domingo, 14 de julho de 2013

A PARTILHA DA ÁFRICA E A RESISTÊNCIA AFRICANA



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O texto completo encontra-se em PARTILHA DA ÁFRICA http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/africa-do-sul/partilha-da-africa.php



A que pese o esgotamento e as conseqüências nefastas dos quais foram vítimas os povos africanos, diante do tráfico internacional de trabalhadores escravizados, longe ainda estava o território negro, ao longo do século XIX, de ter esgotado sua participação como continente vitimado por ações espoliativas, para a construção e a prosperidade dos atuais estados europeus, ditos civilizados.

O solo e o subsolo africanos eram um atrativo por demais poderosos à ganância imperialista das potências ocidentais, ávidas por aumentar seus domínios mundo a fora - o que hoje chamaríamos de globalização da economia.

O expansionismo europeu pode muito bem ser traduzido através do pensamento de Cecil Rhodes [Conquistador, político inglês, organizador da anexação por parte da Grã-Bretanha de extenso território na África do Sul, dono de grande fortuna conseguida através da exploração de diamantes e ouro na região do Transvaal.]. “... essas estrelas... esses vastos mundos que nunca poderemos atingir.”

E afirmava: “Se eu pudesse, anexaria os planetas.” A conquista ou partilha da África (1884/1885) não se deu, contudo, sem resistência, em que pese a superioridade bélica dos Estados espoliadores.

De todas as formas tentaram os africanos resistir à investida colonialista: lutando de forma aberta, criando sociedades secretas, realizando pactos, ou ainda individualmente. Os povos negros não deram tréguas aos conquistadores que,
aproveitando-se das rivalidades locais, faziam, muitas vezes, alianças com algumas etnias para subjugar determinadas regiões. Entretanto nem mesmo nos aliados a confiança poderia ser total, pois mesmo entre estes, sempre houve focos de resistência.

A queda de Napoleão Bonaparte e a conseqüente “pacificação” da Europa abriram as portas à expansão das nações industrializadas ou em via de industrialização para ampliarem seus lucros. A nova ordem econômica mundial necessitava, entretanto, de uma acomodação de mercados, caso contrário o choque de interesses entre os novos países capitalistas que estavam emergindo acenderia novos confrontos.

Nesse contexto geopolítico e econômico, surgiu o Congresso de Viena (1815). As decisões tomadas neste Congresso influíram, de maneira significativa, nos destinos da África, colocando-a como um dos pólos de suas deliberações, agora não mais para estimular o tráfico, mas pelo contrário, seguindo os novos rumos da economia. Principalmente sob a orientação da Inglaterra, começaram as tentativas para restringir o comércio negreiro transatlântico, proibindo sua consecução acima da linha do equador.
Ao continente negro seria atribuída uma nova função. O outrora exportador de seres humanos reduzidos ao cativeiro passaria agora a ser fornecedor de matérias primas e riquezas naturais aos Estados ‘industrializados’. Para tanto era necessário aos Estados colonialistas possuírem o controle das fontes produtivas, plantações, minas, etc.
À nova ordem econômica ocidental, que se tornaria hegemônica, não era mais interessante o êxodo de africanos, pois estes poderiam atender, em seu próprio território, as necessidades imperialistas ocidentais, servindo ao mundo “civilizado” como mão de obra barata e consumidores dos produtos manufaturados. Nessa perspectiva, a África sofreu um processo de partilha, pelo qual os países mais industrializados abocanharam a maior parte das colônias africanas. Como disse Leopoldo II “(...) Os lucros coloniais não eram o glacê do bolo, mas o próprio bolo.” O território negro era uma das soluções ao imperialismo monopolista das nações européias, mas, para tanto, seria necessário colonizar as terras africanas. Tal medida foi adotada até pela Inglaterra, país que, devido à sua tradição comercial, defendia o livre comércio. Grandes potências do século XIX, tais como França, Alemanha e Grã-Bretanha, lançaram-se na conquista de novas colônias nas terras africanas.

O Continente passou a ser a ser alvo de cobiça por parte dos países ocidentais, ávidos por conseguirem colônias como fonte de aumentar seus lucros na corrida imperialista deflagrada, assim como para solucionarem seus problemas sociais de desemprego e marginalização social.

As terras habitadas pelos negros já haviam mostrado seu potencial econômico, séculos atrás, quando abasteciam de ouro a Europa. Segundo Mário Curtis Giordani, até a descoberta “da América o reino de Gana teria sido o principal fornecedor de ouro do mundo mediterrâneo”. Como também se destacou na produção de artigos agrícolas, a exemplo do que ocorreu no século XIX, quando devido à crise da Guerra de Secessão estadunidense que causou o desabastecimento de algodão no mercado, coube ao Egito suprir a carência dessa matéria prima.

“Na década de 1860, o algodão egípcio expandiu-se em seguida à interrupção da concorrência americana durante a Guerra Civil (1861/1865) daí em diante ficou valendo para a economia de exportação egípcia o slogan americano ‘algodão é rei’. O algodão correspondia a 75% de todas as exportações egípcias. Para os proprietários de terra maiores, representou a promessa de comércio lucrativo; para os menores, em contra posição foi uma fonte de insegurança, dívida e por fim bancarrota”. 1

Os produtos minerais, encontrados principalmente na África do Sul, tornaram-se fonte de conflitos entre os países colonialistas, haja vista a guerra entre ingleses e bôeres, os quais estavam na região desde o século XVII. Entretanto, devido ao Congresso de Viena, a região foi posta sob domínio britânico o que forçou os boêres a partirem para o norte, onde fundaram a República Independente do Transvaal e Orange, rica em diamante, ouro e ferro. Os ingleses que viam a região como um importante ponto estratégico, por ser um local de passagem quase obrigatório para as Índias, sentiram-se ameaçados com a presença dos batavos no território, assim como mais tarde dos alemães, pois eles poderiam obstaculizar seus projetos expansionistas. Era um sonho, britânico unir a colônia do Cabo, sul da África ao norte, Cairo, onde possuíam também interesses estratégicos. A região sul-africana gerou uma disputa de interesses entre os europeus, resultando na chamada “Guerra dos Bôeres”, entre 1899-1902.
A guerra Bôer foi a maior de todas as guerras coloniais travadas na era imperialista moderna. Durou mais de dois anos e meio (11 de outubro de 1899 a 31 de maio de 1902).

A Grã-Bretanha forneceu aproximadamente meio milhão de soldados, dos quais 22 mil foram enterrados na África do Sul. O número total de perdas britânicas – mortos, feridos e desaparecidos – foi de mais de 100 mil185. Os próprios bôeres mobilizaram quase 100 mil homens.

Perderam mais de 7 mil combatentes e quase 30 mil pessoas nos campos de concentração. Um número não especificados de africanos lutou dos dois lados. Não se registram suas perdas, mas provavelmente atingiram dezenas de milhares.2

Para aumentar os lucros e dominarem mercados, os capitalistas associaram-se em cartéis, sindicatos, trustes e partiram para “novas conquistas”. A ocupação do território negro que limitava-se à costa já não satisfazia as novas necessidades, era preciso interiorizar as conquistas para retirar o maior lucro possível. Isto desencadeou uma disputa inevitável do controle das vias de acesso africanas, dentre as quais a bacias do Congo e do Níger, que eram consideradas de livre comércio internacional.

Segundo Joseph Ki-zerbo, historiador africano, natural do Alto Volta, diplomado, em Paris, pelo Institut d’Études Politiques, em sua história da África Negra afirma que:
(...) O bluff e os extorquidos alternam com a liquidação de qualquer resistência e, se necessário, com chacinas. Impossível descrever por miúdo esta febre destruidora, cujos grandes, foram incontestavelmente a Grã- Bretanha, a França, o rei dos Belgas Leopoldo II e por último a Alemanha de Bismarck3.

As disputas imperialistas, principalmente na África, intensificaramse a partir da década de 70 do século XIX, quando da unificação da Itália e da Alemanha. Esta logo viria a reivindicar seu espaço no cenário internacional de concorrência imperialista. Diante desse quadro de competitividade entre as nações capitalistas, os países, de acordo com suas conveniências, procuraram aliados, no intuito de ganharem espaço e barrarem seus principais concorrentes.

“Finalmente é preciso destacar que o monopólio nasceu da política colonial. Aos numerosos “velhos” motivos da política colonial, o capital financeiro acrescentou a luta pelas fontes de matériasprimas, pela exportação de capitais, pelas ‘esferas de influência’, isto é, as esferas de transações lucrativas, de concessões, de lucros monopolistas, etc. e, finalmente, pelo território econômico em geral. Por exemplo, quando as colônias das potências européias na África representavam a décima parte desse continente, como acontecia ainda em 1876, a política colonial podia desenvolver-se de uma forma não monopolista, pela “livre conquista” de territórios. Mas quando 9/10 da África já estavam ocupados (por volta de 1900), quando todo o mundo estava já repartido, começou inevitavelmente a era da posse de monopolista das colônias e, por conseguinte, de luta particularmente aguda pela divisão e pela nova partilha do mundo”.

Na busca por espaços, ocorreram diversos embates colonialistas entre as grandes potências como forma de se manterem mais competitivas e se auto- projetarem, elas terminaram por estabelecer pactos entre si e assim se formou a “Tríplice Aliança” (1882). Esta foi uma união militar entre a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Itália. Esse acordo realizado no século XIX já era o prenúncio do clima de hostilidade, gerado pela busca e controle de mercado, que marcaria a I Grande Guerra.

Todavia no século anterior ao primeiro grande conflito mundial, ainda havia margens para negociação, pois existiam áreas a serem conquistadas, que poderiam evitar, pelo menos no momento, um embate entre as grandes potências em suas ações por novos mercados. O mundo em geral e a África em particular tornaram-se vítimas do imperialismo europeu. Segundo o reverendo Müller

Por exemplo, as seguintes palavras do reverendo padre Müller, transcritas por um católico defensor do imperialismo francês. J.Folliet, doutor em filosofia tomista: “A humanidade não deve, nem pode aceitar mais que a incapacidade, a negligência, a preguiça dos povos selvagens deixem indefinidamente sem emprego as riquezas que Deus lhes confiou, com a missão de utilizálas para o bem de todos. Se forem encontrados territórios mal-administrados por seus proprietários, é direito das sociedades – prejudicadas por esta administração defeituosa – tomar o lugar destes administradores incapazes e explorar, em benefício de todos, os bens dos quais eles não sabem tirar partido.”

Percebendo a nova conjuntura e o avanço dos povos europeus, alguns grupos africanos, como no passado, tentaram amenizar ou tirar proveito da situação e procuraram firmar acordos com os conquistadores. Este foi o caso dos Mareales e Kibangas, que fizeram um tratado com os alemães, na expectativa de derrotar seus inimigos locais. Outro exemplo significativo, narrado por Leila Hernandes, foi a aliança firmada entre os franceses e Ahmadou Seku para manter o controle dos Bambaras, Mandingas e Fulanis em troca do fornecimento de armas.6 Entretanto quando os “acordos” ou tratados fracassavam, os imperialistas não titubeavam em utilizar métodos violentos para subjugar os povos do continente e lhes impor seu domínio, não vacilavam em fazer uso da força e praticar ou estimular verdadeiras chacinas.

Em 1905, a rebelião maji-maji (assim chamado porque o feiticeiro que estava na sua origem dera uma água mágica da qual as pessoas acabaram por dizer que devia transformar as balas em água) traduziu-se na pilhagem dos centros administrativos do Sul do Tanganhica e na exterminação dos funcionários e missionários alemães.

Juntaram-se a ela os Ngonis. O governo alemão, colhido de improviso, reuniu um grande exército, que, partido da costa, tudo devastou e queimou à passagem (cubatas, campos e colheitas). Perderam a vida 120 mil pessoas neste genocídio, até ao momento em que, com base em documentos fornecidos por missionários, a questão foi levantada no Reichstag por deputados socialistas (1906).

A Conferência de Berlim

A conjuntura que forçou a partilha da África já é por todos conhecida, entretanto os bastidores que envolveram os acordos entre as grandes potências, da divisão do continente são ainda obscuros à luz da história.

Da Conferência participaram os seguintes governos: França, Alemanha, Ástria-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Grã- Bretanha, Itália, Países Baixos, Portugal, Rússia, Suécia, Noruega e Turquia.
A ata geral deixa nítido que os interesses do Tratado de Berlim ficaram centralizados na necessidade de estabelecer as melhores condições para o favorecimento do comércio e “da civilização em certas regiões da África”, assim como assegurar a todos os povos a livre navegação nos dois principais rios africanos que deságuam no oceano Atlântico, o Congo e o Níger.

A menção a estes rios não poderia deixar de constar, visto que eles poderiam ser motivo de conflitos, bem como a conquista de possessões pelos europeus, no território negro e a preocupação dos ocidentais em relação aos “meios de crescimento do bem estar moral e material das populações aborígenes”. Com esses objetivos sob a presidência da Alemanha, através de Bismark, traçou-se o destino da África, sem a participação de nenhum africano.

Leopoldo II, rei da Bélgica, conquistador visionário que tudo fizera para tornar o Congo sua possessão, viu recompensado seu esforço.

De todas as regiões africanas, a bacia do Congo passou a ser o centro das atenções do Congresso, pois foi o primeiro assunto a ser posto na ata final, assim como o mais discutido, conforme as decisões constadas na mesma, haja vista os títulos dos capítulos acordados na Conferência de Berlim: Capítulo I – Declaração referente ao comércio na bacia do Congo, suas embocaduras e regiões circunvizinhas, e disposição conexas Capítulo II – Declaração concernente ao tráfico de escravos Capítulo III – Declaração referente à neutralidade dos territórios compreendidos na bacia convencional do Congo Capítulo IV – Ata de navegação do Congo Capítulo V – Ata de navegação do Níger Capítulo VI – Declaração referente às condições essenciais a serem preenchidas para que ocupações novas na costa do continente africano sejam consideradas como efetivas.

Disposições gerais

Dos sete capítulos transcritos pela Conferência, três referem-se diretamente ao Congo, sem que com isto o exclua dos demais, a exemplo do capítulo II, que trata do tráfico de escravos. A atenção dispensada à região não foi, porém, aleatória. Alguns fatores fizeram com que esta se tornasse o centro dos debates entre os países competidores.

[...] E não era para menos. Apenas um dos afluentes do Congo, o Kasai, tem um volume de água semelhante ao do Volga, e é quase duas vezes mais comprido que o Reno.
Um outro, o Ugangi, é ainda mais longo. Stanley percebeu imediatamente que barcos, nessa rede fluvial, poderiam viajar longas distâncias. Era como se tivesse encontrado o equivalente a milhares de quilômetros de linhas férreas já prontas. ‘A potência que tomar posse do Congo [...]’, escreveu, ‘absorverá o comércio de toda a imensa bacia que há em volta. Este rio é e será a grande estrada comercial do Centro-Oeste da África.8
Desde a tomada de Ceuta pelos portugueses, em 1415, a África adquiriu importância cada vez maior para os lusitanos. Através dos anos, sempre com maior freqüência, eles passaram a costear e a fundar feitorias no continente negro até chegar às Índias, fonte das tão decantadas especiarias. Para chegar às Índias, tiveram, porém, que percorrer um longo caminho e ao longo do tempo, cada vez mais, travavam contato com os povos africanos. Suas relações comerciais intensificaram-se a tal ponto que tornaram essas terras fornecedoras de mercadorias, como também as maiores exportadoras de trabalhadores escravizados dos tempos modernos, impulsionando com seus lucros a acumulação primitiva de capitais, de vários países europeus.
A região onde se situava o reino de Angola e Congo foi uma das maiores fornecedoras de homens escravizados principalmente para o Brasil. Foram os portugueses, os primeiros europeus a travar contato com o reino do Congo (1482/1483).

Embora, mais tarde, tenham sofrido reveses militares frente a outras nações, na maior parte do tempo a região ficou sob domínio dos lusitanos. Eles se achavam com direito histórico sobre estas terras, onde pretendiam estabelecer uma interligação entre os oceanos Atlântico e Índico, através da unificação, em nome do rei português, dos territórios de Angola e Moçambique, em uma província “Angolamoçambicana”, abrangendo quase toda a Zâmbia e o Zimbábue, teoricamente denominada mapa cor de rosa.

Todavia os interesses imperialistas na África, a partir da segunda metade do século XIX, já não admitiam esse tipo de argumentação. Agora a posse não mais se daria pela presença de um pequeno contingente militar, seria necessário ter condições efetivas de manter a ocupação militarmente ou populacionalmente, o que não era o caso do Estado Luso. Outrora poderoso Portugal agora não passava de um país fraco, como mostra o fato de que, apesar de ser um dos maiores interessados nos debates sobre o território negro, principalmente na região onde se situa o rio Congo, foi ele o último a ser convidado para a Conferência de Bruxelas (1876).

Os lusitanos não tinham mais força política e condições de fato para manterem seus privilégios em terras africanas, salvo acordos políticos como o da Conferência de Berlim. Sobre a presença dos portugueses no território negro, afirma Wesseling:
Em Angola, as atividades portuguesas restringiam-se a poucas cidades: Ambriz e Luanda no Norte, Benguela e Moçâmedes, no Sul. Luanda, a capital de Angola, vivia de sua antiga reputação de ser a mais bela cidade da costa ocidental da África, mas sua antiga prosperidade, baseada no tráfico de escravos, deixara de existir e suas perspectivas econômicas eram sombrias. Daí que, não importava quão terríveis fossem as condições em seu próprio país, dificilmente um português ia voluntariamente para as possessões africanas, e a maior parte dos mil habitantes brancos de Luanda eram, na realidade, criminosos.

Este era o contexto internacional em que a África, mais especificamente a região ao sul do Equador, onde se localiza a bacia do Congo, foi alvo das reivindicações portuguesas; das manobras de Leopoldo II; do expansionismo francês; do interesse britânico de manter o livre comércio e seu sonho de construir uma estrada de ferro, ligando Cabo ao Cairo; da investida alemã de 24 de abril de 1884, que proclamava como seu protetorado a área desde o sudoeste, do rio Orange ao rio Cunene. Nada mais restava a fazer, nesta conjuntura, do que uma grande negociação que resultou na ata de 23 de fevereiro de 1885, da Conferência de Berlim, conseqüência das ações imperialistas ocidentais na África.

A conferência presidida por Bismark regulamentou o livre comércio, assim como tentou proibir o protecionismo nas duas principais bacias africanas como demonstra o documento final, em seu capítulo I, artigo 2:
Todos os pavilhões, sem distinção de nacionalidade, terão livre acesso a todo o litoral dos territórios enumerados acima, aos rios que aí se lançam no mar, a todas as águas do Congo e de seus afluentes, inclusive aos lagos, a todos os portos situados nas margens dessas águas, assim como a todos os canais que possam futuramente ser abertos com a finalidade de ligar entre eles os cursos das águas ou os lagos compreendidos cm toda a extensão dos territórios descritos no artigo 1. Eles poderão realizar qualquer espécie de transporte e exercer a navegação costeira fluvial e marítima, assim como toda a navegação fluvial em pé de igualdade com os nacionais.10

No mesmo capítulo, “ironicamente” o artigo 6 reporta-se à proteção aos aborígenes “...Todas as Potências que exercem direitos de soberania ou uma influência nos referidos territórios, comprometem-se a velar pela conservação das populações aborígines e pela melhoria de suas condições morais e materiais de existência e em cooperar na supressão da escravatura e principalmente no tráfico dos negros;...” Ora esse capítulo seria cômico, se não fossem tão trágicos seus resultados sofridos pelas populações nativas. Basta vermos os métodos utilizados pelos ocidentais no processo de consolidação das cobiçadas colônias.

O capítulo II, possui um só artigo e proíbe definitivamente o tráfico de escravos. Vale a pena lembrar que o Brasil, maior país escravista das Américas já havia proibido o tráfico transatlântico desde 1850, mas permanecia com o trafico interno, tão cruel quanto o transatlântico, que só findaria, em 1888, com o ato de Abolição da escravatura.
O capítulo III refere-se à neutralidade que deve ser exercida, mesmo em caso de guerra, para a manutenção do livre comércio.

ARTIGO 11: Caso uma Potência que exerça direitos de soberania ou de protetorado nas regiões mencionadas no artigo 1 e colocados sob o regime de liberdade comercial, for implicada numa guerra, as Grandes Partes signatárias da presente Ata e as que vierem posteriormente a aderir a ela, se comprometem a: prestar seus bons serviços para que os territórios pertencentes a essa Potência e compreendidos na zona convencional de liberdade comercial sejam colocados, durante a guerra, com o consentimento unânime dessa e da outra Potência, ou das outras partes beligerantes, sob regime de neutralidade e sejam consideradas como pertencentes a um Estado não beligerante; as partes beligerantes renunciariam desde então a estender as hostilidades aos territórios dessa maneira neutralizados, como também a fazê-los servir de base para operações de guerra.

É crível que as potências signatárias já sabiam que o Tratado apenas adiava um conflito inevitável, que se concretizaria em 1914, pois nem mesmo a sangria do continente negro conseguiria pôr fim aos conflitos inerentes ao próprio imperialismo.

Como observa Catani:
Dessa maneira, as alianças interimperialistas ou ultraimperialistas no mundo capitalista – seja qual for a sua forma: uma coligação imperialista contra outra coligação imperialista, ou uma aliança geral de todas as potências imperialistas – só podem ser inevitavelmente, “tréguas” entre guerras. As alianças pacíficas preparam as guerras e por sua vez surgem das guerras, conciliando-se mutuamente, gerando uma sucessão de formas de luta pacífica e não pacífica sobre uma mesma base de vínculos imperialistas e de relações recíprocas entre a economia e a política mundiais.
O capítulo seguinte IV, reforça o livre comércio entre as nações proibindo atos de restrição à navegação.

A navegação do Congo não poderá sujeitar-se a nenhum entrave ou encargo que não estejam exatamente estipulados no presente ato. Ela não será sobrecarregada de nenhuma obrigação de escala, de etapa, de depósito, de violação de carga ou de retenção forçada. Em toda a extensão do Congo, os navios e as mercadorias que transitam no rio não serão submetidos a nenhum direito de trânsito, qualquer que seja sua proveniência ou sua destinação.

Conforme o capítulo V, no que se refere ao Níger, área direta de interesse dos britânicos, ficam estes encarregados de manter e assegurar o livre comércio.
ARTIGO 30. A Grã-Bretanha se compromete a aplicar os princípios da liberdade de navegação enunciados nos artigos 26, 27, 28, 29 já que as águas do Níger, de seus afluentes, ramificações e saídas estão ou ficarão sob sua soberania ou seu protetorado. Os regulamentos que estabelecerá para a segurança e o controle da navegação serão concebidos de maneira a facilitar tanto quanto possível a circulação dos navios mercantes. Fica entendido que nada nos compromissos assim assumidos poderia ser interpretado como impedindo ou podendo impedir a Grã- Bretanha de fazer qualquer regulamento de navegação contrário ao espírito desses engajamentos.

O direito de possessão do continente pelas forças soberanas imperialistas fica nítido no Capítulo VI, artigos 34 e 35.

ARTIGO 34. A Potência que de agora em diante tomar posse de um território nas costas do continente africano situado fora de suas possessões atuais, ou que, não os tendo tido até então, vier a adquirir algum, e no mesmo caso a Potência que aí assumir um protetorado, fará acompanhar a Ata respectiva de uma notificação dirigida às outras Potências signatárias da presente Ata, a fim de lhes dar os meios de fazer valer, se for oportuno, suas reclamações.

ARTIGO 35. As Potências signatárias da presente Ata reconhecem a obrigação de assegurar, nos territórios ocupados por elas, nas costas do Continente africano, a existência de unia autoridade capaz de fazer respeitar os direitos adquiridos e, eventualmente, a liberdade do comércio e do trânsito nas condições em que for estipulada.

Os dispositivos do capítulo VII versam sobre as disposições gerais, pela quais as potências signatárias comprometem-se a cumprir os acordos firmados no pacto que davam direito aos europeus de domínio sobre o território africano. Somente os Estados da Etiópia e da Libéria conseguiram “escapar” do domínio colonial, permanecendo independentes, sem serem colônia ou protetorados de qualquer potência estrangeira.
O Tratado de Berlim é um marco nas relações internacionais imperialistas, porém, após ele, foram fixados vários outros acordos entre as potências dominantes. Muito mais do que a divisão da África, 1885 marcou uma tentativa de estabelecer normas de convivências e regras entre os dominadores.

Sobre o assunto escreveu Wessling:
Mais do que definir a partilha da África, a Conferência serviu como símbolo dela. Colocara-se a partilha da África na agenda de diplomatas europeus e ela se recusou a ir embora durante algum tempo. A conferência talvez tenha sido uma ‘operação de holding’, mas uma operação que falhou, pois, ao mesmo tempo em que os delegados mediam suas palavras, assinavam-se acordos reconhecendo o Estado Livre e fixando suas fronteiras, e acelerou-se enormemente o jogo africano”.

Pan-africanismo: um ato de resistência afro-descendente
Um dos mais destacados movimentos de denúncia e combate ao colonialismo foi o Pan-africanismo. Este propunha a união dos africanos em suas lutas pelos direitos civis, a independência e no combate à discriminação. Nascido no exterior, oriundo de uma elite negra que estudou na Europa e nos EUA, o Pan-africanismo foi um instrumento de denúncia das chacinas e barbáries que estavam acontecendo nas colônias africanas.
Embora servisse de porta-voz às reivindicações desses povos, ele tornouse, todavia, mais conhecido fora da África do que dentro dela.

O Pan-africanismo teve caráter político, filosófico e social, porém não era uma organização homogênea. Pregou a unidade do continente africano em um âmbito único e nisto pecou, pois não entendeu as diversidades ali existentes nem suas complexidades.
Talvez pelo fato de ter sito gestado por uma elite intelectual, que residia no exterior, suas ações restringiram-se principalmente aos grandes centros urbanos europeus e estadunidenses. Nos EUA, provavelmente devido às condições dos negros neste país, adquiriu certo grau de radicalização. Embora, em seu estágio inicial, a agremiação tenha tido mero caráter de apoio e solidariedade aos afro-descendentes, entre si, e aos povos africanos de maneira geral, acabou por ampliar seus rumos e modificar-se ao longo do processo, o que influenciou o curso das independências que agitaram o território negro.

O Pan-africanismo que tem, segundo alguns autores, sua paternidade atribuída a W.E.Burghardt Du Bois, não foi a primeira tentativa de criação de uma entidade voltada aos interesses africanos. No século XIX, já havia sido criada, em 1897, a “Associação Africana”, com cerca de 20 mil negros que tinham o objetivo de “... proteger os interesses de todos os africanos e seus descendentes tanto no império britânico como em outras partes do mundo”. Para tanto, foi redigido um documento apresentado, em 1900, por um grupo de intelectuais, destacando a necessidade da “solidariedade com seus irmãos africanos menos favorecidos”.

Esta organização de caráter reformista sequer pensou em questionar o domínio colonial, limitando-se a criticar os excessos cometidos pelos conquistadores. Julgavam ser benéficas para os africanos a associação e a colaboração com os europeus. Todavia, teve a agremiação o mérito de preparar a Conferência Pan-africana, ocorrida em Londres (1900).

Os quatro primeiros congressos Pan-africanos realizados em 1919, 1921, 1923, 1927, não avançaram em suas propostas, ficando basicamente com uma pauta denuncista e reivindicatória sobre as condições de vida dos povos colonizados na África e sobre os abusos cometidos pelos europeus. Quanto aos trabalhos forçados, prática do colonialismo, foi solicitado seu abrandamento. Isto demonstra que esses congressos foram eminentemente reformistas, tal como a “Associação Africana”.
O quinto congresso Pan-africano foi, no entanto, marcado pela maior radicalização de suas propostas e pelo debate político mais aprofundado.

Desta feita, com alguns dos principais líderes convertidos ao marxismo, houve a condenação ao capitalismo empregado no território negro; à discriminação racial; à segregação racial assim como um chamamento à união dos africanos na luta contra os opressores. Era uma virada de mesa.

Deste Congresso participaram líderes africanos que, mais tarde, após a independência, tornaram-se notórias personalidades em seus países, entre outros: Agustinho Neto, Samora Machel, Amilcar Cabral, Kwame Nkrumah.
Um dos desmembramentos do Pan-africanismo foi a criação pelo senegalês Lamine Senghor, filiado ao partido comunista, de uma organização que abrigasse todos os negros oriundos das colônias francesas, independente de suas filiações partidárias, a qual deu origem ao “comitê de Défense de La Race Nègre”, visando à valorização dos negros africanos e antilhanos – a “serem negros com letra maiúscula”.

O comitê ultrapassou, em suas reivindicações, as questões raciais, como podemos perceber através das palavras do próprio Senghor:
Não há distinção entre os negros, submetidos ao jugo de um outro imperialismo... Nós somos todos irmãos unidos pela mesma raça. Sofremos o mesmo destino (sob formas diferentes, bem entendido) escravagista, dominado pelo imperialismo internaciona18 ...
A opressão imperialista que nós chamamos de colonização e que chamais aqui de imperialismo é a mesma coisa: tudo isso não é senão capitalismo, é ele quem produz imperialismo nos povos metropolitanos.

Em conseqüência, os que nos nossos países sofrem a opressão colonial dem da-se Seria em dar-se as mãos, ajudar-se mutuamente e juntar-se aos que sofrem dos malefícios do imperialismo metropolitano, usar as mesmas armar e destruir o mal universal que é o imperialismo mundial. É preciso destruí-lo e substituí-lo pela união dos povos livres. Basta de escravos!

Em âmbito mais cultural, deve-se dar destaque à Negritude.

Embora o termo tenha sido criado por Aimé Césaire, da Martinica, ele foi usado de maneira singular por Leopoldo Senghor, que utilizou o movimento para redescobrir a África e sua cultura. Ele pregava o resgate dos valores negros, combinados com os valores franceses, no que foi criticado por “ser francês demais”.

Leopold - Sédar Senghor (1906-2001) nasceu em Dakar, a 9 de outubro de 1906, filho de pais ricos, estudou em Paris, onde conheceu Aimé Césaire com quem instituiu as bases do “Negritude”. Poeta, deputado eleito em 1945, foi o primeiro presidente da república do Senegal. Intelectual, deixou uma vastíssima obra literária.

O principal opositor de Senghor, dentro do movimento, foi o historiador egiptólogo, também senegalês, Cheikh Anta Diop, autor do livro “Nações Negras e culturas”. Ele defendia a retomada dos valores da África pré-colonial, no sentido de resgatar a auto-estima dos povos negros.

Nascido em 29 de dezembro de 1923, estudou em Paris, teve sua tese de doutorado rejeitada em 1951, na Sorbonne, e aceita, em 1960, com ressalvas, o que o impediu de lecionar na França. Nos anos 70, fundou jornais de oposição ao regime de Leopold - Sédar Senghor. Diop e Senghor foram os dois maiores símbolos do “Negritude”, movimento que se difundiu e perpetua-se até os dias de hoje.

A luta contra o invasor
Mesmo antes da partilha da África, os confrontos com os europeus já eram freqüentes. Várias foram as formas de luta empreendidas pelos povos subjugados, que muitas vezes resultaram em verdadeiros massacres.

Sempre existiu, no entanto, por parte dos povos negros, resistência às ações dominadoras, com exceção daqueles que, para vencer seus inimigos locais ou conseguirem algumas vantagens, uniram-se aos conquistadores.

Contudo, muito mais que a cooperação, prevaleceu a aversão, que se manifestou por todo o território. Como exemplo podemos citar o Império Zulu,fundado por Chaka, que entrou em batalha contra bôeres e britânicos, na África meridional e a Argélia ao norte, ocupado pela França desde 1830, que teve sua resistência como um dos símbolos das lutas anti-colonial, tão marcante, que chegou a ser transformadas em filme (A batalha de Argel).

Embora não tão conhecidas, mas não menos importantes e sangrentas, ocorreram várias outras ações anti-coloniais, dentre as quais podemos aludir o movimento Mau-Mau, contra o domínio inglês no Quênia. Essa região era composta, antes da chegada do invasor britânico, por mais de 50 grupos, divididos entre sete etnias. Entre os vários povos destacavam-se os Nandis, Wangas, Akambas, Bangada, Massais, Luos, Abaluyias.

Usando sua estratégia de expansão imperialista apoiada principalmente no comércio, os ingleses, desde sua chegada ao continente, tentaram interliga-lo através de ferrovias, assim construíram a estrada de ferro de Uganda que se unia ao interior do Quênia. Este fato provocou, de imediato, a reação dos Mandis, que, na primeira década do século XX, opuseram-se à chegada dos invasores.

No intuito de promover a conquista da região, os britânicos confiscaram as melhores áreas propícias à agricultura. As concessões de terras fornecidas aos invasores, através da legislação agrária de 1915, possuíam validade de 999 anos. Outro fato a ser destacado refere-se à proibição de serem os imigrantes indianos proprietários de terras. Desta forma, a concentração fundiária foi sendo sacramentada através da discriminação racial.

Como descreve Leila Hernandes:
Paradoxalmente, a propriedade fundiária não era direito legal da minoria européia, foi só com a Land Apportionment Act, uma lei agrária aplicada desde abril de 1931, que foi consagrada a concentração de terras em mãos dos europeus em detrimento da grande maioria africana.

Essa lei tornava legítima a divisão do solo do Quênia em quatro categorias: as ‘reservas indígenas’ (22,4%), nas quais a ocupação da terra seguia o direito consuetudinário dos povos africanos; a ‘zona de compra para indígenas’ (8,4%), que tornava disponível a aquisição individual de terras pelos africanos, isto é, uma espécie de compensação pelo fato de eles não poderem comprar terras em algumas partes da Rodésia do Sul; a ‘zona européia’ (50,8%), terras já ocupadas pelos europeus às quais ainda se somavam 7.700 hectares, reservados para ser mais tarde explorados ou adquiridos por eles. Só não eram incluídos 18,4% das terras pobres e inóspitas, que poderiam ser distribuídas a qualquer uma das três categorias.

Somando-se a esses fatos temos outro agravante: o trabalho compulsório, largamente utilizado pelo sistema colonialista, e a proibição do cultivo do café por africanos, devido ao fato de ser este produto o mais lucrativo no país, o que não deixa dúvidas sobre o caráter racista e monopolista da administração britânica.

Esses atos somente aumentaram o quadro de insatisfação geral dos diversos povos da região. Assim começou a germinar o nacionalismo africano, reforçado por uma elite negra intelectualizada que estudara no exterior, o que possibilitou a formação de vários grupos de resistência.

Em meio aos povos que habitaram o Quênia, talvez tenham sido os Kikuyus os que mais se destacaram por não dar tréguas aos invasores, negando radicalmente a dominação européia e seu racismo etnocêntrico.

Não aceitaram suas leis de exclusão, em geral, e, em especial, a que proibia a plantação de café e algodão, o que levou à criação de entidades e associações organizativas. Dentre outras, os Kikuyus fundaram a Central Association (KCA), defensora dos interesses dos trabalhadores rurais e urbanos.

Em 1928, Jomo Kenyatta assumiu a secretaria geral desta entidade.

Ele promoveu uma revolução cultural, estabeleceu novas formas de solidariedade e de lealdade. Kenyatta, nascido em 20 de outubro de 1894, no atual Quênia, com o nome de Kamau wa Ngengi, estudou em uma escola missioneira escocesa e foi um dos fundadores da Federação Panafricana.

Como líder dos kikuyus, foi preso, em 1952, sob a acusação de liderar os mau-mau. Em 1963, tornou-se primeiro-ministro e, em 1964, foi nomeado presidente do novo Estado independente com o título honorário de Mzee (velho senhor).

Os kikuyus são uma das várias etnias que habitam o país, localizam-se entre o lago Vitória e o Oceano Índico. Em 1948, possuíam aproximadamente um milhão de pessoas, que representavam 19,5% da população. Com a chegada dos ingleses, os nativos foram expulsos das melhores terras, além de terem de pagar pesados impostos em dinheiro, foram-lhes impostos os cultivos obrigatórios para integrar os “indígenas” na economia monetária.

Tal política de opressão fez eclodir o movimento denominado maumau, nesta colônia de povoamento que, em 1950, possuía 60.000 europeus que controlavam 43.000km2, sendo 34.000km2 de terras aráveis, proporcionando, pois, a monopolização do território mais fértil que ficou nas mãos de 1% da população.

Quanto aos negros, esses foram confinados em reservas, de solo esgotado.21 Neste contexto, surgiu entre os kikuyus a mais forte resistência contra o colonialismo implantado pela Grã-Bretanha, no Quênia, visto ter sido esse povo um dos mais atingidos pela expropriação de terras. A liderança do movimento foi atribuída a Kenyatta. Os mau-mau adotaram a sabotagem, os assassinatos e o amedrontamento, como sua tática de luta. Eram uma espécie de sociedade secreta e utilizavam, entre seus membros, desde práticas religiosas animistas até juramentos secretos.

Se a reação foi forte, a repressão não tardou. Kenyata assim como outros líderes foram presos. O número de cativos beirou aos 100.000. Os mortos “rebeldes” chegaram a 7.811 vítimas, enquanto, do lado colonial, foram executados apenas 68 europeus. Os africanos vitimados pelos maumau chegaram a 470. Como se vê, morreram mais africanos não mau-mau do que europeus. Kenyata foi preso e condenado em um julgamento que durou cinco meses, sendo condenado a sete anos de trabalhos forçados.
Mais adiante, foi mandado para o exílio em Lodwar, no próprio Quênia.

Encerrou-se assim o movimento libertário, que, mais tarde, fez de seu provável líder o presidente de seu país, agora independente (1964).

A procura de uma Colônia
Impossível falarmos do colonialismo na África sem nos referirmos a uma pessoa em especial: Leopoldo II. É crível que nenhum outro representante de Estado tenha se ocupado e feito tantos esforços para conseguir uma colônia para si, como ele que, mesmo antes de ocupar o trono, já estava atrás de uma possessão.

“Quando pensava no trono que seria seu, irritava-se abertamente.

‘Petit pays, petis gens’ (país pequeno, gente pequena), chegou a dizer certa vez da Bélgica. O país, menos da metade do tamanho da Virgínia Ocidental [pouco maior que o estado de Alagoas], ficava entre a grandiosa França de Napoleão III e o cada vez mais poderoso Império Alemão. O jovem herdeiro estava aborrecido e impaciente. O país que receberia de herança era pequeno demais para ele.

Voltou então as atenções para o exterior. Antes mesmo de completar vinte anos, Leopoldo, de caneta e papel na mão, visitou os Bálcãs, Constantinopla, o Egeu e o Egito, viajando em grande estilo em navios de guerra britânicos e turcos, e, ao voltar, fez discursos entediantes sobre o papel que a Bélgica poderia ter no comércio mundial. Em todos os lugares por onde passava, buscava oportunidades imperiais. Conseguiu do quediva do Egito a promessa de fundarem juntos uma companhia de navegação ligando Alexandria a Antuérpia. Tentou comprar alguns lagos no delta do Nilo, para poder drená-los e reivindicar as terras como colônia sua.

Escreveu: ‘É possível comprar um pequeno reino na Abissínia por 30 mil francos. “[...] Se, em vez de falar tanto sobre neutralidade, nosso parlamento cuidasse do comércio, a Bélgica poderia se tornar um dos países mais ricos do mundo”.

O futuro jovem monarca já deslumbrava a importância que teriam as colônias para os países que, por ventura, delas se apoderassem. Com essa visão, após assumir o trono, ele dedicou-se a conseguir uma para si.

Visto não ser apoiado em seu pleito pelo parlamento de seu país. Obstinado, lançou-se a estudos sobre este tipo de empreendimento: gastos, lucros e principalmente como consegui-lo.

“E onde encontra - lá? Durante bem uns dez anos, Leopoldo revirou o mundo.
Em carta a um assistente escreveu: Estou especialmente interessado na província Argentina de Entre Rios e na pequena ilha de Martin Garcia na confluência do Uruguai com o Paraná de quem é a ilha? Seria possível comprá-la, estabelecer ali um porto livre, sob a proteção moral do Rei dos Belgas? [...] Nada mais fácil do que tornar proprietário de terras em estados argentinos três ou quatro vezes maiores que a Bélgica.
Leopoldo investiu na companhia do canal de Suez. Pediu a um assistente que tentasse adquirir Fiji porque não convinha ‘deixar uma presa tão bela escapar’.

Andou vendo ferrovias no Brasil e pensou em arrendar o território da Ilha de Formosa.”23 Leopoldo II nasceu em 9 de abril de 1835, com o nome de Leopoldo Luís Felipe Maria Vitar. Filho do rei Leopoldo I da Bélgica e primo irmão da rainha Vitória do Reino Unido. Governou a Bélgica de 1865 até a sua morte, em 1905, sendo sucedido por Alberto I.

Como rei dos belgas, não mediu esforços no sentido de conseguir uma possessão para governar, para o que não poupou esforços financeiros, utilizando sua própria fortuna, o que o levou a fazer vários empréstimos, tanto junto a banqueiros, como também ao parlamento belga, que lhe forneceu a quantia equivalente a 125 milhões de dólares, em moeda atual.

Em troca, o soberano deixaria para o país em seu testamento a colônia adquirida.
Até conseguir possuir sua própria colônia, Leopoldo precisou usar de toda sua astúcia e de métodos legais ou não, para se colocar na condição privilegiada, que lhe deu prestígio e credibilidade de que desfrutou por algum tempo. Chegou a ser aplaudido, em pé, pelos integrantes do Congresso de Berlim, mesmo não estando presente no encontro que definiu os rumos da África.

Para chegar a tanto, o monarca belga colocou sobre si uma capa de cordeiro para, como lobo, abocanhar a melhor fatia do bolo africano – o Congo. Sabendo das disputas pela região entre as grandes potências, Leopoldo entrou na briga, não como mais um membro para disputar estas terras, mas sim para “praticar ações filantrópicas”.

Com esse “objetivo”, segundo seu estratagema, patrocinou, em 1876, uma Conferência Internacional de Geografia, na Bélgica.

Em setembro de 1876, na linha da ideologia humanitária, o mecenas reuniu em seu palácio de Bruxelas uma conferência internacional de Geografia. O objetivo era ‘abrir à civilização a única parte de nosso globo em que ela não havia ainda penetrado... conferenciar para acertar o passo, combinar os esforços, tirar partido de todos os recursos, e evitar a duplicação de trabalhos.

Desta Conferência, surgiu, em 14 de setembro de 1876, com sede em Bruxelas, a Associação Internacional Africana (A.I.A.) que conferiu a Leopoldo sua presidência. Esta serviu de fachada para o Imperador legitimar suas conquistas no Congo, principalmente através de Stanley, que passou a fazer parte da folha de pagamentos de sua majestade. As conquistas receberam o nome de Estados Livres do Congo, que passaram a ser governados teoricamente não por Leopoldo, mas pela associação, por ele coordenada.

A agremiação era, na verdade, um empreendimento econômico com fachada filantrópica, cujo objetivo, de fato, era a exploração econômica e não havia ninguém melhor que Stanley para realizar a missão. Henry Morton Staley (1841-1904) foi um jornalista anglo-americano que se tornou um dos mais destacados exploradores de sua época. Autor de uma biografia controversa ficou conhecido por suas ações violentas e inescrupulosas no Congo. Segundo a Sociedade de Proteção dos Aborígenes e a Sociedade Anti-escravocrata, o explorador matava os negros como se eles fossem macacos.

Segundo Adan Hochschild, o rei Belga conseguiu, através da Associação Internacional Africana, o reconhecimento filantrópico para suas ações, a ponto de suas ações serem consideradas pelo Visconde de Lesseps “o maior trabalho humanitário da época”, porém seus verdadeiros interesses eram outros, as riquezas da África: dentre as quais o marfim e a extração da borracha.
Para tanto, os colonizadores, que tinham como missão promover a proteção às nações nativas, não hesitaram em introduzir o trabalho escravo, as torturas e as mutilações.

Sobre a barbárie no Congo de Leopoldo, descreve Voltaire Schilling:
Era comum, por divertimento, os homens brancos que andavam nos vapores pelo rio acima, atirarem contra as aldeias ribeirinhas, matando ou afugentando as populações. Rivalizaram-se nas atrocidades dois monstros: os oficiais Leon Rom e Guillaume Van Kerckhoven, que distribuía prêmios a quem lhe trouxesse cabeças humanas durante uma operação militar qualquer, “para que eles se sentissem estimulados em fazer proezas em face do inimigo”.

Os lucros encobertos pelas ações filantrópicas no Congo eram por demais satisfatórios. Schilling, citando o também historiador Jules Marchal, afirma que o comércio congolês teria rendido cerca de “U$ 1,1 bilhão de dólares aos cofres do monarca”. Como pode ser visto Leopoldo “tinha razão” em lutar tanto pelo Congo. O “bolo” africano estava sendo saboreado, não importando como, o resultado estava excelente.

Todavia a falsa ação humanitária do rei Belga, talvez, o único homem do mundo a possuir sozinho uma colônia, começou a ser desmascarado e, por ironia, por um afro-descendente: Washington Willians. Ele denunciou a situação do Congo, através de um documento denominado “uma carta aberta a sua serena majestade, Leopoldo II, rei dos Belgas e soberano do Estado Independente do Congo, escrita pelo coronel Geo W. Willians, dos Estados Unidos da América”.

Willians nasceu na Pensilvânia, em 1849, lutou na guerra de Secessão ao lado da União na 41ª batalhão de cor. Depois que deixou o exército, passou por diversas funções, desde teólogo até dono de jornal. Como escritor, publicou “História da raça negra na América de 1619 a 1880”.

Segundo W. E. B. Du Bois, ele se constitui no maior historiador da raça negra.
George Willians denunciou ao mundo os métodos usados por Leopoldo, tanto para conseguir sua colônia – Congo – como para mantêla.

Acusou Leopoldo e Stanley de usarem truques para enganar os africanos. Em seu conceito, o explorador era um tirano e não um herói.
Mencionou as destruições feitas pelos brancos, além dos assassinatos por eles realizados. Denunciou as atrocidades cometidas pelos europeus.

Oficiais brancos estavam matando aldeões, às vezes para pegar suas mulheres, às vezes para forças os sobreviventes a trabalhar em regime escravo, às vezes por esporte. ‘Dois oficiais do exército Belga viram do convés do barco, um nativo numa canoa, a uma certa distância [...] Os oficiais fizeram uma aposta, no valor de cinco libras, de que poderiam atingi-lo com seus fuzis. Três tiros foram disparados e o nativo caiu morto, com uma bala na cabeça’

O negro George Willians mostrou ao mundo a realidade filantrópica do regime colonialistas do rei Belga. Caía a máscara de Leopoldo. Este enfrentou uma série de protestos públicos, assim como pressão da intelectualidade mundial, o que faz com que o “Benfeitor Belga”, não resistindo mais ao assédio, vendesse sua possessão ao país que ele próprio governava, pois as concessões dos Estados Livres do Congo pertenciam às entidades privadas das quais, Leopoldo era dono.

A colônia africana, que fora alvo de tanta disputa entre os países imperialista e ficara nas mãos de Leopoldo, passou então para a Bélgica. O rei vendeu a colônia pelo valor de 45,5 milhões de francos e mais 5 milhões de títulos que lhe foram dados como “um marco do agradecimento por seus sacrifícios feitos pelo Congo”.

O rei saiu em grande estilo. Todavia, mesmo após a morte de Leopoldo, a exploração e os maus tratos persistiram no Congo Belga, assim como em toda a África.

Somente entre 1911 e 1918, na região de Katanga, morreram, nas minas de cobre e na fundição, mais de 5 mil trabalhadores. O segundo grande conflito mundial também contribuiu para o agravamento das condições de trabalho dos negros congolenses, o trabalho forçado foi aumentado para 120 dias ao ano. O subsolo africano tornou-se precioso para os aliados. Segundo Adam Hochschild, mais de 80% do urânio utilizado nas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki vieram do Congo.

Este país também foi importante no fornecimento de borracha, para a confecção de pneus de caminhões, jipes e aviões militares.27 Leopoldo não pode ser crucificado, pois tanto na África francesa, inglesa, alemã, portuguesa... a exploração foi a mesma. O trabalho compulsório as chacinas, a exploração, os castigos físicos não foram exclusividade dos belgas, mas integraram o sistema hegemônico que impôs o colonialismo no continente negro, o qual trouxe consigo a disputa imperialista em várias partes do mundo. Portanto, se quisermos entender “As Áfricas” de hoje, temos que retomar o período colonial e a conseqüente descolonização do continente, vítima do imperialismo ocidental.

Jorge Euzébio Assumpção

Referências Bibliográficas

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BRUIT, Héctor H. O imperialismo. Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1988.
Brunschwing, Henri. A partilha da África negra. São Paulo. Editora Perspectiva, 1974.
CATANI, Afrânio Mendes. O que é Imperialismo. Editora Brasiliense, 1981.
HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula: visita a história contemporânea. Selo Negro, São Paulo, 2005
Hochschild, Adan. O fantasma do Rei Leopoldo: uma história de cobiça, terror e heroísmo na África colonial. Tradução Beth Vieira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra - II. Edição revisada. 3ª Edição.
Publicações Europa-América. LDA. Portugal, 2002.
SCHILING, Voltaire. http://educaterra.terra.com.br/voltaire/index.htm.
Acesso em 15 de agosto, 2008.
Editora Revan. Rio de Janeiro, 1998.
Fonte: www1.fapa.com.br
 

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