19 abril 2015, Vermelho
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Imaginemos um país com um sistema
político frágil, marcado por uma longa ditadura e um governo progressista
razoavelmente novo onde o Executivo ainda é cercado por um parlamento
reacionário. Neste país a elite defende seus interesses e trabalha para manter
a dominação imperialista, enquanto isso, o povo – que escolheu o caminho da
justiça e da igualdade e social por meio de eleições democráticas – tenta, a
duras penas, garantir a legitimidade de seu voto.
Por Mariana Serafini
Este
país lembra algum que você conhece? O Brasil talvez… sim, eu poderia falar de
nossa terrinha tupiniquim, mas o exemplo do primeiro parágrafo trata do
Paraguai. Não faz tanto tempo assim que nosso vizinho levou um golpe
parlamentar e, salvo nossas diferenças, temos muito a aprender com o povo
guarani.
O mês é junho, o ano 2011, faz apenas quatro anos que o presidente Fernando Lugo foi eleito democraticamente e rompe com os 62 anos de supremacia do Partido Colorado. O político progressista ousa sinalizar que pretende fazer algumas reformas essenciais e melhorar o
acesso do povo aos serviços públicos.
Não pense que, em pouco mais de 36 meses, foi possível fazer grandes mudanças.
Se no Brasil, em mais de uma década, ainda não rompemos com um sistema viciado
e decadente, imagine em apenas um terço deste tempo?!O mês é junho, o ano 2011, faz apenas quatro anos que o presidente Fernando Lugo foi eleito democraticamente e rompe com os 62 anos de supremacia do Partido Colorado. O político progressista ousa sinalizar que pretende fazer algumas reformas essenciais e melhorar o
O que realmente aconteceu é que nestes quatro anos de governo, Lugo mostrou ao povo paraguaio ser possível haver mudanças, apontou o caminho de outro Paraguai, com menos desigualdades e injustiças, onde os serviços públicos de saúde e a educação poderiam ser um pouco mais dignos e a terra talvez pudesse ser distribuída para quem realmente nela trabalha.
Não precisou mais que isso para a elite – enfurecida – articular um golpe parlamentar que, em pleno século 21, mancha o capítulo democrático da história recente do nosso continente. Criou-se um clima instável no país, acusaram o presidente de “incapacidade administrativa”, um massacre (literalmente) foi armado no campo para tensionar ainda mais os ânimos, em questão de dias o circo estava armado e o pescoço de Lugo na guilhotina.
Havia uma diferença, bastante grande, com o que vivemos hoje no Brasil, a esquerda estava unida e os camponeses amplamente mobilizados em defesa do presidente. Mas a elite lá, talvez mais perspicaz que aqui, não se deu ao trabalho de armar “manifestações espontâneas” de massa alienada para fazer um papel ridículo, agiram rápido, e com o apoio direto dos Estados Unidos deram o xeque mate.
Um congresso reacionário e bem aparelhado, com apoio do sistema judiciário, armou um golpe em apenas 48 horas, ao presidente restou 120 minutos para a defesa. Não poderia haver outro resultado: foi deposto, com apenas 4 votos em seu favor. Uma saída sem volta pela porta da frente do palácio de governo, onde o povo o esperava de braços abertos para dizer “estamos contigo, Lugo, por uma América Latina soberana”.
A direita venceu uma vez mais, puxando o tapete, como lhe é conveniente. Ao povo paraguaio restou a ferida aberta na democracia e a esperança de que um amanhã poderá ser diferente.
Ao final do mandato do vice-presidente que assumiu o cargo máximo da República as eleições presidenciais foram chamadas e o Partido Colorado voltou ao poder. Desde então ainda não houve oportunidade para a ferida da democracia cicatrizar, pelo contrário, o atual presidente, Horácio Cartes, faz um novo corte a cada dia, na carne do povo, obviamente.
Em menos de um mês de mandato Cartes apresentou a Lei de Militarização, que foi rapidamente aprovada pelo Congresso (como já sabemos: reacionário). Em seguida veio a lei que amplia o sistema de privatizações e concessões de bens naturais, a chamada APP (Aliança Público-Privada), já podemos imaginar o posicionamento dos parlamentares, sim? Esta última causou efeitos nefastos em poucos meses. As universidades públicas, por exemplo, foram à bancarrota, enquanto a exploração internacional fixa cada vez melhor suas garras nos minérios e outros recursos naturais.
Desde as últimas eleições presidenciais o Paraguai vive um “semi Estado de Sítio”, onde o Estado de Direito é convenientemente suspenso sempre que o presidente vê necessidade. A repressão no campo aumentou de forma desmedida, lideranças sindicais e camponesas são perseguidas, coagidas e assassinadas. Jornalistas são ameaçados, amordaçados e presos. Eu mesma já estive numa prisão, na capital Assunção, para visitar dirigentes camponeses que tiveram sua liberdade roubada por defender o direito à terra e à produção de alimentos saudáveis.
Os movimentos sociais vivem numa constante tensão onde sempre é possível regredir um pouco mais, perder mais algum direito conquistado, recuar, apesar de toda a resistência que cresce diariamente. Os sindicatos têm mãos atadas e a população pobre já corre o risco de não acreditar mais no amanhã.
Esses são os efeitos de um golpe de Estado. Não é preciso uma ditadura militar novamente para que os direitos sejam suspensos e as liberdades cerceadas. O fato de ter o voto popular desrespeitado causa feridas incuráveis à democracia. Cabe ao povo resistir e enfrentar a ofensiva da direita que chegou de forma avassaladora no Paraguai e agora está por aqui, como um espectro, montando seu circo para mais um espetáculo de mau gosto. Resistamos.
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