2 abril 2015, ODiario.info http://www.odiario.info (Portugal)
Este artigo foi publicado pelo insuspeito “Der Spiegel”. Contém
informação oriunda do interior do campo imperialista ocidental, e é elucidativo
acerca das suas contradições internas. Nomeadamente as dos que vêm avançar, com
alarme mas também com manifesta impotência, a dementada marcha dos EUA e da
NATO na escalada do conflito ucraniano.
Na passada quarta-feira havia calma no leste ucraniano. Na verdade,
tratava-se de mais um dia calmo numa sequência alargada de relativa acalmia. As
batalhas entre o exército ucraniano e os separatistas pró-russos tinham cessado
em grande medida e o armamento pesado estava a ser retirado. O acordo de
cessar-fogo de Minsk podia não estar a funcionar na perfeição, mas estava a
aguentar-se.
Nesse mesmo dia, o general Philip Breedlove, comandante em chefe da
NATO na Europa, dirigiu-se à imprensa em Washington. Putin, disse, tinha de
novo “subido a parada” no leste da Ucrânia – com “bem mais do que mil carros de
combate, forças de combate russas, alguma da sua mais sofisticada defesa aérea,
batalhões de artilharia” a terem sido enviados para o Donbass. “O que fica
claro”, disse Breedlove, “é que neste momento as coisas não estão a melhorar.
Estão a piorar todos os dias”.
Os dirigentes alemães em Berlim ficaram estarrecidos. Não
compreendiam acerca do quê estava Breedlove a falar. E não era a primeira vez
que isso sucedia. Mais uma vez o governo alemão, apoiado na informação
recolhida pelo Bundesnachrichtendienst (BND), o serviço de informações
externas
alemão, não partilhava do ponto de vista do Supremo Comando Aliado Europeu
(SACEUR) da NATO.
O padrão tornou-se habitual. Há meses que Breedlove vem formulando
comentários acerca das actividades russas na Ucrânia de Leste, falando de
avanços de tropas na fronteira, da concentração de munições e de alegadas
colunas de tanques russos. E, vezes sem conta, os números de Breedlove têm sido
significativamente mais elevados do que aqueles que estão na posse dos aliados
europeus da NATO americana. Nestes termos o que ele está a fazer é remeter-se
directamente às mãos da linha dura no congresso dos EUA e da NATO.
O Governo alemão está alarmado. Estarão os americanos a tentar
desviar os esforços de mediação liderados pela chanceler Angela Merkel? Fontes
na Chancelaria têm caracterizado os comentários de Breedlove como “propaganda
perigosa.” O ministro dos Estrangeiros Frank-Walter Steinmeier considerou mesmo
necessário abordar a questão dos comentários de Breedlove junto do
Secretário-Geral da NATO Jens Stoltenberg.
O “Super Falcão”
Entretanto, Breedlove não tem sido a única fonte de atrito. Os
europeus têm vindo a encarar outros também como obstáculos à tentativa europeia
de conseguir uma solução diplomática para o conflito ucraniano. De entre eles,
em primeiro lugar muito destacado está Victoria Nuland, a chefe do Assuntos
europeus no Departamento de Estado dos EUA. Ela e outros gostariam de ver
Washington a fornecer armas à Ucrânia, e são apoiados tanto por congressistas
republicanos como por muito influentes membros dos democratas.
Efectivamente, o presidente Obama aparenta estar quase isolado.
Manifestou – até ao momento - o seu apoio aos esforços diplomáticos de Merkel,
mas também tem feito muito pouco para acalmar aqueles que procuram a agudização
das tensões com a Rússia e fornecer armas à Ucrânia. Fontes em Washington dizem
que os belicosos comentários de Breedlove passam sempre pelo visto prévio da
Casa Branca e do Pentágono. Ao general, dizem, cabe o lugar de “super falcão”
cujo papel é o de intensificar a pressão sobre os mais circunspectos parceiros
transatlânticos dos americanos.
É necessária uma mistura de argumentação política e de propaganda
militar. Mas já lá vão largos meses em que muita gente na Chancelaria
simplesmente abana a cabeça em discordância de cada vez que a NATO, sob a
liderança de Breedlove, vem a público com bombásticos anúncios de movimentos de
tropas ou tanques russos. Evidentemente que nem os peritos em assuntos russos
de Berlim nem os analistas de informação do BND duvidam de que Moscovo apoia os
separatistas pró-russo. O BND possui provas desse apoio.
Mas o que incomoda Berlim é o tom dos anúncios de Breedlove. No
decurso de um recente debate acerca da Ucrânia, um alto responsável alemão
advertiu que alegações falsas e estimativas exageradas colocaram a NATO – e o
ocidente, por extensão – em risco de perda de credibilidade.
Exemplos não faltam. Há pouco mais de três semanas, no decurso das
conversações em Minsk sobre o cessar-fogo, os militares ucranianos advertiram
que os russos – mesmo com a maratona diplomática a decorrer – tinham
movimentado através da fronteira para Luhansk 50 tanques e dezenas de rockets.
Apenas um dia antes, o tenente general Bem Hodges dos EUA tinha anunciado uma
“intervenção militar directa russa.”
Altos responsáveis em Berlim solicitaram de imediato informação ao
BND, mas as imagens de satélite dos serviços de informações mostravam apenas
alguns veículos blindados. Mesmo os agentes dos serviços de informações
americanos que fornecem ao BND relatórios diários eram muito mais reservados
acerca do incidente do Hodges nas suas declarações públicas. Um agente dos
serviços de informações disse que a forma como o general tirou as suas
conclusões “permanece até hoje um enigma.”
Muito mais cautelosos
Um perito militar internacional em Kiev confirmou que “os serviços
de informações alemães avaliam o nível de risco de forma muito mais cautelosa
que os americanos.”
No início da crise, o general Breedlove anunciou que os russos
tinham concentrado 40 000 militares na fronteira ucraniana e advertiu que a
invasão poderia verificar-se a qualquer momento. A situação, disse, era
“incrivelmente preocupante.” Mas agentes de informação de estados membros da
NATO tinham já excluído a possibilidade de uma invasão russa. Acreditavam que
nem a composição nem o equipamento das tropas indicava uma invasão iminente.
Os peritos contradisseram o ponto de vista e Breedlove em
praticamente todos os aspectos. Não existiam 40 000 soldados na fronteira
segundo a sua opinião, quando muito estariam bastante menos de 30 000 e talvez
mesmo menos de 20 000. Para além disso, a maior parte do equipamento militar
não tinha sido trazido para a fronteira com vista a uma possível invasão, já lá
se encontrava antes do início do conflito. E, ainda, não existia qualquer
indício da preparação logística de uma invasão, como a instalação de um comando
de campo.
Apesar disso Breedlove produziu reiteradamente declarações
inexactas, contraditórias ou mesmo redondamente falsas. Em 18 de Novembro de
2014 disse ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung que existiam
“unidades regulares do exército russo no leste da Ucrânia.” Um dia depois,
disse ao sítio web da revista alemã Stern que não eram unidades de combate, mas
“sobretudo instrutores e conselheiros.”
Disse inicialmente que eram “entre 250 e 300”, e depois “entre 300
e 500.” Durante algum tempo a NATO chegou mesmo a falar em 1000.
O facto de a NATO não dispor de um serviço de informações próprio é um trunfo para Breedlove. A aliança apoia-se em informação recolhida por agentes dos EUA, Grã-Bretanha, Alemanha e outros Estados membros. Desse modo, o SACEUR tem um amplo leque de informação para escolher a que lhe convém.
Influenciando Breedlove
No decurso de uma visita a Sofia, Bulgária, Breedlove referiu que “temos visto colunas de equipamento russo – nomeadamente tanques russos, artilharia russa, sistemas de defesa antiaérea russos e efectivos de combate russos – a entrar na Ucrânia. “Trata-se”, notou, “da mesma coisa que vem sendo relatada pela OSCE.” Mas a OSCE tinha apenas observado colunas militares no interior da Ucrânia oriental. Os observadores da OSCE nada tinham referido acerca de tropas russas a entrar a partir da Rússia.
No decurso de uma visita a Sofia, Bulgária, Breedlove referiu que “temos visto colunas de equipamento russo – nomeadamente tanques russos, artilharia russa, sistemas de defesa antiaérea russos e efectivos de combate russos – a entrar na Ucrânia. “Trata-se”, notou, “da mesma coisa que vem sendo relatada pela OSCE.” Mas a OSCE tinha apenas observado colunas militares no interior da Ucrânia oriental. Os observadores da OSCE nada tinham referido acerca de tropas russas a entrar a partir da Rússia.
Breedlove não encontra qualquer razão para rever a sua abordagem. “Confirmo
todas as declarações públicas que tenho feito no decurso da crise ucraniana,”
escreveu ele ao SPIEGEL em resposta à solicitação de uma declaração que acompanhava
uma lista das suas controversas afirmações. Escreveu que seria de esperar que
as informações do centro de informações da NATO, que recebe informação de todos
os 33 membros da aliança e ainda dos Estados parceiros, nem sempre seja
coincidente com as informações de nações individualmente consideradas. “É
normal que nem todos estejam de acordo com as informações que eu veiculo,”
escreveu.
Diz que a estratégia da NATO é de “divulgar informação clara,
precisa e oportuna relativamente a acontecimentos em curso.” Escreveu ainda
que: “Como aliança baseada nos valores fundamentais da liberdade e da
democracia, a nossa resposta a propaganda não pode ser mais propaganda. Apenas
pode ser a verdade.”
O governo alemão, entretanto, está a fazer o possível para
influenciar Breedlove. Fontes em Berlim dizem que nas últimas semanas têm tido
lugar conversas com este objectivo. Mas na sede da NATO em Bruxelas há muitos
que estão igualmente preocupados com as declarações de Breedlove. Na
terça-feira da semana passada as actividades públicas de Breedlove estavam na
ordem do dia do almoço semanal de trabalho do Conselho do Atlântico Norte.
Numerosos embaixadores presentes criticaram Breedlove e exprimiram a sua
incredulidade perante algumas das declarações do comandante.
O governo em Berlim está preocupado no sentido de que as
declarações de Breedlove possam afectar a credibilidade ocidental. O ocidente
não pode opor à propaganda russa a sua própria propaganda, “mas deve antes
recorrer a argumentos que estejam à altura de um Estado constitucional.” Fontes
de Berlim dizem também que se tornou evidente que as controversas declarações
de Breedlove surgem em regra precisamente quando se verifica algum avanço nas
difíceis negociações que procuram uma solução política. Fontes de Berlim dizem
que a Alemanha deveria poder contar com o apoio dos seus aliados nos seus
esforços pela paz.
Pressão sobre Obama
Peritos alemães em política externa estão todos de acordo em
definir Breedlove como um falcão. “Preferiria que os comentários de Breedlove
sobre assuntos políticos fossem inteligentes e discretos,” diz por exemplo o
parlamentar social-democrata Niels Annen. “Em vez disso, nos últimos tempos a
NATO não tem feito outra coisa senão anunciar uma nova ofensiva russa quando,
na nossa opinião, tinha chegado o tempo para um optimismo cauteloso.” Annen,
que há muito se especializou em política externa, tem-se manifestado
frequentemente insatisfeito com a informação fornecida pelo quartel-general da
NATO. “Nós, parlamentares, temos ficado frequentemente perplexos perante
informação relativa a alegados movimentos de tropas que eram inconsistentes com
a informação de que dispúnhamos”, diz.
A pressão sobre Obama por parte dos republicanos, e também por
parte do seu próprio campo político, é intensa. No caso do cessar-fogo no leste
da Ucrânia falhar, será provavelmente difícil continuar a recusar os pedidos de
Kiev para o envio das chamadas “armas defensivas”. E isso representaria uma
dramática escalada da crise. Moscovo começou já a avançar com ameaças,
antecipando tais fornecimentos. “Qualquer fornecimento de armamento a Kiev irá
provocar uma escalada da tensão e desestabilizará a segurança europeia”, disse
na quarta-feira Nikolai Patrushev, secretário do conselho nacional de segurança
russo, ao jornal russo Komsomolskaya Pravda.
Embora o presidente Obama tenha até ao momento decidido dar uma
oportunidade à diplomacia europeia, falcões como Breedlove ou Victoria Nuland
estão a fazer todos os possíveis para abrir caminho ao fornecimento de armamento.
“Podemos combater contra os europeus, combate-los retoricamente,” disse Nuland
no decurso de um encontro privado de funcionários americanos à margem da
Conferência de Segurança de Munique, no início de Fevereiro.
Noticiando mais tarde sobre esse encontro, o tablóide Bild relatou que Nuland se referiu à viagem da chanceler a Moscovo, no início de Fevereiro, para conversações com Putin como “a coisa da Merkel em Moscovo.” Não é de admirar, assim, de que as pessoas em Berlim tenham a impressão de que os grupos de poder em Washington estão a trabalhar contra os europeus. Funcionários em Berlim têm dado conta de que, após cada visita de políticos ou militares americanos a Kiev, os responsáveis ucranianos se manifestam muito mais belicosos e optimistas no que diz respeito à capacidade dos militares ucranianos em vencer o conflito no campo de batalha. “Temos então de, laboriosamente, trazer os ucranianos de volta à via das negociações, disse um responsável berlinense.
A diplomacia de Nuland
Nuland, que é vista como uma possível secretária de estado caso os
republicanos regressem à Casa Branca nas próximas eleições presidenciais, é uma
voz importante na política dos EUA relativamente à Ucrânia e à Rússia. Nunca
procurou esconder a sua ligação afectiva à Rússia, dizendo até “Amo a Rússia.”
Os seus avós emigraram da Bessarábia, que pertencia então ao império russo,
para os EUA. Nuland fala fluentemente russo.
É também muito directa. Pode ser muito interessada e divertida, mas
tem sucedido que assuma um tom não-diplomático – e nem sempre tem errado ao
fazê-lo. Mykola Asarov, que foi primeiro-ministro na altura do derrubado
presidente Viktor Yanukovych, recorda que Nuland fez basicamente chantagem
sobre Yanukovych no sentido de evitar maior derramamento de sangue em Kiev
durante os protestos da praça Maidan. “Nenhuma violência sobre os
manifestantes, caso contrário você cai,” disse-lhe Nuland, segundo Asarov.
Ameaçou ainda com duras sanções económicas e políticas tanto a Ucrânia como os
seus dirigentes. Segundo Asarov, Nuland declarou que, se fosse feito uso de
violência sobre os manifestantes da Praça Maidan, informação acerca do dinheiro
que ele e os eus cúmplices tinham feito sair do país seria tornada pública.
Nuland tem também sido – pelo menos internamente – franca no que
diz respeito ao seu desprezo pela fraqueza europeia e é famosa a sua declaração
“F…. a UE” no decurso dos primeiros dias da crise ucraniana em Fevereiro de
2014. O marido, o neoconservador Robert Kagan é, no fim de contas, quem cunhou
a ideia de que os americanos são de Marte e os europeus, incapazes de
reconhecer que a verdadeira segurança assenta no poder militar, são de Vénus.
No que diz respeito ao objectivo de fornecer armas à Ucrânia,
Nuland e Breedlove trabalham de mãos dadas. No primeiro dia da Conferência de
Segurança de Munique, os dois reuniram à porta fechada a delegação dos EUA para
discutir a sua estratégia para quebrar a resistência europeia ao armamento da
Ucrânia.
No sétimo piso do hotel Bayerischer Hof, no coração de Munique,
coube a Nuland iniciar o enquadramento. “No decurso das conversas deste
fim-de-semana com os europeus, devem argumentar que a Rússia está a colocar
mais e mais material ofensivo e nós queremos ajudar os ucranianos a
defenderem-se desses sistemas,” disse Nuland. “É defensivo na sua natureza
embora algum dele possua letalidade.”
Treinando Tropas?
Breedlove complementou isto com pormenores militares, dizendo que
uma moderada ajuda em armamento era inevitável – de outro modo nem as sanções
nem a pressão diplomática teriam qualquer efeito. “Se pudermos incrementar os
custos para a Rússia no campo de batalha, os outros instrumentos tornar-se-ão
mais eficientes,” disse. “É isso que deveremos fazer aqui.”
Altos funcionários políticos em Berlim têm sempre considerado uma
posição comum relativamente à Rússia como um pré-requisito necessário para o
sucesso nos esforços de paz. Até ao momento essa posição comum tem-se
aguentado, mas o que está em disputa é uma questão fundamental – e assenta na
questão de se a diplomacia pode ter sucesso sem a ameaça de acção militar.
Acrescenta-se a isso que os parceiros transatlânticos têm também objectivos
diferentes. Enquanto o objectivo da iniciativa franco-alemã é estabilizar a
situação na Ucrânia, a preocupação dos falcões dentro da administração dos EUA
é a Rússia. Querem fazer recuar a influência de Moscovo na região e
desestabilizar o poder de Putin. Para eles, a conclusão ideal seria uma mudança
de regime em Moscovo.
Há um grande camp de treinos militares em Yavoriv no leste da
Ucrânia, próximo da fronteira polaca. Durante a era soviética, serviu como a
instalação militar mais a ocidente da União Soviética. Contudo, desde 1998, tem
sido utilizado para exercícios conjuntos por forças ucranianas com os EUA e a
NATO. Yavoriv é também o local onde os soldados EUA pretendem treinar membros
da Guarda Nacional Ucraniana para a sua batalha futura contra os separatistas.
Segundo os planos do Pentágono, oficiais americanos treinariam tropas
ucranianas no uso de dispositivos de localização de artilharia por radar
americanos. Pelo menos é o que o comandante do exército EUA na Europa
Tem-General Hodges anunciou em Janeiro.
Este treino estava efectivamente previsto começar no início de
Março. Contudo, antes de ter começado, o presidente Obama suspendeu-o, no
sentido de dar uma oportunidade ao acordo de cessar-fogo alcançado em Minsk.
Apesar disso, os falcões continuam confiantes em que em breve darão mais um
passo na direcção do seu objectivo. Na terça-feira, durante uma presença em Berlim,
Hodges disse que espera que o treino irá mesmo começar em alguma altura do
corrente mês.
Este artigo encontra-se em: http://www.spiegel.de/international/world/germany-concerned-about-aggressive-nato-stance-on-ukraine-a-1022193.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário