o que levou à criação de entidades e associações organizativas. Dentre
outras, os Kikuyus fundaram a Central Association (KCA), defensora dos
interesses dos trabalhadores rurais e urbanos.
Em 1928, Jomo Kenyatta assumiu a
secretaria geral desta entidade.
Ele promoveu uma revolução
cultural, estabeleceu novas formas de solidariedade e de lealdade. Kenyatta,
nascido em 20 de outubro de 1894, no atual Quênia, com o nome de Kamau wa
Ngengi, estudou em uma escola missioneira escocesa e foi um dos fundadores da
Federação Panafricana.
Como líder dos kikuyus, foi preso,
em 1952, sob a acusação de liderar os mau-mau. Em 1963, tornou-se primeiro-ministro
e, em 1964, foi nomeado presidente do novo Estado independente com o título
honorário de Mzee (velho senhor).
Os kikuyus são uma das várias
etnias que habitam o país, localizam-se entre o lago Vitória e o Oceano Índico.
Em 1948, possuíam aproximadamente um milhão de pessoas, que representavam 19,5%
da população. Com a chegada dos ingleses, os nativos foram expulsos das
melhores terras, além de terem de pagar pesados impostos em dinheiro,
foram-lhes impostos os cultivos obrigatórios para integrar os “indígenas” na
economia monetária.
Tal política de opressão fez
eclodir o movimento denominado maumau, nesta colônia de povoamento que, em
1950, possuía 60.000 europeus que controlavam 43.000km2, sendo 34.000km2 de
terras aráveis, proporcionando, pois, a monopolização do território mais fértil
que ficou nas mãos de 1% da população.
Quanto aos negros, esses foram
confinados em reservas, de solo esgotado.21 Neste contexto, surgiu entre os
kikuyus a mais forte resistência contra o colonialismo implantado pela
Grã-Bretanha, no Quênia, visto ter sido esse povo um dos mais atingidos pela
expropriação de terras. A liderança do movimento foi atribuída a Kenyatta. Os
mau-mau adotaram a sabotagem, os assassinatos e o amedrontamento, como sua
tática de luta. Eram uma espécie de sociedade secreta e utilizavam, entre seus
membros, desde práticas religiosas animistas até juramentos secretos.
Se a reação foi forte, a repressão
não tardou. Kenyata assim como outros líderes foram presos. O número de cativos
beirou aos 100.000. Os mortos “rebeldes” chegaram a 7.811 vítimas, enquanto, do
lado colonial, foram executados apenas 68 europeus. Os africanos vitimados
pelos maumau chegaram a 470. Como se vê, morreram mais africanos não mau-mau do
que europeus. Kenyata foi preso e condenado em um julgamento que durou cinco
meses, sendo condenado a sete anos de trabalhos forçados.
Mais adiante, foi mandado para o
exílio em Lodwar, no próprio Quênia.
Encerrou-se assim o movimento
libertário, que, mais tarde, fez de seu provável líder o presidente de seu
país, agora independente (1964).
A procura de uma
Colônia
Impossível falarmos do
colonialismo na África sem nos referirmos a uma pessoa em especial:
Leopoldo II. É crível que nenhum outro representante de Estado tenha se ocupado
e feito tantos esforços para conseguir uma colônia para si, como ele que, mesmo
antes de ocupar o trono, já estava atrás de uma possessão.
“Quando pensava no trono que seria
seu, irritava-se abertamente.
‘Petit pays, petis gens’ (país
pequeno, gente pequena), chegou a dizer certa vez da Bélgica. O país, menos da
metade do tamanho da Virgínia Ocidental [pouco maior que o estado de Alagoas],
ficava entre a grandiosa França de Napoleão III e o cada vez mais poderoso
Império Alemão. O jovem herdeiro estava aborrecido e impaciente. O país que
receberia de herança era pequeno demais para ele.
Voltou então as atenções para o
exterior. Antes mesmo de completar vinte anos, Leopoldo, de caneta e papel na
mão, visitou os Bálcãs, Constantinopla, o Egeu e o Egito, viajando em grande
estilo em navios de guerra britânicos e turcos, e, ao voltar, fez discursos
entediantes sobre o papel que a Bélgica poderia ter no comércio mundial. Em
todos os lugares por onde passava, buscava oportunidades imperiais. Conseguiu
do quediva do Egito a promessa de fundarem juntos uma companhia de navegação
ligando Alexandria a Antuérpia. Tentou comprar alguns lagos no delta do Nilo,
para poder drená-los e reivindicar as terras como colônia sua.
Escreveu:
‘É possível comprar um pequeno reino na Abissínia por 30 mil francos. “[...]
Se, em vez de falar tanto sobre neutralidade, nosso parlamento cuidasse do
comércio, a Bélgica poderia se tornar um dos países mais ricos do mundo”.
O futuro jovem monarca já
deslumbrava a importância que teriam as colônias para os países que, por
ventura, delas se apoderassem. Com essa visão, após assumir o trono, ele
dedicou-se a conseguir uma para si.
Visto não ser apoiado
em seu pleito pelo parlamento de seu país. Obstinado, lançou-se a estudos sobre
este tipo de empreendimento: gastos, lucros e principalmente
como consegui-lo.
“E onde encontra - lá? Durante bem
uns dez anos, Leopoldo revirou o mundo.
Em carta a um
assistente escreveu: Estou especialmente interessado na
província Argentina de Entre Rios e na pequena ilha de Martin Garcia na
confluência do Uruguai com o Paraná de quem é a ilha? Seria possível comprá-la,
estabelecer ali um porto livre, sob a proteção moral do Rei dos Belgas? [...]
Nada mais fácil do que tornar proprietário de terras em estados argentinos três
ou quatro vezes maiores que a Bélgica.
Leopoldo investiu na companhia do
canal de Suez. Pediu a um assistente que tentasse adquirir Fiji porque não
convinha ‘deixar uma presa tão bela escapar’.
Andou vendo ferrovias no Brasil e
pensou em arrendar o território da Ilha de Formosa.”23 Leopoldo II nasceu em 9
de abril de 1835, com o nome de Leopoldo Luís Felipe Maria Vitar. Filho do rei
Leopoldo I da Bélgica e primo irmão da rainha Vitória do Reino Unido. Governou
a Bélgica de 1865 até a sua morte, em 1905, sendo sucedido por Alberto I.
Como rei dos belgas, não mediu
esforços no sentido de conseguir uma possessão para governar, para o que não
poupou esforços financeiros, utilizando sua própria fortuna, o que o levou a
fazer vários empréstimos, tanto junto a banqueiros, como também ao parlamento
belga, que lhe forneceu a quantia equivalente a 125 milhões de dólares, em
moeda atual.
Em troca, o soberano deixaria para
o país em seu testamento a colônia adquirida.
Até conseguir possuir sua própria
colônia, Leopoldo precisou usar de toda sua astúcia e de métodos legais ou não,
para se colocar na condição privilegiada, que lhe deu prestígio e credibilidade
de que desfrutou por algum tempo. Chegou a ser aplaudido, em pé, pelos
integrantes do Congresso de Berlim, mesmo não estando presente no encontro que
definiu os rumos da África.
Para chegar a tanto, o monarca
belga colocou sobre si uma capa de cordeiro para, como lobo, abocanhar a melhor
fatia do bolo africano – o Congo. Sabendo das disputas pela região entre as
grandes potências, Leopoldo entrou na briga, não como mais um membro para
disputar estas terras, mas sim para “praticar ações filantrópicas”.
Com esse “objetivo”, segundo seu
estratagema, patrocinou, em 1876, uma Conferência Internacional de Geografia,
na Bélgica.
Em setembro de 1876, na linha da
ideologia humanitária, o mecenas reuniu em seu palácio de Bruxelas uma
conferência internacional de Geografia. O objetivo era ‘abrir à civilização a
única parte de nosso globo em que ela não havia ainda penetrado... conferenciar
para acertar o passo, combinar os esforços, tirar partido de todos os recursos,
e evitar a duplicação de trabalhos.
Desta Conferência, surgiu, em 14 de
setembro de 1876, com sede em Bruxelas, a Associação Internacional Africana
(A.I.A.) que conferiu a Leopoldo sua presidência. Esta serviu de fachada para o
Imperador legitimar suas conquistas no Congo, principalmente através de
Stanley, que passou a fazer parte da folha de pagamentos de sua majestade. As
conquistas receberam o nome de Estados Livres do Congo, que passaram a ser
governados teoricamente não por Leopoldo, mas pela associação, por ele
coordenada.
A agremiação era, na verdade, um
empreendimento econômico com fachada filantrópica, cujo objetivo, de fato, era
a exploração econômica e não havia ninguém melhor que Stanley para realizar a
missão. Henry Morton Staley (1841-1904) foi um jornalista anglo-americano que
se tornou um dos mais destacados exploradores de sua época. Autor de uma
biografia controversa ficou conhecido por suas ações violentas e inescrupulosas
no Congo. Segundo a Sociedade de Proteção dos Aborígenes e a Sociedade
Anti-escravocrata, o explorador matava os negros como se eles fossem macacos.
Segundo Adan
Hochschild, o rei Belga conseguiu, através da Associação Internacional
Africana, o reconhecimento filantrópico para suas ações, a ponto de suas ações
serem consideradas pelo Visconde de Lesseps “o maior trabalho humanitário da
época”, porém seus verdadeiros interesses eram outros, as riquezas da África:
dentre as quais o marfim e a extração da borracha.
Para tanto, os colonizadores, que
tinham como missão promover a proteção às nações nativas, não hesitaram em
introduzir o trabalho escravo, as torturas e as mutilações.
Sobre a barbárie no
Congo de Leopoldo, descreve Voltaire Schilling:
Era comum, por divertimento, os
homens brancos que andavam nos vapores pelo rio acima, atirarem contra as
aldeias ribeirinhas, matando ou afugentando as populações. Rivalizaram-se nas
atrocidades dois monstros: os oficiais Leon Rom e Guillaume Van Kerckhoven, que
distribuía prêmios a quem lhe trouxesse cabeças humanas durante uma operação
militar qualquer, “para que eles se sentissem estimulados em fazer proezas em
face do inimigo”.
Os lucros encobertos pelas ações
filantrópicas no Congo eram por demais satisfatórios. Schilling, citando o
também historiador Jules Marchal, afirma que o comércio congolês teria rendido
cerca de “U$ 1,1 bilhão de dólares aos cofres do monarca”. Como pode ser visto
Leopoldo “tinha razão” em lutar tanto pelo Congo. O “bolo” africano estava
sendo saboreado, não importando como, o resultado estava excelente.
Todavia a falsa ação
humanitária do rei Belga, talvez, o único homem do mundo a possuir sozinho uma
colônia, começou a ser desmascarado e, por ironia, por um afro-descendente:
Washington Willians. Ele denunciou a situação do Congo, através de um documento
denominado “uma carta aberta a sua serena majestade, Leopoldo II, rei dos
Belgas e soberano do Estado Independente do Congo, escrita pelo coronel Geo W.
Willians, dos Estados Unidos da América”.
Willians nasceu na Pensilvânia, em
1849, lutou na guerra de Secessão ao lado da União na 41ª batalhão de cor.
Depois que deixou o exército, passou por diversas funções, desde teólogo até
dono de jornal. Como escritor, publicou “História da raça negra na América de
1619 a 1880”.
Segundo W. E. B. Du Bois, ele se
constitui no maior historiador da raça negra.
George Willians denunciou ao mundo
os métodos usados por Leopoldo, tanto para conseguir sua colônia – Congo – como
para mantêla.
Acusou Leopoldo e Stanley de usarem
truques para enganar os africanos. Em seu conceito, o explorador era um tirano
e não um herói.
Mencionou as destruições feitas
pelos brancos, além dos assassinatos por eles realizados. Denunciou as
atrocidades cometidas pelos europeus.
Oficiais brancos estavam matando
aldeões, às vezes para pegar suas mulheres, às vezes para forças os
sobreviventes a trabalhar em regime escravo, às vezes por esporte. ‘Dois
oficiais do exército Belga viram do convés do barco, um nativo numa canoa, a
uma certa distância [...] Os oficiais fizeram uma aposta, no valor de cinco
libras, de que poderiam atingi-lo com seus fuzis. Três tiros foram disparados e
o nativo caiu morto, com uma bala na cabeça’
O negro George Willians mostrou ao
mundo a realidade filantrópica do regime colonialistas do rei Belga. Caía a
máscara de Leopoldo. Este enfrentou uma série de protestos públicos, assim como
pressão da intelectualidade mundial, o que faz com que o “Benfeitor Belga”, não
resistindo mais ao assédio, vendesse sua possessão ao país que ele próprio
governava, pois as concessões dos Estados Livres do Congo pertenciam às
entidades privadas das quais, Leopoldo era dono.
A colônia africana, que fora alvo
de tanta disputa entre os países imperialista e ficara nas mãos de Leopoldo,
passou então para a Bélgica. O rei vendeu a colônia pelo valor de 45,5 milhões
de francos e mais 5 milhões de títulos que lhe foram dados como “um marco do
agradecimento por seus sacrifícios feitos pelo Congo”.
O rei saiu em grande estilo.
Todavia, mesmo após a morte de Leopoldo, a exploração e os maus tratos
persistiram no Congo Belga, assim como em toda a África.
Somente entre 1911 e 1918, na
região de Katanga, morreram, nas minas de cobre e na fundição, mais de 5 mil
trabalhadores. O segundo grande conflito mundial também contribuiu para o
agravamento das condições de trabalho dos negros congolenses, o trabalho
forçado foi aumentado para 120 dias ao ano. O subsolo africano tornou-se precioso
para os aliados. Segundo Adam Hochschild, mais de 80% do urânio utilizado nas
bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki vieram do Congo.
Este país também foi importante no
fornecimento de borracha, para a confecção de pneus de caminhões, jipes e
aviões militares.27 Leopoldo não pode ser crucificado, pois tanto na África
francesa, inglesa, alemã, portuguesa... a exploração foi a mesma. O trabalho
compulsório as chacinas, a exploração, os castigos físicos não foram
exclusividade dos belgas, mas integraram o sistema hegemônico que impôs o
colonialismo no continente negro, o qual trouxe consigo a disputa imperialista
em várias partes do mundo. Portanto, se quisermos entender “As Áfricas” de
hoje, temos que retomar o período colonial e a conseqüente descolonização do
continente, vítima do imperialismo ocidental.
Jorge Euzébio Assumpção
Referências Bibliográficas
ANDRADE, Mário PINTO DE. Origens do
nacionalismo africano: continuidade e ruptura nos movimentos unitários
emergentes da luta contra a dominação portuguesa; 1911-1961. Lisboa: Dom
Quixote, 1997.
BRUIT, Héctor H. O imperialismo. Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1988.
Brunschwing, Henri. A partilha da África negra. São Paulo. Editora Perspectiva, 1974.
CATANI, Afrânio Mendes. O que é Imperialismo. Editora Brasiliense, 1981.
HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula: visita a história contemporânea. Selo Negro, São Paulo, 2005
Hochschild, Adan. O fantasma do Rei Leopoldo: uma história de cobiça, terror e heroísmo na África colonial. Tradução Beth Vieira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra - II. Edição revisada. 3ª Edição.
Publicações Europa-América. LDA. Portugal, 2002.
SCHILING, Voltaire. http://educaterra.terra.com.br/voltaire/index.htm.
Acesso em 15 de agosto, 2008.
Editora Revan. Rio de Janeiro, 1998.
BRUIT, Héctor H. O imperialismo. Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1988.
Brunschwing, Henri. A partilha da África negra. São Paulo. Editora Perspectiva, 1974.
CATANI, Afrânio Mendes. O que é Imperialismo. Editora Brasiliense, 1981.
HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula: visita a história contemporânea. Selo Negro, São Paulo, 2005
Hochschild, Adan. O fantasma do Rei Leopoldo: uma história de cobiça, terror e heroísmo na África colonial. Tradução Beth Vieira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra - II. Edição revisada. 3ª Edição.
Publicações Europa-América. LDA. Portugal, 2002.
SCHILING, Voltaire. http://educaterra.terra.com.br/voltaire/index.htm.
Acesso em 15 de agosto, 2008.
Editora Revan. Rio de Janeiro, 1998.
Fonte:
www1.fapa.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário