10 julho
2013,
Comissão Pastoral da Terra (CPT) http://www.cptnacional.org.br (Brasil)
Agência de Notícias A Pública e Diário do Pará
publicam série de resportagens com as histórias de mulheres ameaçadas de morte
por suas lutas no campo. Confira o contexto dessas ameaças, e algumas histórias
de mulheres que lutam para manter-se vivas no Brasil.
(A
Pública e Diário do Pará)
Nas
diversas placas de sinalização ao longo das rodovias que ligam os municípios do
sudeste e do sul do Pará, raras são as que não ostentam marcas de balas. Atirar
nas placas pode ser o inusitado passatempo de quem trafega por aquelas
estradas, sem maiores consequências. Mas as marcas também sinalizam muito do
espírito que sempre marcou a colonização daquela parte do estado, pivô de
conflitos agrários, assassinatos de lideranças rurais e número um em índices de
desmatamento e trabalho escravo.
Segundo a
Comissão Pastoral da Terra (CPT), ocorreram no estado do Pará, entre 1964 e
2010, 914 assassinatos de trabalhadores rurais, religiosos e advogados por
questões de terra. Desse total, 654 ocorreram no sul e sudeste do Pará. “Muitos
dos trabalhadores rurais assassinados, não conhecemos os rostos e nem sabemos
os seus nomes. Em muitos desses casos a polícia negou o registro das denúncias
formalizadas por sindicalistas e familiares das vítimas, e negou também o
resgate dos corpos onde foram assassinados”, diz
o advogado da CPT em Marabá
José Batista Afonso.
A CPT
divulgou no início do ano uma lista com o nome de 38 pessoas ameaçadas de morte
no sul e sudeste do Pará por causa de sua luta pela posse da terra. Dez são
mulheres.
Num
dossiê que esmiuça a violência no sul e sudeste do Pará, a CPT avalia a
violência que vitimou centenas de trabalhadores rurais, dirigentes
sindicais, religiosos, advogados e parlamentares que lutam pela terra e pela
reforma agrária, remonta principalmente o governo militar que, no início da
década de 1970, começou a investir na ocupação da Amazônia. O sul e sudeste do
estado do Pará, região de expressiva concentração de riquezas minerais e
naturais, foi talvez onde esse processo se efetivou de maneira mais
contundente.
Para
explorar as riquezas, o governo construiu estradas, como a Transamazônica, a
BR-222, a BR-158, mas construiu também hidrelétricas, como Tucuruí, e estimulou
e financiou a implantação de grandes projetos para explorar as riquezas ali
existentes, como o Projeto Ferro Carajás. “Ao mesmo tempo incentivou a vinda de
grandes empresas e pecuaristas do Centro-Sul do Brasil para investir na criação
de gado bovino. Não só concedeu terras, mas créditos subsidiados pela política
de incentivos fiscais da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
(SUDAM). Esses grupos econômicos, especialmente aqueles que investiram na
implantação da pecuária extensiva passaram a expulsar, de forma muito violenta,
os povos indígenas e diversos pequenos agricultores que há muito tempo ocupavam
da região”, enfatiza o dossiê da CPT.
A
novidade da violência atual é que as mulheres estão cada vez mais na linha de
tiro, alvo de ameaças. Algumas convivem com essa marca há mais de uma década.
Outras começaram a sentir mais recentemente o peso da sina de estarem marcadas
para morrer.
Em comum,
essas mulheres carregam a consciência da luta que travam; sentem medo,
modificaram hábitos, convivem com a incerteza cotidiana. Houve quem decidisse
se afastar da luta sindical, com medo das ameaças cada vez mais constantes.
Outras permanecem, sabendo ser esse o destino a seguir.
Uma das
poucas que conseguiram alguma atenção nacional para o seu périplo foi Laísa
Santos Sampaio. Irmã da extrativista Maria do Espírito Santo, assassinada em
Nova Ipixuna, a 580 quilômetros de Belém em 2011, Laísa é o “alvo da vez”
no município. Ela e o marido, José Maria Gomes Sampaio, o Zé Rondon, estão
sendo ameaçados de morte desde o assassinato de Maria e José Cláudio Ribeiro da
Silva. Laísa já não dorme tranquilamente e não pode sair de casa sem
acompanhamento. A rotina pessoal mudou, desorganizando toda sua família, a
relação com os filhos e o trato da lavoura e do extrativismo dentro do seu lote
de terra. A Comissão Pastoral da Terra acredita que as ameaças têm sido feitas
por pessoas que provavelmente fizeram parte do consórcio de proprietários de
terras, madeireiros e carvoeiros que assassinou José e Maria. As ameaças de
morte foram registradas na Delegacia de Conflitos Agrários do Sudeste do Pará
(DECA). Pouco mudou.
“Não saio
mais desacompanhada”, diz Regina Maria Gonçalves Chaves. Regina é presidente do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município de Eldorado dos Carajás. No dia
15 de junho de 2012 um grupo de fazendeiros invadiu a sede do Sindicato e a
ameaçou diretamente. “Deixaram um recado: estariam com grupos armados à espera
de qualquer tentativa de ocupação por parte dos movimentos sociais”, diz ela.
Dias depois, pessoas estranhas foram vistas rondando a sede do sindicato e à
procura de Regina na casa dos familiares dela.
Em Breu
Branco, próximo ao município de Tucuruí, a 480 quilômetros da capital, Graciete
Souza Machado convive com uma bala alojada a apenas dois centímetros da coluna
vertebral. O alvo era o pai, Francisco Alves de Macedo, líder comunitário que
defendia posseiros que ocuparam a fazenda Castanheira. Francisco Alves foi
morto por pistoleiros “Eu sou ameaçada de morte desde 2010. Não temos liberdade
para sair de casa com nossas crianças. Vivemos totalmente inseguros e com muito
medo, pois a qualquer momento, como aconteceu com o meu pai, pode acontecer
comigo. Tenho muito medo”, diz ela.
Mudam as
personagens, mas as histórias são semelhantes.
“As
mulheres se tornaram lideranças que acabaram tomando à frente da luta, muitas
vezes são responsáveis pelo sustento da família”, diz a advogada da Comissão
Pastoral da Terra, Vânia Maria Santos, 29 anos. Ela atribui a continuidade dos
padrões de violência à impunidade. “Da ameaça à concretização é pouca coisa”,
diz ela.
Nos
assentamentos, acampamentos, periferias dos municípios, nas entidades
sindicais, uma dezena de mulheres segue sua vida, à espera do assassino,
cumprindo pena forçada
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