terça-feira, 23 de julho de 2013

Brasil/FRANCISCO, O PAPA PARA SE ADAPTAR A UMA IGREJA EM DECLÍNIO



22 julho 2013, EDITORIAL Vermelho http://www.vermelho.org.br (Brasil)

Qual é o significado da expressão “papa dos pobres” usada pela imprensa para referir-se a Francisco, o sucessor de Bento XVI, que inicia nesta segunda-feira (22), no Brasil, a sua primeira viagem internacional? A revista norte-americana Time tem programada, para a edição do dia 29, uma chamada de capa com uma variante dessa designação: “O papa do povo”.

A visita de Francisco ao Brasil vem repleta dos significados que envolvem, comumente, a figura do dirigente máximo da Igreja. São significados apostólicos, políticos e, sobretudo ideológicos.

A igreja católica, embora de influência declinante entre o povo, mantém grande força ideológica. Nos últimos papados (João Paulo II e Bento XVI), a igreja condenou a Teologia da Libertação e sua opção preferencial pelos pobres, cuja força cresceu durante o papado de Paulo VI (1963 a 1978). A inclinação social foi rejeitada pela cúpula da Igreja como “marxista”. O último terço de século em que a igreja foi dirigida pelos dois últimos papas foi o período do predomínio dos valores do dinheiro e da riqueza sobre o Vaticano. Neste sentido, João Paulo II e o cardeal Ratzinger (depois Bento XVI) foram campeões do neoliberalismo, como o presidente dos EUA, Ronald Reagan e a premier britânica Margareth Thatcher, que capitanearam a ascensão mundial do predomínio do dinheiro e da riqueza na preocupação dos dirigentes políticos.

João Paulo II foi um anticomunista da mesma estatura de Reagan e Thatcher, e o resultado de sua orientação “espiritual” é visível. Por um lado, representou forte aval ideológico e simbólico ao predomínio neoliberal; na outra ponta traduziu-se na série de escândalos, de toda natureza, que a cúpula da Igreja viveu nestes anos.
E, na esteira deles, na perda crescente de sua influência entre os povos. A Igreja católica perdeu para o islamismo o status de religião com o maior adeptos; sua base territorial mudou e, hoje, o continente mais católico do planeta é a América Latina, onde estão 62% dos católicos, deixando a Europa bem para trás, com meros 24%.

Mesmo na América Latina a ameaça ao prestígio da Igreja é grande. No Brasil, que ostenta o título de maior país católico do mundo, o número de fiéis vem caindo aceleradamente face ao avanço de outras confissões, sobretudo protestantes e espíritas, sem contar o grande crescimento do número de pessoas que se declaram sem religião ou ateias. Nos 20 anos que vão de 1991 a 2010, o número de católicos teve enorme queda no Brasil, passando de 83% da população para 68%, enquanto a presença dos protestantes mais que dobrou, passando de 9% para 20%. E o IBGE mostra que, em 2010, 8% dos brasileiros se declaravam sem religião ou ateus.

Dados divulgados neste domingo (21), mostram que o número de católicos no Brasil atingiu o menor patamar da história. Caiu de 64%, quando houve a última visita de um Papa ao país em 2007, para 57% em 2013, segundo pesquisa Datafolha. Os evangélicos pentecostais (19%) e não pentecostais (9%), estão na sequência do ranking da fé.

Além do número menor, o Datafolha aponta também baixa participação dos católicos na igreja. Enquanto a maioria dos evangélicos, 63% dos pentecostais e 51% dos não pentecostais, diz frequentar cultos mais de uma vez por semana, apenas 17% dos católicos dizem fazer o mesmo.

Dá para entender, nestas condições, o tema da Jornada Mundial da Juventude, que ocorre no Rio de Janeiro: "Ide e fazei discípulos entre as nações", em busca de recuperar o terreno perdido entre os fiéis.

Esse declínio da Igreja permite entender também as mudanças realizadas por Francisco. Ele já se manifestou contra o uso ostensivo de carros de luxo pelos cardeais da Igreja, promoveu mudanças na legislação penal do Vaticano, permitindo a punição de envolvidos nos escândalos de todo tipo, sobretudo os ligados à pedofilia e aos crimes financeiros, aceitando inclusive a extradição de clérigos acusados de crimes.

Acenou também com uma maior tolerância em relação aos hábitos morais dos fiéis, embora sem tocar nos dogmas que a Igreja mantém em relação a questões morais, como aborto, uso de camisinha etc. Há notícias de que ele chegou a advertir um padre italiano que se recusou a batizar o filho de uma mãe solteira, afirmando que não há “mãe solteira”, mas “mãe e filho” que, pensa, a Igreja precisa acolher.

Qual o significado das mudanças acenadas pelo papa Francisco? Aparentemente elas não significam uma flexão radical em relação à orientação de seus antecessores. A “opção pelos pobres” não indica uma revalorização da teologia da libertação, por exemplo, mas sim uma correção dos rumos escandalosos dos chefes da Igreja. Em certa medida, a ascensão de Francisco ao papado pode ser compreendida como tentativa da Igreja para se adaptar a um ambiente de forte rejeição aos abusos da riqueza e do capitalismo no período da hegemonia neoliberal, uma inflexão vital para uma Igreja de prestígio declinante. Uma acomodação à realidade de um mundo onde o neoliberalismo é declinante. Nada mais que isso.

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