25 julho 2013, Brasil de Fato http://www.brasildefato.com.br
Carta destaca a necessidade de
regularização dos territórios tradicionalmente ocupados e da realização da “tão
sonhada reforma agrária”
da Redação
A Comissão Pastoral da Terra (CPT)
aproveitou a vinda do papa Francisco ao Brasil e enviou uma carta o convidando
para conhecer a realidade das comunidades rurais no país. Juntamente com a CPT,
outras quatro pastorais do campo também assinaram o documento, que teve como
intermediário o presidente da CPT, Dom Enemésio Lazzaris.
A carta destaca a simplicidade do
novo papa e as recorrentes falas de aproximação da igreja aos pobres. Da mesma
forma, apresenta o trabalho das pastorais do campo, que ouvem os clamores dos
povos e suas lutas cotidianas pela garantia de seus direitos e pela permanência
na terra.
As pastorais reivindicam ainda a
regularização dos territórios tradicionalmente ocupados e a realização da “tão
sonhada reforma agrária”, assuntos ainda intermitentes na pauta governamental.
Ao mesmo tempo, também demonstram esperança de que um dia o papa possa visitar
essas comunidades, dando uma demonstração concreta do compromisso da igreja, em
assumir a “postura de Cristo junto aos pobres na terra”.
Confira a carta na íntegra
Caríssimo Irmão Francisco,
Como é bom nos dirigir ao
senhor chamando-o simplesmente de irmão, sem qualquer outro título que o
distancie do projeto de Jesus. Sentimo-nos muito próximos do senhor por esta
sua postura simples e sonhamos com um dia a Igreja se ver totalmente livre,
simples e pobre como Jesus de Nazaré, ao lado dos pobres com tantos rostos e
nomes. Queremos saudar sua presença no Brasil na Jornada Mundial da Juventude.
Quem somos nós? Somos um
conjunto de pastorais da igreja que atuam junto aos homens e mulheres do campo
e das águas: o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que atua junto aos
povos indígenas de todo o Brasil; a Comissão Pastoral da Terra, CPT, que tem
sua atuação junto às diversas categorias de camponeses e camponesas, junto aos
trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, aos pequenos agricultores familiares,
às comunidades quilombolas (comunidades remanescentes formadas por
afrodescendentes fugidos da escravidão) e junto aos trabalhadores que acabam
submetidos a condições análogas ao trabalho escravo; o Conselho Pastoral dos
Pescadores, CPP, que tem como objetivo ser presença de gratuidade evangélica no
meio dos pescadores e pescadoras artesanais, estimulando suas organizações para
a preservação do meio ambiente e a permanência em seus territórios
tradicionais; o Serviço Pastoral dos Migrantes, SPM, que desenvolve sua
ação junto às famílias que constantemente migram em busca de melhores condições
de vida, ou de pessoas que todos os anos procuram em outras regiões, longe de
suas casas, trabalhos temporários; a Pastoral da Juventude Rural,
PJR, que atua com os jovens camponeses.
Neste serviço solidário ouvimos
todos os dias os gemidos de dor e angústia de milhares de famílias que foram ou
ainda são espoliadas de suas terras, de seus meios de subsistência e de sua
cultura, que são discriminadas e invisibilizadas Os direitos destes povos,
comunidades e famílias são constantemente negados para abrir espaço ao avanço
de empresas e empreendimentos capitalistas com seus grandes projetos de
“desenvolvimento” com construção de hidrelétricas, exploração de minérios,
monocultivos do agronegócio e outros que tudo querem transformar em mercadoria.
Quando alguns direitos são
reconhecidos, acabam não sendo respeitados. Para serem reconhecidos é preciso
percorrer um penoso e desgastante processo que se prolonga por décadas. Isto
acontece, sobretudo quando se trata do direito aos territórios dos povos
indígenas, das comunidades quilombolas, dos pescadores e ribeirinhos e de
outras comunidades tradicionais. Porém o reconhecimento e regularização destes
territórios e a sonhada Reforma Agrária continuam presentes na sua pauta.
Este trabalho evangélico
desenvolvido por bispos, padres, religiosos e religiosas e, sobretudo, por
leigos e leigas sofre o ataque de diversos setores da sociedade, em especial
daqueles que se colocam como os únicos portadores de direitos, em particular do
direito de propriedade e dos que os apoiam. O mais angustiante, porém, é que
esta incompreensão a encontramos também em setores da própria igreja e da parte
de muitos bispos e padres que estão mais ao lado dos que têm bens e poder, do
que ao lado dos pobres.
Irmão Francisco, cada vez que o
ouvimos falar que a igreja deve sair de dentro de suas estruturas e estar ao
lado dos pobres para ouvir seus clamores e sentir de perto seus sofrimentos,
nos sentimos apoiados e fortalecidos em nosso trabalho e em nossa Missão que é
a missão samaritana de ajudar a que os caídos se levantem e caminhem por si, a
que os oprimidos ergam a cabeça reconhecendo sua dignidade de filhos e filhas
de Deus.
Gostaríamos imensamente que um
dia o senhor pudesse pessoalmente conhecer de perto a realidade do povo das
comunidades com as quais trabalhamos para dar-lhes uma palavra de incentivo e
afeto. Mas como no momento não é possível, gostaríamos que mesmo de longe envie
sua palavra de conforto para eles que sofrem a cada dia as violências e
as ameaças à vida e à dignidade humana.
Que o Senhor que é pai e mãe de
todos abençoe seu ministério à frente da Igreja e abençoe a todos e todas nós.
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