1 abril 2015, Carta Maior http://cartamaior.com.br (Brasil)
por
Emir Sader
Consolidar a democracia no Brasil significa quebrar a hegemonia do grande capital especulativo, dos monopólios de mídia e do financiamento privado de campanhas
O
Brasil vinha de três décadas de construção de um projeto nacional de
desenvolvimento com distribuição de renda e de menos de duas décadas de
democratização política, quando o golpe militar de 1964 rompeu com essas duas
vertentes e instalou uma ditadura militar e um modelo econômico de
superexploração do trabalho, de concentração de renda, de consumo de luxo e de
exportação.
Foi um movimento promovido pelo
grande empresariado, pelo governo dos Estados Unidos, pela mídia nacional e
internacional, com o apoio da Igreja católica. Em nome de uma suposta salvação
da democracia que estaria em perigo – as marchas se chamavam Marcha com Deus,
pela Familia e pela Liberdade --, instauraram a mais brutal ditadura que o
Brasil já viveu.
Foi uma virada radical na
história brasileira. Interrompeu-se bruscamente a construção democrática e a de
um projeto nacional e popular iniciado como Getúlio em 1930. Ao lado da
repressão a tudo que lhes parecia democrático – partidos populares, sindicatos,
mídia, universidades, Congresso, Judiciário, entre outros -, decretou-se de
imediato o arrocho salarial. Porque não foi apenas uma ditadura política contra
a democracia, foi também
uma ditadura do grande capital contra a classe
trabalhadora.
Todos os sindicatos tiveram
intervenção militar, aboliram-se as campanhas salariais, decretando-se assim
uma lua-de-mel para as grandes empresas nacionais e estrangeiras, que tiveram o
maior processo de acumulação concentrada de capital da história do Brasil em
poucos anos. O arrocho salarial foi o santo do chamado “milagre econômico”.
Saiu-se de um modelo
industrializador com distribuição de renda, para um modelo baseado na
superexploração do trabalho, no consumo de luxo e na exportação, com atração do
capital internacional. A partir daquele momento, a desigualdade social, que
historicamente caracterizava o Brasil, se acentuou como nunca.
O arrocho recaiu também sobre os
funcionários, públicos, deteriorando a qualidade dos serviços públicos. Vem
daquele momento a passagem maciça da classe média da escola pública para a
escola privada, assim como a extensão dos planos privados de saúde, em detrimento
dos programas de saúde publica.
O golpe e a ditadura
representaram assim uma guinada radical da história brasileira na direção da
ditadura e de um modelo econômico concentrador de renda. A repressão não se fez
só contra a democracia, mas também contra a classe trabalhadora, permitindo o
enriquecimento radical do grande empresariado nacional e estrangeiro.
Foram destruídas as organizações
populares, a imprensa democrática, os espaços educacionais autônomos, foi
difundida uma ideologia de “segurança nacional”, de caráter totalitário, as
informações foram censuradas e a sociedade não sabia o que estava acontecendo
no pais. A repressão dizimou toda uma geração de jovens militantes, presos,
torturados, executados.
O Brasil nunca mais foi o mesmo
desde então. A imagem do pais cordial, simpático, revelou que por trás disso
havia uma hidra preparada para aprisionar o pais num regime de terror.
Brasileiros foram capazes de cometer as mais atrozes formas de tortura contra
outros brasileiros, em nome de uma ideologia de militarização do Estado e de
extermínio de tudo o que pudesse ser obstáculo para seus objetivos.
O Brasil saiu da ditadura
machucado, ferido, ofendido, humilhado, impotente até para punir os assassinos
da democracia e da dignidade nacional, pela anistia imposta pelos próprios
torturadores. A democratização do pais foi um processo parcial, truncado,
unilateral. O poder econômico, midiático, protagonista da ditadura, sobreviveu
na democracia.
Consolidar a democracia no
Brasil hoje significa quebrar a hegemonia do grande capital especulativo sobre
a nossa economia, dos monopólios privados sobre a formação da opinião pública,
do financiamento privado sobre o processo eleitoral, do agronegócio sobre a
agricultura brasileira. E construir definitivamente uma consciência democrática
irreversível no pais, que impeça que aquela hidra assuste de novo ao Brasil.
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