segunda-feira, 6 de abril de 2015

Moçambique/NAMATILI IMORTALIZADA



A escolha da aldeia rústica de Namatili, localidade de Nachitenje, posto administrativo de Ng´apa, distrito setentrional de Mueda, em Cabo Delgado, para o acolhimento da cerimónia oficial do lançamento das comemorações dos 40 anos de independência nacional de Moçambique, é um tributo a heróis mortos e vivos da luta de libertação nacional, num lugar de elevado interesse histórico, que se pode considerar um dos últimos redutos da resistência da tropa colonial portuguesa, face à necessidade inadiável de o povo moçambicano alcançar a sua autodeterminação.

Namatil, posto Omar ou Nambi Lião
O novo ciclo de governação em Moçambique põe assim um acento tónico à necessidade de imortalizar a nossa história colectiva e o lançamento da tradicional e emblemática chama da unidade, que desta vez mudou de ponto de partida, que desde 1975 era Nangade, distrito não menos importante no quadro da luta que conduziu o país à independência nacional,
com o objectivo expresso de não matar o significado histórico-libertador de Namatili, posto Omar para a tropa colonial portuguesa, região do régulo Nambi Lião.

O nosso Jornal antecipou-se no terreno para perceber as razões da escolha deste local para a cerimónia de Estado que amanhã, 7 de Abril, Dia da Mulher Moçambicana, tem lugar, marcando o início das comemorações do 40.º aniversário da independência, com o lançamento da pira que vai percorrer todos os distritos do país, para que a 25 de Junho dê entrada na cidade de Maputo, onde será recebida por quem a vai acender, o Chefe do Estado moçambicano, Filipe Jacinto Nyusi.

Namatili está a 70 quilómetros da vila-sede de Mueda, situada no corredor que a operação “Nó Górdio”, do General Kaúlza de Arriaga, posta em acção em 1970, tinha montado com o intuito de conter em definitivo o avanço dos guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), impedindo assim os reabastecimentos em material de guerra, hospitalar e de educação para as zonas libertadas no interior de Cabo Delgado.

Com efeito, de acordo com o General na Reserva Selésio Nalyambipano, a operação planeada por Kaúlza de Arriaga não teria o sucesso previsto se Namatili continuasse nas mãos dos guerrilheiros da Frelimo, porta de entrada de novos aderentes à causa libertadora, a partir donde eram encaminhados para centros de triagem e de treino em território tanzaniano, bem assim de todo o apoio logístico militar, hospitalar e de educação, que alimentava as zonas libertadas pelos guerrilheiros, no interior nacional.

O exército colonial tinha nas mãos os postos militares de Negomano, Nazombe, Mocímboa do Rovuma (hoje Ng´apa), Pundanhar, Nangade, Sofala e Palma, ficando, entretanto, uma região igualmente vital, o posto fronteiriço de Namatili, pelo que urgia a sua tomada, completando, deste modo, o cordão de segurança ao longo do rio Rovuma, teoricamente, suficiente para impedir o ímpeto da luta de libertação nacional, baseando-se na ideia de que os guerrilheiros no interior de Cabo Delgado não teriam os reabastecimentos que os permitissem continuar a luta, o que levaria ao adiamento do processo libertador.

A tomada seria facilitada, segundo o nosso entrevistado, depois de Lázaro Nkavandame, que era o secretário provincial de Cabo Delgado, se entregar às forças inimigas, em Março de 1969, em Nangade, a partir da província tanzaniana de Mtwara. O fugitivo terá dado toda a informação sobre Namatili, incluindo a sua importância do ponto de vista logístico.

Ferido o orgulho de Samora Machel
No ano em que iniciou a operação “Nó Górdio”, foi tomada a base guerrilheira de Namatili, que na verdade se tratava de um destacamento de segurança, denominado Limpopo, responsável por, como acima foi dito, receber material de guerra e acondicioná-lo em abrigos, antes de distribuí-lo às bases no interior, segundo as necessidades, bem assim cabia-lhe a responsabilidade de receber e encaminhar para treinos na Tanzania moçambicanos que ingressavam na Frente, depois de uma cuidada triagem.

Entretanto, conforme Selésio Nalyambipano, o presidente da FRELIMO e comandante das Forças Armadas de Libertação de Moçambique, Samora Machel, nunca se conformou com a perca de Namatili, pela sua localização estratégica e, sobretudo, porque o efeito psicológico era elevado, principalmente nas noites e acrescenta:

“Estando na outra margem, parte tanzaniana, eram luzes a iluminar toda a margem direita do Rovuma, nomeadamente, nos postos de Negomano, Nazombe, Mocímboa do Rovuma, já agora, a base Omar, Pundanhar, Nangade e Palma, uma autêntica propaganda inimiga e, sinceramente, era provocatório” explica Nalyambipano.

De acordo com o General, o Presidente Samora Machel, sempre que estivesse na fronteira em fins militares, insistia para os comandantes que se devia fazer algo inteligente para a retomada da base de Namatili, que para além da sua importância estratégica havia a imperiosidade de devolver o orgulho nacional beliscado em grande medida com a tomada da posição.
Nessa altura, o destacamento de segurança, que abandonara o local, estava instalado nas montanhas a montante, não muito longe de Namatili, controlando, nessas condições, todos os movimentos da tropa colonial e as intenções do Presidente Samora eram diariamente transmitidas aos comandantes no interior, até que foi necessário agir com actos tendentes à retomada daquela posição nevrálgica.

Desencadeou-se a selecção de elementos, entre os guerrilheiros, para uma formação específica em Nachingwea e um processo de reconhecimento minucioso, levado a cabo por diferentes grupos de reconhecimento de vários destacamentos que actuavam no chamado primeiro sector da luta de libertação nacional, em Cabo Delgado, que compreendia a região entre o rio Rovuma e a estrada principal que liga Mueda e Mocímboa da Praia.

Na sequência das informações trazidas pelos diferentes grupos de reconhecimento e sistematizadas, tendo em conta que eram recolhidas por entidades que não se conheciam entre si, naquela missão, o nosso interlocutor diz ter-se chegado à conclusão de que a posição era vulnerável e podia ser tomada em cumprimento da vontade expressa por Samora Machel.
“ A ordem de Samora Machel era atacar e ocupar, conforme as circunstâncias. Podia ser que não houvesse resistência, aí era para capturar os soldados coloniais, mas caso estes oferecessem resistência era matar tudo e todos, para a reocupação definitiva”, palavras de Selésio Nalyambipano, que acrescenta: “Os comandantes da operação foram indicados a dedo por Samora Machel e os soldados são aqueles que estiveram numa formação especial durante algum tempo”, ajuntou.

O ataque foi superiormente dirigido por Samora Machel, a partir da Tanzania e no terreno o comandante da artilharia foi Salvador Atanásio Ntumuke, General na Reserva e actual ministro da Defesa Nacional, e a Infantaria estava a cargo de Gilberto Sambino, tendo como comissário Abel Assikala, já falecido, com a patente de Coronel na Reserva.

“Foi Assikala que, depois de cercarmos este quartel sem hipótese para nada, pegou num megafone e apelou à rendição incondicional de toda tropa colonial, dirigindo-se imediatamente e desarmados à pista de aterragem, o que foi cumprido na íntegra”, explica Selésio Nalyambipano.

Uma Companhia de Caçadores de respeito
Eram 137 soldados portugueses na chamada base Omar, que a partir de 1 de Agosto de 1974 voltou ao seu nome, Namatili. Um integrante ter-se-á escapulido, até apresentar-se no quartel colonial de Nangade. Ele é considerado como quem deu a informação da reocupação da posição e naqueles moldes.

Alberto Chipande e Selésio Nalyambipano, ambos Generais na Reserva, nessa altura pertenciam ao Comando Recuado, foram os responsáveis por dirigir o grupo dos capturados até os entregar às mãos da Cruz Vermelha Internacional, no actual posto administrativo de Ng´apa.

A lista dos soldados naquela data precisa não está disponível, mas a nossa Reportagem encontrou uma outra, estampada na parede duma das casernas, referente ao mesmo período, que pode ajudar a esclarecer o valor que a exército colonial emprestava à posição.

Com efeito, a lista refere-se à Primeira Companhia de Cavalaria, que esteve na base Omar de 23 de Fevereiro de 1972 a 24 de Fevereiro 1973, portanto antes de 1 de Agosto de 1974, dia da rendição dos soldados portugueses, que contava com furriéis com uma companhia de caça, com o código 3495.

Era constituída por um enfermeiro de nome Carranca, um mecânico-auto de nome Gama, um vague/mestre chamado Matos e uma mulher nas transmissões, conhecida pelo único nome de Paula.

Depois vinha o pisteiro Ferreira, atirador, como igualmente eram Azevedo (um G.E.), Neto, Guimarães, Dias, Ponte, Caeiro, Maia (um G.E.P.), Taveira, F. Alves, M. Alves, Reis (armas pesadas) e Alferes Água (das operações especiais).

Por outro lado, havia uma outra companhia, com o código 3495, de caçadores e sapadores de minas, a artilharia 3574 e a terceira companhia de comandos.

Do rescaldo da ocupação, para além de todo equipamento militar, o General Nalyambipano destaca uma grande quantidade de bebidas alcoólicas, que depois foram enviadas para Tanzania.

“Eles estavam aqui só a embebedar-se, e nós oferecemos a bebida aos tanzanianos, porque entre nós a disciplina era outra, diferente”.

Namatili vai mudar
Namatili está, por outro lado, circundado por aldeias que têm, outrossim, palavras a dizer no processo libertador moçambicano, entre as quais Nonje, Nachitenje e Chilinde, esta última que acolheu a única reunião de Eduardo Mondlane, nas zonas libertadas, exactamente um mês antes de ser assassinado, a 3 de Fevereiro de 1969.

A sete quilómetros do rio Rovuma, Namatili é obviamente um posto de travessia com instituições do Estado, pelo menos da Alfândega e Migração, que controla uma média de 30 pessoas por dia, havendo momentos de pico, nos meses de Setembro/Outubro, revelou-nos o respectivo chefe dos serviços migratórios, Silvestre Adabo.

Amanhã e no quadro do programa oficial do lançamento das comemorações do aniversário da independência nacional, está previsto o início da construção de cinco casas, pertencentes ao Fundo de Habitação. As obras estão adjudicadas à Neusa Construções, a mesma empreiteira que esteve a construir a praça memorial do acontecimento, a de partida da chama da unidade, bem como a reabilitação de alguns edifícios administrativos.

Com 8114 habitantes, segundo o censo de 2007, à aldeia de Namatili foi oferecida, sábado passado, uma feira de saúde, que contou com a prestação de serviços de ensino de lavagem correcta das mãos, controlo nutricional, consultas de otorrino, estomatologia, psiquiatria, saúde mental, vacinação, planeamento familiar, triagem e consultas médicas, serviços da Mulher e Acção Social, entre outros.

João Andala, director de Saúde de Mueda, disse que a equipa médica viera do distrito e ficou surpreendida pela adesão dos habitantes de Namatili que acorreram ao campo de futebol local onde estiveram montadas as tendas e biombos, principalmente no aconselhamento e testagem de doenças de transmissão sexual, o que não tem sido habitual em ambientes pouco urbanizados.
“Há que salientar, por exemplo, que num dia já tivemos 10 unidades de sangue doado pela população de Namatili, sendo pena que esta oportunidade era apenas para um dia”, disse o director distrital da Saúde.

A povoação estava, até ontem, a ser electrificada por ocasião da cerimónia de amanhã e empresas de telefonia móvel estiveram igualmente a montar as suas antenas, para viabilizar as comunicações.

Pedro Nacuo 


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